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EDUCAÇÃO PRÉ-PRIMÁRIA EM MOÇAMBIQUE: PERSPECTIVAS CONTEMPORÂNEAS E LIÇÕES DAS EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

Resumo:
O presente artigo analisa a proposta de criação de escolas de infância em todos os distritos de Moçambique, apresentada pelo Reitor da Universidade Pedagógica de Maputo, Jorge Ferrão, no âmbito da Conferência Nacional sobre o Acesso aos Serviços Públicos. A proposta é enquadrada nas políticas educativas contemporâneas e confrontada com experiências históricas da Frente de Libertação de Moçambique (FRELIMO) nas zonas libertadas durante a luta armada, nomeadamente os Centros Pilotos de Ngaúma e Mavago, no Niassa, que integravam a pré-primária e centros infantis como componentes essenciais do sistema educativo. O estudo explora as implicações socioeducativas, os desafios logísticos e o potencial transformador, recorrendo a um enquadramento teórico que articula educação, desenvolvimento humano e coesão social.

Palavras-chave:
Educação pré-primária; Desenvolvimento infantil; Políticas educativas; Moçambique; Zonas libertadas; Formação cívica; Inclusão social.

Glossário

Educação Pré-Primária: Etapa educativa destinada a crianças entre os 3 e os 6 anos de idade, focada no desenvolvimento cognitivo, social, emocional e físico antes do ingresso no ensino básico.

FRELIMO: Frente de Libertação de Moçambique, movimento que liderou a luta pela independência de Moçambique e governou o país desde a independência em 1975.

Centros Pilotos: Infraestruturas educativas e sociais implementadas em zonas libertadas para promover a educação, saúde e nutrição das crianças durante a luta armada.

Zonas Libertadas: Áreas do território nacional controladas pela FRELIMO durante o período da luta de libertação contra o domínio colonial português.

Coesão Social: Grau de união e solidariedade entre os membros de uma sociedade, fundamental para a estabilidade e o desenvolvimento social.

1.⁠ ⁠INTRODUÇÃO

A educação pré-primária representa a base de uma formação educativa sólida e inclusiva. Em Moçambique, o acesso a este nível de ensino continua limitado, especialmente nas zonas rurais, o que contribui para a persistência das desigualdades sociais e económicas. A recente proposta do Reitor Jorge Ferrão de implementar escolas de infância em cada distrito visa enfrentar este desafio, alinhando-se com as políticas internacionais de educação e desenvolvimento sustentável.

O provérbio bíblico “Ensina a criança no caminho em que deve andar, e ainda quando for velho não se desviará dele” (Provérbios 22:6) sintetiza a importância da educação na primeira infância como pilar do desenvolvimento individual e coletivo.

2.⁠ ⁠EXPERIÊNCIAS HISTÓRICAS NAS ZONAS LIBERTADAS

Durante a luta de libertação nacional, a FRELIMO implementou um sistema educativo nas zonas libertadas que incluía a educação infantil como componente essencial. Os Centros Pilotos de Ngaúma e Mavago, no Niassa, serviram como modelos para a integração de atividades pré-escolares, promoção da saúde e nutrição, e formação cívica das crianças. Estas experiências demonstraram que mesmo em contextos adversos, a educação na infância tem papel central na emancipação social e política.

Além disso, em Tunduro, na Tanzânia, onde se encontravam campos de refugiados e centros de formação da FRELIMO, a pré-primária e os centros infantis eram parte integrante do sistema educativo adotado, reforçando a continuidade e a qualidade da educação desde os primeiros anos.

3.⁠ ⁠FUNDAMENTAÇÃO TEÓRICA

O investimento na educação infantil é amplamente reconhecido como fundamental para o desenvolvimento humano e social. Heckman (2006) demonstra que os retornos sociais e económicos do investimento na primeira infância superam os de outros níveis de ensino, especialmente para populações desfavorecidas.

Cunha et al. (2010) salientam que ambientes ricos em estímulos cognitivos e sociais durante os primeiros anos contribuem decisivamente para o sucesso escolar e a inserção social. Por sua vez, Vygotsky (1978) enfatiza a importância das interações sociais e culturais no desenvolvimento cognitivo, indicando que as escolas de infância têm um papel crucial na construção do conhecimento.

4.⁠ ⁠DESAFIOS E OPORTUNIDADES DA PROPOSTA

A implementação universal de escolas de infância em Moçambique oferece múltiplas oportunidades para a redução das desigualdades e para o fortalecimento da coesão social. No entanto, enfrenta desafios significativos, como a insuficiência de infraestruturas, a escassez de educadores qualificados, a necessidade de currículos contextualizados e a sustentabilidade financeira.

O envolvimento das comunidades locais, das instituições de ensino superior e das organizações não-governamentais poderá ser determinante para ultrapassar estes obstáculos, assegurando que o projeto se concretize de forma inclusiva e eficaz.

5.⁠ ⁠CONCLUSÃO

A proposta de criação de escolas de infância em cada distrito de Moçambique, à luz das experiências históricas da FRELIMO e das evidências científicas internacionais, representa uma oportunidade para transformar o panorama educativo nacional.

Ao garantir o acesso universal à educação pré-primária, o país pode não só melhorar indicadores sociais e económicos, mas também reforçar a cidadania e a identidade nacional desde as primeiras fases da vida.

Inspirado pela sabedoria ancestral expressa no provérbio bíblico, Moçambique tem a oportunidade de investir no futuro das suas crianças, assegurando um caminho sólido para o desenvolvimento sustentável e a justiça social.

Epílogo

Investir na educação infantil é, acima de tudo, investir no futuro de Moçambique — um futuro onde o progresso não será apenas medido em números ou estatísticas, mas na qualidade de vida, na justiça social e na dignidade de cada cidadão.

Recordemos que o desenvolvimento sustentável não pode prescindir das bases que sustentam o crescimento humano: o conhecimento, o espírito crítico e o sentido de pertença. As lições das zonas libertadas, com as suas escolas de infância, são testemunhos vivos de que, mesmo em meio à adversidade, é possível construir alicerces sólidos para uma sociedade mais justa.

Neste momento crucial, o país tem nas mãos a oportunidade histórica de fazer da educação pré-primária um projeto de todos — governo, sociedade civil e comunidades locais — e assim garantir que as futuras gerações caminhem firmes no trilho do desenvolvimento humano e da emancipação verdadeira.

Referências

1.⁠ ⁠CUNHA, F.; HECKMAN, J.; LOCHNER, L.; MASTEROV, D. Interpreting the Evidence on Life Cycle Skill Formation. Handbook of the Economics of Education, v. 1, p. 697-812, 2010.

2.⁠ ⁠HECKMAN, J. Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged Children. Science, v. 312, n. 5782, p. 1900-1902, 2006.

3.⁠ ⁠VYGOTSKY, L. S. Mind in Society: The Development of Higher Psychological Processes. Cambridge: Harvard University Press, 1978.

4.⁠ ⁠BÍBLIA SAGRADA. Provérbios 22:6.

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