Sociedade

AFINAL, ONDE ESTÁ GRAÇA MACHEL?

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

_”A memória oficial é o álibi do esquecimento colectivo. A memória justa é a que restitui nome aos silenciados.”_
— Citação livre inspirada em Walter Benjamin

Por ocasião das celebrações dos 60 anos da FRELIMO e dos 50 anos da independência nacional, Graça Machel brindou o país com um discurso impregnado de emoção, nostalgia e uma aparente lucidez tardia.

Nem parece conhecer Moçambique. Todavia, atentamente escutei as suas palavras — e com a consciência crítica de quem recusa a anestesia moral de um povo reduzido a espectador das narrativas oficiais.

Como disse Graça Machel, Moçambique _”não está como os combatentes sonharam”._ Isso é verdade, como também é verdade que muitos dos que hoje se dizem decepcionados, estiveram entre os arquitectos dessa frustração colectiva.

A história do nosso fracasso não começa com as multinacionais nem com as guerras externas. Começa com as escolhas internas, com os silêncios cúmplices, com os pactos entre o poder e a impunidade.

Onde estava Graça Machel quando se lançavam alicerces dum feudo e não dum Estado, com
a imprensa subserviente, proibição de partidos dissidentes, a sociedade civil absorvida ou desmantelada?

Graça Machel não estava perdida no centro do poder, com plenos poderes ministeriais e influência directa junto ao núcleo duro da FRELIMO, onde assistiu — e talvez participou — na instauração de um regime de partido único que suprimiu a liberdade em nome de uma “unidade nacional” construída à força?

Onde estava quando os companheiros de libertação foram entregues à tortura e à morte, paradoxalmente com ajuda da PSP e da PID/DGS, entre os quais
Uria Simango e sua esposa Celina Simango, Adelino Gwambe, Joana Simeão, Paulo Gumane e outros, a ponto de pelo menos como mulher questionar, senão mesmo pedir explicações ou exigir justiça?

Onde estava quando a educação se tornou catequese revolucionária de ensino doutrinário, desprovido de autonomia crítica?

Não acompanhou a criação e operacionalização da ONP como mordaça para os professores que ousavam pensar livremente?

Onde estava quando o modelo pedagógico, que hoje se lamenta, era concebido para fazer da escola a base de legitimação da FRELIMO como “poder popular”, e
avançou com a estratificação de escolas: umas para as vítimas da má governação, outras para a classe dominante — uma cópia refinada do modelo colonial, que impunha uma escola para indígenas e outra para assimilados?

Onde estava quando os plebeus eram confinados nas míseras aldeias comunais, com lojas do povo de prateleiras vazias, com apenas 3 retratos, o primeiro de Marcelino dos Santos, o segundo de Samora Moisés Machel e o último de Eduardo Chivambo Mondlane, enquanto a classe dominante ostentava as lojas de ministros?

Onde estava quando os que se diziam primeiros no sacrifício e últimos no benefício viraram o disco e abocanharam imóveis do Estado, e assaltaram o erário público e hoje são a nova burguesia transnacional?

Não viu e nem está a ver as expropriações violentas de recursos naturais em Montepuez, Balama, Mueda, Palma, Moma, Larde ou Chibuto que nunca beneficiaram o povo, mas a elites com acesso ao poder, das quais Graça Machel nunca se desvinculou?

Onde estava quando se calaram os mortos do povo em nome de uma reconciliação falsa?

Tem estado aonde quando se lamenta que Moçambique não curou as suas feridas porque nunca reconheceu os seus traumas?

Nunca escutou os cânticos, os jograis, as poesias ecos discursos dos vândalos quececiam que a reconciliação oficial silenciou os crimes revolucionários, nunca houve um pedido público de perdão, e nunca se restauraram os direitos dos executados políticos?

Se está aqui, esteja atenta: A unidade proclamada é, portanto, um artefacto — não uma realidade, por ironia do destino, nem no seio da FRELIMO há unidade, aliás nunca houve.

E que juventude é chamada a sonhar hoje, senão aquela domesticada nas fileiras da OJM?
A juventude crítica é perseguida, vigiada, detida. A que sobe ao palco é treinada para aplaudir, não para pensar. A juventude real está nas periferias, sem oportunidades, sem representação, sem esperança.

Ignora-se o gesto de grandeza que se pode oferecer a um povo: a coragem da verdade, a coragem de dizer — “Sim, cometemos erros, sim, houve abusos, sim, houve crimes, e sim, é tempo de reparar.”

Onde anda quando Moçambique confessa que não precisa de discursos opacos dos que desmoçambicanizam a plebe com retórica reciclada?

Enfim, onde está agora que Moçambique precisa de severo julgamento dos crimes de guerra cometidos tanto pela FRELIMO, quanto pela RENAMO e pelos JIHADISTAS?

Onde está para saber que Moçambique procura cidadãos honestos, que falem verdade, que assumam responsabilidades e que se recusem a celebrar sobre os escombros da justiça?

Com respeito institucional e fidelidade incondicional à verdade, subscrevo-me como cidadão de cosmovisão assente nos alicerces de devoção a Deus, amor à família e à Pátria — que deve ser una e indivisível, do Rovuma ao Maputo e do Zumbo ao Índico — e que se recusa a compactuar com a amnésia conveniente, em nome dos sem voz, sem funeral, sem justiça.

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