Por Quinton Nicuete
Oito anos após o início dos ataques armados em Cabo Delgado, o Centro para a Democracia e Desenvolvimento (CDD) fez uma retrospectiva crítica sobre o conflito que continua a assolar a província. Durante uma conversa conduzida pelo jornalista Quinton Nicuete, o Coordenador do escritório do CDD em Cabo Delgado, Abdul Tavares, analisou o percurso da guerra, as fragilidades do Estado e a persistência da crise humanitária.
Tavares recordou que, no início da insurgência, as autoridades moçambicanas minimizaram a gravidade da situação, classificando-a como simples banditismo. “O ex-comandante-geral da PRM, Bernardino Rafael, prometeu resolver o problema em sete dias. Hoje, passados oito anos, não existe uma explicação oficial convincente sobre quem está por detrás desta guerra nem quais são as suas motivações”, afirmou.
Segundo o coordenador, a resposta do Estado tem-se concentrado quase exclusivamente no campo militar, sem atacar as causas profundas do conflito. “Investimos muito na resposta militar, mas esquecemo-nos das causas sociais que alimentam a vulnerabilidade dos jovens recrutados. As promessas de estabilização não se concretizaram e os ataques continuam a espalhar-se para novos distritos, como Balama e Ibo”, referiu.
Tavares lembrou ainda que a situação de insegurança se agravou, dificultando a circulação na principal estrada da região norte (EN380) e comprometendo a sobrevivência das comunidades costeiras, dependentes da pesca. “As pessoas vivem um dilema entre morrer de fome nas zonas deslocadas ou regressar e morrer pela guerra”, lamentou.
Para o CDD em Cabo Delgado, a resolução do conflito exige uma resposta “tripartida”, combinando ajuda humanitária, reconstrução para o desenvolvimento e fortalecimento da capacidade das forças nacionais. “Sem uma força de defesa estruturada e credível, continuaremos dependentes de tropas estrangeiras, que por vezes têm interesses próprios”, advertiu Tavares.
O coordenador criticou ainda a fragilidade institucional do Estado, lembrando denúncias de “militares fantasmas” nas folhas salariais do Ministério da Defesa. “Isso demonstra a falta de sensibilidade e transparência na gestão da guerra. O governo não tem mostrado capacidade para organizar as suas tropas nem para atrair apoio direto de parceiros internacionais”, apontou.
Sobre o papel do CDD, Tavares explicou que, desde a instalação do escritório provincial em 2021, a organização tem desenvolvido ações de monitoria, advocacia e coesão social. “Temos denunciado ataques, apelado à comunidade internacional e implementado projetos de resiliência nas comunidades afetadas. Contudo, o acesso às zonas mais atingidas continua a ser um desafio devido à insegurança e à ausência de informação oficial”, frisou.
Questionado sobre a reação das autoridades às denúncias do CDD, Tavares admitiu que raramente há respostas concretas. “Talvez por se tratar de um tema sensível, não temos retorno das nossas comunicações. Mas isso não nos impede de continuar a denunciar as violações e a exigir soluções reais para Cabo Delgado.”
O coordenador concluiu defendendo que o fim da guerra só será possível com o empenho coletivo dos moçambicanos. “A solução não virá de fora. É preciso unidade, capacidade interna e uma liderança comprometida com a paz e o desenvolvimento sustentável da província.” Moz24h