As manifestações convocadas pelo ex-candidato presidencial Venâncio Mondlane resultaram em perdas significativas para os diversos sectores da economia nacional, nomeadamente para o industrial. A Confederação das Associações Económicas (CTA) já tinha reportado, em finais do ano passado, perdas de 500 milhões de dólares (31,6 mil milhões de meticais), correspondentes a 2,5% do PIB.
Com vista a perceber melhor os impactos dos protestos e vandalizações no sector industrial, o DE entrevistou o presidente da Associação Industrial de Moçambique, Rogério Samo Gudo, que explicou que, além dos danos materiais verificados nas infra-estruturas, nas linhas de produção e armazéns, assim como a interrupção das cadeias de valor, as manifestações têm dificultado a circulação de mercadorias, comprometendo a recuperação do sector.
Durante a entrevista, o responsável destacou que a estabilidade política e o foco no desenvolvimento industrial são essenciais para a recuperação económica, e apelou à renegociação de contratos com multinacionais e à utilização mais eficiente dos mecanismos financeiros existentes, visando fortalecer a economia e garantir que a indústria desempenhe um papel central no desenvolvimento do País. Acompanhe a entrevista para mais detalhes.
Os números divulgados pela CTA apontam para perdas de cerca de 500 milhões de dólares. Não são perdas apenas no sector industrial, mas em toda a economia. No entanto, grande parte do impacto ocorreu na indústria, que sofreu danos significativos em infra-estruturas, linhas de produção e armazéns. Também o sector comercial foi bastante afectado. Apesar de representar apenas 2,5% do PIB, estas perdas têm um impacto profundo na economia nacional, que ronda os 20 mil milhões de dólares.
Não estamos sequer a contabilizar as paragens, mas sim os estragos materiais. Algumas zonas continuam sem circulação, o que afecta directamente a indústria. Diferente de sectores como a banca ou os serviços, a indústria depende da presença física dos trabalhadores. Com a mobilidade comprometida, a produção é gravemente prejudicada.
DE: A indústria foi o sector económico mais afectado?
Sem dúvida. A indústria não só foi impactada pelos danos materiais, como também pela interrupção das cadeias de valor. Para além das infra-estruturas destruídas, o fornecimento de matérias-primas foi interrompido, e os produtos finais deixaram de chegar ao mercado, quer por vandalismo das lojas, quer pela perda do poder de compra da população. As dificuldades na circulação de mercadorias e o atraso na entrega de insumos causaram um efeito ‘cascata’ negativo nos processos produtivos.
Não estamos sequer a contabilizar as paragens, mas sim os estragos materiais. Algumas zonas continuam sem circulação, o que afecta directamente a indústria. Diferente de sectores como a banca ou os serviços, a indústria depende da presença física dos trabalhadores. Com a mobilidade comprometida, a produção é gravemente prejudicada.
Também se agravou a questão do financiamento. A indústria já enfrentava dificuldades devido à subida das taxas de juro, impulsionada pelas reservas obrigatórias dos bancos. Com a crise pós-eleitoral, estas dificuldades intensificaram-se, comprometendo ainda mais a capacidade de operação das empresas.
DE: O aumento das taxas de juro e a escassez da moeda estrangeira são um grande problema para a indústria?
Sem dúvida. Muitas empresas precisam de importar equipamentos e matérias-primas, processos que podem levar meses. Para financiar estas operações, recorrem a créditos bancários. O problema é que os juros elevados e os atrasos nos pagamentos no exterior comprometem os prazos de entrega e os custos aumentam significativamente. Se uma empresa não recebe a matéria-prima a tempo, não consegue cumprir prazos de produção e entrega, comprometendo contratos e perdendo oportunidades de negócio.
Além disso, enquanto a produção está parada à espera de insumos, os custos fixos mantêm-se: salários, energia, renda e juros. Os trabalhadores não podem simplesmente deixar de receber porque a fábrica está sem produção. Isso cria um enorme desajuste financeiro.
DE: Perante este cenário, quais são os desafios e possíveis soluções?
Sem estabilidade política, o sector produtivo continuará sob pressão. Foi assinado recentemente um acordo entre os partidos políticos, mas os incidentes violentos no mesmo dia comprometeram este importante passo político. Para a recuperação económica, é essencial um ambiente macroeconómico favorável, para devolver a confiança necessária para os investimentos no sector produtivo.
Também se agravou a questão do financiamento. A indústria já enfrentava dificuldades devido à subida das taxas de juro, impulsionada pelas reservas obrigatórias dos bancos. Com a crise pós-eleitoral, estas dificuldades intensificaram-se, comprometendo ainda mais a capacidade de operação das empresas.
A solução passa pela geração de emprego através da reactivação da indústria. O Estado ainda não tem capacidade de distribuir uma cesta básica às famílias, mas pode estimular a redistribuição económica através da geração do emprego. A indústria deve ser a prioridade, pois é através dela que a agricultura também se fortalece.
DE: O desenvolvimento industrial é essencial para a valorização da agricultura?
Exactamente. Não haverá uma agricultura forte sem processamento. Ninguém produz para ver os alimentos apodrecerem. O processamento é o que cria mercado para a produção agrícola. Se um agricultor tiver garantia de compra da sua produção (offtaker), sobretudo para o processamento, ele aumentará a sua produção.
Além disso, o processamento prolonga a vida útil dos produtos, permitindo exportações e a geração de divisas. É através da indústria que criamos valor, qualificamos a mão-de-obra e fortalecemos a economia. O nosso desafio é mobilizar recursos e garantir que o sector produtivo seja a base do crescimento económico do País.
DE: Qual é o objectivo da AIMO perante deste cenário?
O nosso objectivo é de melhorar a competitividade da indústria moçambicana, trazendo à discussão todos os actores, que possam contribuir para remover todas as barreiras que impedem a competitividade industrial. Em 2019, iniciámos debates e campanhas de sensibilização sobre a importância da industrialização, através do projecto “Caminhos da Industrialização” na STV e da conferência MozIndus. Durante a pandemia, utilizámos plataformas digitais para manter o diálogo sobre a industrialização com vários sectores.
A solução passa pela geração de emprego através da reactivação da indústria. O Estado ainda não tem capacidade de distribuir uma cesta básica às famílias, mas pode estimular a redistribuição económica através da geração do emprego. A indústria deve ser a prioridade, pois é através dela que a agricultura também se fortalece.
A crise sanitária evidenciou a necessidade de produção local. No auge da pandemia, enfrentámos escassez de máscaras e álcool gel. Dependíamos da importação, sobretudo da China, mas a procura era enorme e os atrasos inevitáveis. Diante disso, começámos a produzir localmente, o que demonstrou a capacidade de adaptação da indústria moçambicana.
DE: A indústria extractiva faz parte da AIMO?
Sim, porque também envolve processamento industrial. Temos membros como a Sasol, a Mozal e a Vulcan. Contudo, a composição da associação varia, pois algumas empresas encerram actividades enquanto novas surgem. O nosso foco é dialogar com diversos sectores para entender as suas necessidades.
Durante a pandemia, o Millennium bim criou uma linha de financiamento para a indústria, mas os critérios eram inadequados. Actualmente, enfrentamos desafios como a instabilidade política, a falta de divisas e um contexto global adverso. O desenvolvimento industrial exige soluções estruturadas, incluindo políticas financeiras e fiscais que promovam a competitividade para empresas locais.
DE: Como pode a indústria crescer neste cenário desafiante?
Precisamos de explorar o mercado interno e ser mais criativos no financiamento. Multinacionais que operam no País geram receitas significativas em divisas, mas grande parte desse capital não entra na economia nacional. Se essas divisas fossem depositadas nos bancos locais, fortaleceriam a capacidade financeira das instituições e reduziriam os custos de crédito para as empresas nacionais.
A crise sanitária evidenciou a necessidade de produção local. No auge da pandemia, enfrentámos escassez de máscaras e álcool gel. Dependíamos da importação, sobretudo da China, mas a procura era enorme e os atrasos inevitáveis. Diante disso, começámos a produzir localmente, o que demonstrou a capacidade de adaptação da indústria moçambicana.
As taxas de juro são definidas com base no risco. Se uma multinacional deposita receitas em dólares num banco moçambicano pode negociar condições favoráveis para os seus fornecedores locais, reduzindo os custos financeiros na sua cadeia de valor. Isso garantiria maior estabilidade e competitividade ao sector industrial.
A renegociação de contratos deve priorizar ganhos para Moçambique, assegurando que pequenas empresas tenham acesso a crédito competitivo, sem comprometer isenções fiscais estratégicas. O objectivo é fortalecer a indústria nacional e garantir que desempenhe um papel central no desenvolvimento económico do País.
DE: Só para perceber: na sua opinião, quando se fala em renegociação dos contratos, não devíamos olhar tanto para a busca de mais impostos, mas sim mudar alguns dos princípios dos contratos e os ganhos?
Exactamente. E não é um grande esforço. Aqui em Moçambique, algumas empresas já fazem isso, colocando depósitos indexados aos seus fornecedores. Isso gera competitividade, reduz os custos e permite que os pequenos fornecedores tenham mais estabilidade financeira.
Se as grandes empresas comprarem mais localmente, o mercado desenvolver-se-á naturalmente. Hoje é mais fácil importar, mas se promovermos compras locais e consolidarmos as nossas necessidades, haverá escala suficiente para investirmos em novas indústrias para suprir a procura interna.
As empresas precisam de contratos a longo prazo, para negociar condições favoráveis para os seus investimentos com a banca. O Estado poderia ajudar neste processo, promovendo políticas que incentivem compras locais pelas multinacionais para estimular a competitividade e o desenvolvimento de novas cadeias de valor.

DE: Mas essa é uma questão mais política ou é responsabilidade das empresas?
Não, é política. Acaba por ser política. Se não temos contratos a longo prazo, com as taxas de juros actuais, não conseguimos pagar em quatro ou seis meses. Teremos de pagar em quatro ou cinco anos. Sem um contrato, como posso negociar condições mais favoráveis com o banco? Não é possível. Precisamos de criar uma cadeia de fornecimento local, que permita gerar mais emprego.
DE: Sobre o ambiente de negócios, tocando um pouco na sua área, o digital, acha que Moçambique é um país atractivo para um investidor, por exemplo, europeu ou americano, tendo em conta que ainda nem está digitalizado?
Não queria fugir muito para aí antes de terminarmos a parte do conteúdo local. Estamos a falar da modernização do Estado, e há muita coisa a acontecer na digitalização, o que é muito importante.
Mas é ainda mais importante percebermos que o Estado pode desenvolver a sua economia sem grande esforço. Basta olhar para os investimentos já existentes, compreender a sua capacidade de produção e assegurar que gastam mais contratando localmente. Qual é a capacidade de produção, por exemplo, da Vulcan? Em função dessa capacidade, qual é a receita mensal?
Se não temos contratos a longo prazo, com as taxas de juros actuais, não conseguimos pagar em quatro ou seis meses. Teremos de pagar em quatro ou cinco anos. Sem um contrato, como posso negociar condições mais favoráveis com o banco? Não é possível. Precisamos de criar uma cadeia de fornecimento local, que permita gerar mais emprego.
DE: A AIMO esteve reunida com o novo ministro da economia, Basílio Muhate. Quais são as expectativas da associação em relação a este novo Governo? Sentem que será mais do mesmo em termos de negociação, ou acreditam que será impressa alguma dinâmica para os ajudar? E, das medidas anunciadas, há alguma que lhe suscite mais agrado?
Sim, fala-se sobre o conteúdo local e a industrialização. Sentimos que há respeito pela parte do desenvolvimento económico e industrialização. Isso toca-nos. Damos o benefício da dúvida. Não estamos a dizer que não vão fazer, mas, mais do que isso, não estamos a ser meros espectadores. Estamos a agir, como vêem. Percebemos a dinâmica e agimos com base na visão do Estado. Antes de começar a implementar medidas, estamos a dialogar com as multinacionais, porque sabem que temos o nosso diálogo com o Governo e com a CTA. Estamos sempre alinhados.
Isto é para permitir que haja consciência do lado de quem está responsabilizado. Não estamos aqui para assistir. Sofremos as consequências, pois estamos impedidos de tomar decisões que aliviem a situação do emprego. Muitas manifestações devem-se à falta de emprego. Temos a responsabilidade de contribuir para criar condições para resolver este problema.
DE: Então, tudo começaria num diálogo para acalmar as coisas?
Sim. É por isso que dizemos que, antes de mais nada, é preciso paz.
(DE)