Por Tiago J.B. Paqueliua
A denúncia do suposto envenenamento da jornalista moçambicana Selma Inocência Marivate durante uma deslocação profissional a Maputo, e o subsequente apelo da Amnistia Internacional, expõem de forma clara os riscos a que estão sujeitos os profissionais da comunicação social em Moçambique. Este episódio, de elevada gravidade, suscita preocupações não apenas no plano individual da vítima, mas também quanto à saúde das instituições públicas e à liberdade de imprensa no país.
Segundo a Amnistia Internacional, a jornalista, actualmente radicada na Alemanha, terá sido exposta a metais tóxicos em concentrações clinicamente inexplicáveis, situação que a levou a um estado crítico de saúde. A organização refere que a exposição terá ocorrido em solo moçambicano, durante uma formação com jornalistas locais. Selma Marivate regressou à Alemanha em Março de 2025 e, pouco depois, apresentou sintomas graves, confirmados por exames laboratoriais.
Este caso está longe de ser um incidente isolado. A Amnistia relembra que, em Dezembro de 2024, o coordenador da Plataforma DECIDE também denunciou sintomas compatíveis com envenenamento, igualmente após uma estadia em Maputo. A repetição de situações semelhantes, aliada à ausência de investigações conclusivas, levanta sérias dúvidas sobre o compromisso do Estado moçambicano com os direitos fundamentais, nomeadamente a integridade física e a liberdade de expressão.
A carta aberta dirigida ao Presidente da República, ao Governo e ao Conselho Nacional dos Direitos Humanos, assinada por este autor, critica a inércia da Embaixada de Moçambique na Alemanha, que até ao momento não prestou qualquer apoio institucional à vítima. Tal omissão, além de representar uma violação do dever constitucional de proteger os cidadãos no exterior, compromete a imagem diplomática do Estado moçambicano num país onde a jornalista procura tratamento médico de urgência.
A Constituição da República de Moçambique estabelece no seu artigo 59 o direito à vida e à integridade física e moral, enquanto o artigo 48 protege a liberdade de imprensa. Estes princípios são reforçados por tratados internacionais como a Carta Africana dos Direitos Humanos e o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos. Quando estes compromissos não são traduzidos em ações concretas, o Estado entra em rota de colisão com a sua própria legalidade.
Num contexto de crescente repressão a jornalistas e membros da oposição — particularmente após os controversos processos eleitorais —, o caso Selma Marivate inscreve-se num padrão preocupante. A liberdade de imprensa, essencial à vida democrática, é enfraquecida quando jornalistas passam a ser alvos de intimidação, perseguição ou, em casos extremos, potenciais atentados contra a vida.
A Amnistia Internacional apelou às autoridades moçambicanas para conduzirem uma investigação rápida, imparcial e transparente. Exortou igualmente a Procuradoria-Geral da República a condenar publicamente quaisquer ataques contra jornalistas e defensores de direitos humanos. Até ao momento, não se conhece qualquer resposta oficial.
O silêncio institucional não é neutro. Num caso como este, a ausência de reacção torna-se cúmplice. O Estado tem a obrigação de proteger todos os seus cidadãos, especialmente aqueles que desempenham funções de interesse público. A jornalista Selma Marivate não é apenas uma cidadã — é uma voz activa na construção de um espaço público mais plural e informado.
A carta denúncia enviada às autoridades moçambicanas recorda que a confiança nas instituições constrói-se com justiça, responsabilidade e humanidade. Num regime democrático, qualquer suspeita de atentado à vida deve ser investigada com rigor, sem medo nem favorecimento. Permitir que este caso caia no esquecimento seria institucionalizar a impunidade.
Importa realçar que o atentado à vida de um jornalista não é apenas um crime individual. É um ataque ao direito colectivo de acesso à informação. Defender a integridade de Selma Marivate é, por conseguinte, defender a liberdade de todos nós de sabermos o que se passa no nosso país.
Este é um momento decisivo para Moçambique. O país deve decidir se quer continuar a trilhar o caminho da opacidade e da repressão ou se está disposto a afirmar-se como um Estado comprometido com os direitos humanos e a liberdade de imprensa. O caso Selma Marivate é um teste à nossa democracia, às nossas instituições e à nossa consciência colectiva.