Por Estacio Valoi
Chegava a Tete numa das mais recentes viagens àquela Província de requintado cabrito de águas do Zambeze que apesar da sua majestosa exposição continuam longe de apagar o carvão que arde sem parar, uma vaga de calor que nos deixa a permanente pingos . Desta vez não aterrei no ‘chapa aéreo’ à moda Embraer, mas sim num outro que dava até para esticar as pernas.
Do lado de fora estava um companheiro que com o seu celular ia fazendo fotos para depois confidenciar-me ‘aquele é que é o director do Gabinete de Mpanda Nkuwa. Seu vice chegou ontem’. Era um senhor meio achinesado, de uma estatura mediana, trajado de camisete verde com barragem na cabeça aparentemente ilustrada pelo couro cabeludo – umas partes carecas pareciam a zona entre os montes onde se pretende construir a barragem de Mpanda Nkuwa.
Em 2024, o director do Gabinete de Implementação do projecto hidroeléctrico de Mphanda Nkuwa, Carlos Yum, sem precisar o custo dos estudos nem a data da construção, mas com a promessa do início da produção de energia em 2031, afirmava que “sem prejuízo da segurança energética para o país, o projecto criará oportunidade de exportação de energia para a região. No fundo, o que vamos fazer é complementar a robustez de interligação que Moçambique tem. O país tem capacidade de 6 mil MW para a região, mas é engraçado que, internamente, só tem capacidade para 5 mil MW, pelo que essa espinha dorsal vai ser importante para aumentar a capacidade norte, centro e sul, mas vai aproveitar a interligação com a região”.
Tudo e todos correm à velocidade de luz, uns com as ferramentas na mão e as comunidades a dizerem “não queremos essa barragem”. Pois é la onde seus antepassados nasceram, cresceram, tal como eles, tem terra fértil onde abunda gado bovino, caprino, e algum gado suíno, machambas onde cultivam diversas culturas para o seu sustento, o rio Zambeze de onde tiram não só o peixe mas a água para o seu consumo diário, e por aqueles lados as comunidades também vão explorando ouro, mas sempre com o Zambeze ao seu lado, parceiro e amigo de longas décadas.

Contudo, para Domingos Viola, governador da província de Tete, versando sobre a sua vivência com o Zambeze, afirma que nos seus momentos de fúria, ninguém o para. “Nós temos água do Zambeze que só nos cria problemas em todas as épocas A única barragem que trabalhamos com ela para conter as inundações e destruições devido ao curso do Zambeze é a barragem de Cahora Bassa.”
Mas há outros “ pontos estratégicos’ para a construção de barragens como “ Baroma, Moatize entre o limítrofe entre o Tambara e Doa.
Segundo o governador Mphanda Nkuwa é um projecto viável,e apresenta números astronomicos referindo que “Mphanda Nkuwa prevê mais de 7 mil empregos sazonais na fase da construção, e prevê mais de 3 mil empregos fixos na fase de exploração, onde moçambicanos poderão ter uma renda fixa para melhor suas rendas.”

Com a Hidroeléctrica de Cahora Bassa já no ‘seu máximo’, com a produção de 2.45 MW a escassos quilómetros, dentro da vila do Songo apenas algumas casas têm energia da HCB, e as comunidades rurais que se encontram um pouco por todo o distrito continuam sem electricidade. As comunidades vêem postes, torres e cabos passarem com energia para outros lados. Como muito bem o governador faz menção, à semelhança de Cahora Bassa, “como uma outra fonte com essa capacidade de produção de energia, e vem Mphanda Nkuwa que vai ter capacidade de produzir 1.500 MW de energia. Então os projectos que nós temos são para alimentar a Zâmbia, o Malawi, é um projecto concreto porque há ampliação da subestação de Matambo. Já está em curso a construção da linha de alta tensão para a alimentação de Malawi, Zâmbia, Zimbabwe, já é uma realidade. África do Sul recebe energia de nós, achamos que este projecto é viável”.
Enquanto os planos e projectos de alimentar os países da região, e ficando Tete para segundo plano. Domingos vai pondo o dedo nas feridas alegadamente abertas pelo Zambeze desde há anos: “os danos que o Zambeze causa em Mutarara, Doa, Chinde quando está no tempo das inundações… fui administrador de Doa, vivi a realidade da capacidade destruidora que o Zambeze tem quando está a transportar água para o oceano. Seria uma das alternativas que nós como governo teríamos para conter os danos. Podíamos produzir na zona de Mutarara durante todo o ano, termos duas três ou épocas porque teríamos certeza que aquele campo onde estamos a lançar as sementes não teria inundações. Em 2019, com o ciclone Idai, todas as infraestruturas implantadas foram embora com as águas.”
E os membros das comunidades ameaçadas e afectadas pelo projecto da barragem de Mphanda Nkuwa dos distritos de Marara, Cahora Bassa e Chiúta, reunidos em Chitima – capital do distrito de Cahora Bassa – de 11 a 13 de Março de 2025, afirmam que para além de serem os legítimos donos de suas terras herdadas e ocupadas “de boa fé” há mais de uma década, os seus antepassados todos nasceram, morreram e foram aqui enterrados. “Os nossos umbigos foram enterrados aqui. Esta terra é que nos dá sustento, vivemos de agricultura, pesca e garimpo, e com essas actividades conseguimos sobreviver e mandar os nossos filhos para a escola. Sem terra, não temos nada.”
Acrescentam ainda que rejeitam os acordos sem o seu consentimento: “esses acordos que o governo anda a fazer sem nos consultar (…) afirmamos que até hoje ninguém nos veio perguntar se queremos ou não este projecto. Sabemos que o nosso governo costuma ser corrompido pelas grandes empresas que querem a nossa terra, e exigimos que o governo defenda os interesses do seu povo. Exigimos uma informação clara do governo em relação a quais são as comunidades que o governo pretende reassentar, pois até hoje não nos informaram. Sabemos que temos direito à informação, com base no artigo 48 da Constituição da República de Moçambique, e no artigo 14 do Decreto 31/2012 de 8 de Agosto, que aprova o Regulamento Sobre o Processo de Reassentamento Resultante de Actividades Económicas. Reiteramos que de nenhuma forma este pedido de informação significa que aceitamos ser reassentados.”

Enquanto Domingos vai pondo o dedo nas feridas do Zambeze, as comunidades destapam Cahora Bassa. “Sabemos o impacto que as barragens causam nas comunidades que vivem às margens do rio. Conhecemos o exemplo da barragem de Cahora Bassa, que até hoje não nos dá energia nem qualquer benefício mesmo estando mesmo perto de nós aqui nesta província, mas sempre faz as secas e as cheias ficarem piores. Temos perdido muita produção nas nossas machambas nas margens do rio devido às descargas da HCB, e sabemos que a barragem de Mphanda Nkuwa, se fôr construída assim tão perto de outras barragens, só vai piorar esta situação.” Assim como também conhecem histórias da barragem de Kariba, no Zimbabwe, “esta barragem recentemente parou de produzir energia devido à seca. Qualquer mudança no Zambeze afecta profundamente a nossa vida, a nossa cultura, a nossa tradição, a nossa agricultura, e por isso rejeitamos esta barragem.”
Não se sabe ainda a área exacta que a barragem vai cobrir, mas segundo especialistas, a albufeira será menor que a da HCB, mas ainda assim significativa, e tudo que inundar vai apodrecer a vegetação em baixo da água. Isso é metano a ser produzido, um gás de efeito de estufa 80 vezes mais potente que o dióxido de carbono, no curto prazo. Isto é uma das questões para as quais os cientistas climáticos têm enviado alertas nos últimos anos: a contribuição das barragens para as mudanças climáticas, devido à emissão de metano, tem sido largamente subestimada.
Em comunicado de imprensa recebido pela nossa redação intitulado “Justiça Ambiental ganha batalha judicial contra o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroelétrica de Mphanda Nkuwa: governo é agora obrigado a fornecer informações sobre o projecto.”
O Tribunal Administrativo da Cidade de Maputo intimava o Gabinete de Implementação do Projecto Hidroelétrico de Mphanda Nkuwa e o Ministério de Recursos Minerais e Energia para fornecer informações solicitadas pela associação moçambicana Justiça Ambiental (JA!). Em sede do processo nº 63/2024, a JA! havia recorrido ao TACM solicitando a intimação do GMNK e do MIREME, para que fornecessem informações relativas à salvaguarda dos direitos fundamentais das comunidades locais afectadas pela implementação da controversa barragem de Mphanda Nkuwa, proposta para o Rio Zambeze na província de Tete.
“A JA! tem feito inúmeras e sucessivas tentativas de obter informações junto ao GMNK, por meio de cartas e até encontros, a respeito dos estudos que serão realizados e respetivos termos de referência, de que forma serão integradas novos componentes nos estudos (tendo em conta que questões como as mudanças climáticas, por exemplo, nunca foram contempladas em estudos anteriores), de que forma o projecto irá garantir que as vozes e os direitos das comunidades locais serão respeitados, entre várias outras questões.”

Reassentamento
Existe, dentro do projecto, a ideia de reassentar essas comunidades para zonas seguras. Os seus direitos devem ser salvaguardados e “há leis próprias que devem ser cumpridas, a população deve ser recompensada, por tudo que tinha antes. Nós já tivemos experiências amargas nesses processos de reassentamento. Nós já fizemos um reassentamento, na altura para a exploração do carvão em Moatize, em que a lei que tínhamos é uma lei que deu benefícios às comunidades mas foi preciso rever a lei, hoje nenhuma exploração pode ocorrer sem a lei aprovada pelo governo.” Disse Domingos
Contudo, Domingos não faz referência ao reassentamento feito pela mineradora Jindal, parceira da Vulcan e as outras indianas . O reassentamento feito pela JINDAL foi ‘uma catástrofe’, e perante o olhar do governo, membros da nomenclatura política moçambicana preocupam-se com comissões e lucros fáceis a troco de vidas humanas. As empresas fazem e desfazem a seu bel prazer. “Na JINDAL, lá tem muito ouro, não é só carvão. Não queremos a barragem de Mpanda Nkuwa, queremos ficar aqui até nossos netos, nossas netas, até morrermos.” Durante a semana em que estivemos no referido reassentamento, várias pessoas abandonaram as casas “tipo dois”, outras ‘venderam cada casa a 150 mil meticais. Aqui não temos água, não há espaço para o gado, nesta terra as culturas não germinam, não temos onde fazer nossas machambas.” Disseram os reassentados que ainda ficaram por la.
Comunidades que serão afectadas pelo projeto Mphanda Nkuwa ameaçadas
Funcionário do Gabinete de Mphanda Nkuwa de nome Óscar, em conivência com chefes das localidades, é acusado de ameaçar as comunidades.
Em entrevista com o Governador Domingos referiu que não tinha conhecimento a respeito das ameaças feitas às comunidades por um Senhor de nome Oscar, chefe da localidade, comandate da policia disse que era “É a primeira vez que oiço esse comentário, discorro de fazer um pronunciamento, porque ouviu. Temos que aferir a veracidade dessas informações.”
Contudo, assim como a comunidade narrou-nos e solicitou que questionássemos o governador sobre as referidas ameaças, Anija João Carlos advogada de profissão, em representação da JA também refere que a comunidade vem sempre reportando ameaças “principalmente quando eles vão aos encontros em Maputo ou então quando vai uma equipa lá para Marara para fazer trabalho de capacitação. Eles são ameaçados.”
E acrescenta que umas são feitas de forma directa, e outras indirectamente.
“Já recebemos chamadas por via de uma das pessoas da comunidade quando estava em Maputo, a serem ameaçadas, questionando onde vocês estão e o que estão a fazer aí! Quando vocês voltarem para aqui hão-de ver.” Uma das pessoas que ameaça as comunidades é a chefe da localidade de Chococoma. Na altura (2023), a comandante que estava lá fazia ameaças constantes. Eu já presenciei ameaças feitas ao líder de Chirodzi-Nsanangue sede, após ele ter voltado de uma viagem de Maputo. Quando chegamos lá na zona de volta, ele foi retido. Nós entrámos na esquadra, eu identifiquei-me e a comandante apenas recusou-se: “não quero saber do seu cartão, não quero saber quem é você. Eu só quero dizer que vocês mulheres são vocês que começam com o terrorismo. Vocês vêm para aqui, levam pessoas, vão para Maputo e sei lá o que vão fazer, levam pessoas para alinhar no terrorismo.” Eu disse que não! Expliquei a ela as circunstâncias do nosso trabalho em Maputo, ao que me respondeu “vou te prender”, quando perguntei em que qualidade e lembrei que não tinha competência para me prender pois não havia cometido nenhum crime, ela mandou-me sair juntamente com uma colega de uma organização parceira. Saímos e ficámos la fora das 9h ate às 17h. O líder dentro do comando, retido, e nós lá fora. Ficamos à espera. Quando eram 17h e tal saímos e ficamos na estrada principal, passado um tempo a comandante passou no seu Mahindra com o líder lá dentro.
A Justiça Ambiental meteu uma queixa na procuradoria contra a comandante. Por incrível que pareça, no dia em que o líder foi chamado para perguntas na procuradoria ele simplesmente negou tudo. Eu estava lá com ele. Eu acredito que ele foi ameaçado. Ele disse que não tinha ficado muito tempo, só uns 30 minutos e depois foi liberto. Mas as comunidades no distrito de Marara têm relatado casos de ameaças e intimidações, ainda há pouco tempo o senhor Latifo foi ameaçado. Fui ameaçado de morte por alguns jovens que trabalham lá com a chefe da localidade, e a pessoa disse que foi mandada para me matar.” “São casos recorrentes” disse a advogada.
Em contacto via telefónica depois de prévia, o representante do GMNK em Tete, de nome Óscar, foi evasivo na sua resposta sugerindo que não podia falar sem autorização dos seus escritórios em Maputo. “Como deve imaginar trata-se de um assunto que não pode ser tratado ao telefone, segundo tínhamos que ter um fórum próprio, a nível do gabinete temos um departamento de comunicação e imagem que responde. Disse ao Óscar que também telefonara por uma questão que diz respeito directamente a ele, pois as comunidades dizem que ele vem ameaçando-as, ao que respondeu “pelos vistos a questão que me é colocada é uma acusação, quem o acusa que o prove, não quero ir nessa linha, responder, e nem devo comentar questões profissionais. Humildemente não posso falar sobre questões profissionais, o gabinete de Mphanda Nkuwa é que tem que vos responder”. Solicitamos os emails do Gabinete, mas o mesmo não nos facultou. Solitamos o email do seu gabinete o qual o Oscar simplemente não nos enviou (Moz24h)
https://moz24h.co.mz/quantas-vidas-custa-a-barragem-de-mphanda-nkuwa/