Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
A recente declaração do Presidente da Guiné-Bissau, Umaro Sissoco Embaló, prometendo tomar medidas para acabar com a guerra entre Israel e Irão, suscita uma necessária reflexão sobre os limites do idealismo diplomático quando desprovido de fundamentos estruturais, estratégicos e realistas.
Este ensaio analisa as implicações epistemológicas, diplomáticas e simbólicas de tais proclamações, situando-as no quadro da geopolítica contemporânea e da condição periférica dos Estados frágeis africanos no sistema internacional.
Introdução
O palco da política internacional não é apenas regido pela legalidade e moralidade dos discursos, mas sobretudo pela capacidade efetiva de agir sobre as estruturas do poder global. No caso específico da Guiné-Bissau, um Estado com frágil coesão institucional, desafios de governação endémica e um peso geopolítico marginal, a promessa de encerrar um conflito de envergadura global como o entre Israel e Irão constitui não apenas uma hipérbole diplomática, mas um reflexo sintomático da dissociação entre symbolic performance e strategic agency.
1. O paradoxo do protagonismo simbólico
Desde a era da Guerra Fria, muitos Estados periféricos têm procurado afirmar-se no sistema internacional através da retórica da paz e da mediação. Esta prática, porém, nem sempre é acompanhada de capacidade logística, diplomática ou coercitiva para transformar tais posições em intervenções tangíveis.
No caso em análise, a Guiné-Bissau não detém assento rotativo no Conselho de Segurança da ONU, não lidera blocos regionais de influência (como a CEDEAO), nem possui canais estratégicos de interlocução com Teerão ou Telavive. O protagonismo aqui é, por conseguinte, meramente retórico — uma diplomacia de papel.
2. Realpolitik e a geoestratégia do conflito Israel-Irão
Qualquer tentativa de interferência num conflito de tal complexidade exige:
a) Capacidade de leitura de variáveis históricas e teológicas (xiismo persa vs. sionismo político);
b) Inserção em redes diplomáticas capazes de gerar pressão e negociação multilateral;
c) Meios de credibilidade internacional, muitas vezes associados a economias fortes ou forças armadas dissuasoras.
Israel é uma potência nuclear com forte apoio ocidental; o Irão, uma república teocrática com braços estratégicos no Líbano, Iraque, Síria e Iémen. A mediação entre tais polos exige mais do que boa vontade: exige peso, neutralidade aceite por ambas as partes e ferramentas de influência real — das quais a Guiné-Bissau se encontra privada.
3. A busca por visibilidade externa: entre a ingenuidade e o calculismo
A proclamação de Embaló pode também ser lida sob a lente do afrocarisma presidencialista, uma tendência de líderes africanos em projetarem-se além-fronteiras como protagonistas de paz, reconciliação ou anti-imperialismo. Contudo, tal prática torna-se contraproducente quando o gesto simbólico não se ancora em coerência institucional interna: um país sem controlo efetivo sobre o seu território ou forças armadas, onde golpes de Estado são cíclicos, não pode servir de modelo para resolução de conflitos externos. Numa só palavra – sua pobre retórica não tem como ultrapassar a realidade.
4. O lugar e a responsabilidade dos pequenos Estados no discurso internacional
Nada impede que um pequeno Estado contribua para a paz global. Contudo, esse contributo deve ser modesto, coordenado e estratégico: apoiar resoluções multilaterais, fortalecer o Direito Internacional Humanitário, investir em capital diplomático formativo e criar instituições credíveis de mediação regional.
O que não se pode fazer é substituir a ausência de poder por fanfarronice discursiva — pois isso, além de desacreditar o país, desvaloriza os próprios princípios da diplomacia.
Conclusão
A guerra entre Israel e Irão não será resolvida por voluntarismos performativos de Estados estruturalmente frágeis.
A paz exige muito mais do que meras palavras de delírio diplomático: exige poder, coerência, confiança internacional e posicionamento estratégico. Quando líderes como Umaro Sissoco Embaló fazem declarações desse calibre sem o necessário lastro, correm o risco de transformar o sublime da paz numa anedota de salão. É, portanto, imperioso que os líderes africanos compreendam que o seu papel na arena internacional será tão mais respeitado quanto mais for construído com seriedade, consistência e autoconsciência dos seus próprios limites e potencialidades.
Nota do autor: Este ensaio não visa denegrir a figura presidencial de qualquer Estado soberano, mas contribuir para um debate construtivo sobre a função da diplomacia africana num mundo multipolar em crise.