Economia

Futuro da Mozal: Jogo de Equilíbrio: Negociar Com Firmeza e Inteligência

 Texto: Felisberto Ruco • Fotografia: D.R.
Analistas indicam que há vias de compromisso possíveis para acolher os objectivos da South32, HCB e do País (trabalhadores, fornecedores e cofres estatais) nas negociações em curso sobre o futuro da Mozal. A E&M explora alguns dos caminhos para ultrapassar diferendos e fragilidades.

A negociação em curso tem suscitado a atenção de vários analistas — defendendo a necessidade de haver mais informação pública sobre o dossiê —, que apontam para a delicadeza das negociações. Há muitas variáveis em jogo (mais do que parece à primeira vista), e encontrar o equilíbrio vai exigir muita competência. O economista Egas Daniel disse à E&M que o diferendo “vai muito além de uma simples disputa sobre tarifas: expõe fragilidades estruturais da economia e pode ter consequências profundas no plano social e económico.”

O analista sublinhou o dilema central: “A Mozal consome quase metade da energia da HCB. Para a empresa, tarifas mais altas ameaçam a competitividade; para o Estado, subsidiar fragiliza a HCB. Ceder enfraquece a HCB; endurecer em excesso enfraquece a economia nacional.” Daí a proposta de “negociar com firmeza e inteligência”, impondo contrapartidas claras: manutenção de empregos, integração de fornecedores locais, transformação parcial da produção no País e maior contribuição fiscal justa. O economista defende ainda uma via de compromisso: “Em vez de se insistir apenas em tarifas elevadas no início, o Governo pode aceitar tarifas iniciais mais baixas em troca de participação directa nos lucros futuros — dividendos, royalties progressivos ou percentagem sobre exportações líquidas. Alivia-se a pressão no curto prazo e garante-se que Moçambique não abdica de receitas, apenas as transforma em ganhos sustentáveis quando a operação estiver mais lucrativa.”

A Mozal responde por cerca de 3% do PIB e por 1,1 mil milhões de dólares em exportações anuais, com forte peso na entrada de divisas. Porém, estudos independentes e organizações da sociedade civil chamam a atenção para o descompasso entre escala e retorno fiscal. O Centro de Integridade Pública (CIP) tem sublinhado que a contribuição directa da Mozal para as receitas do Estado tem sido muito baixa — nalguns exercícios menos de 0,2% do total e, em 2021, 0,07%.

A síntese dos especialistas é clara: o desafio não é escolher entre Mozal e HCB, é desenhar um modelo que assegure produção industrial sem sacrificar a sustentabilidade energética

Para Edson Cortez, director executivo do CIP, o debate não é apenas sobre o preço da energia; é também sobre a equidade de benefícios: “Não podemos, 25 anos depois, subsidiar uma empresa que pouco ou quase nada deu ao País.” O analista e investigador critica ainda a escassez de informação oficial sobre o andamento das conversações: “Governar é também comunicar. A sociedade tem o direito de saber que contrapartidas estão em cima da mesa.”

 

Emprego e fornecedores sob pressão

A Confederação das Associações Económicas (CTA) denunciou a rescisão súbita de contratos com cerca de 20 empresas, com pelo menos mil trabalhadores já sem emprego. No conjunto, a Mozal sustenta 5000 postos directos e mais de 27 000 indirectos, entre prestadores de serviços, logística, manutenção e fornecimentos industriais. Moisés Siúta, pesquisador do Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE), alerta para efeitos imediatos.

“Qualquer paragem ou redução de produção repercute-se, não apenas sobre os trabalhadores directamente contratados, como também sobre as pequenas e médias empresas que prestam serviços à Mozal.” Para o investigador, o momento é também “uma oportunidade para renegociar condições estruturais que permitam ao País extrair melhores benefícios de um projecto desta dimensão.”

 

Transparência, contratos e previsibilidade regulatória

Edson Cortez considera que a situação revela falhas de comunicação pública e a necessidade de somar previsibilidade contratual a escrutínio parlamentar: “Contratos com multinacionais devem ser claros, equilibrados e previsíveis, com cláusulas de revisão periódica e mecanismos automáticos de ajustamento. Quanto maior o escrutínio, melhor a qualidade dos acordos.” O dirigente alerta para o risco de efeito de arrasto: “Ceder num caso pode abrir espaço para exigências semelhantes de outras empresas.”

Edson Cortez, director executivo do Centro de Integridade Pública (CIP), alerta para o risco de um  efeito de arrasto: “Ceder num caso pode abrir espaço para exigências semelhantes de outras empresas”

Na mesma linha, Egas Daniel enfatiza a criação de instâncias permanentes de diálogo e arbitragem para antecipar divergências, e a urgência da diversificação produtiva e energética: “Nenhuma economia pode depender de forma desproporcionada de um único projecto ou de uma só fonte de energia.”

Modernização tecnológica e metas climáticas como parte da solução

Nas entrevistas recolhidas pela E&M, ganha corpo a ideia de ligar a negociação energética a compromissos tecnológicos e ambientais. Moisés Siúta e outros analistas apontam a modernização da fundição para eficiência energética e redução da intensidade de consumo como alavanca de competitividade, sem carregar a factura sobre a HCB.

Do lado da empresa, constam metas de redução para metade das emissões operacionais até 2035 (face a FY21) e neutralidade carbónica em 2050, com integração de electricidade de baixo carbono e investimento em inovação. Articular tarifas, conteúdo local e investimento em eficiência pode, segundo os especialistas, mitigar pressões sobre o sistema eléctrico e amarrar benefícios para a economia real.

 

Cenários e calendário

No curtíssimo prazo, o País precisa de previsibilidade contratual, antes de Março de 2026. Egas Daniel admite que a continuidade da Mozal é “desejável pelos empregos, divisas e efeito multiplicador”, mas “não a qualquer preço: se a HCB for obrigada a praticar preços abaixo do custo de oportunidade, perde capacidade de investimento e manutenção, fragilizando todo o sector energético. A continuidade da Mozal tornar-se-ia insustentável e dependente de subsídios ocultos.”

A síntese dos especialistas é clara: o desafio não é escolher entre Mozal e HCB; é desenhar um modelo que assegure produção industrial sem sacrificar a sustentabilidade energética, com acordos de transição bem estruturados, partilha de lucros e responsabilidade social vinculativa.

Enquanto isso, Edson Cortez insiste: “Se a Mozal ficar, o País tem de saber quais foram as contrapartidas; se sair, é porque não houve acordo. Em qualquer cenário, o Governo deve prestar contas aos cidadãos.”

 

(DE)

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