Nyusi ignora repressão violenta das marchas e diz que jovens moçambicanos são livres
Uma semana depois de referir-se aos jovens como“infiltrados” e “gente mal-intencionada” que deve
ser isolada e responsabilizada de forma exemplar, Filipe Nyusi foi às Nações Unidas dizer que os jo-
vens moçambicanos são livres. Que liberdade vem a ser essa num país onde os jovens são impedidos,
com recurso à violência, de marchar pacificamente?
Na sua qualidade de membro não per- manente do Conselho de Segurança das Nações Unidas, Moçambique as sumiu, durante o mês de Março, a presidência rotativa mensal daquele órgão responsável por garantir a paz e a segurança no mundo.
Para marcar o término da presidência de Moçambique, o Presidente da República esteve esta na sede em Nova Iorque onde participou e liderou vários encontros de reflexão sobre paz, segurança, terrorismo e extremismo violento. Nos encontros, Filipe Nyusi reiterava a importância do diálogo para o alcance da paz e partilhava a experiência recente de Moçambique para alcançar a paz.
Em entrevista à ONU News, uma emissorazdas Nações Unidas, Nyusi foi confrontadoz com a revolta dos jovensz perante a repressão violenta da Polícia contra as marchas de homenagem ao rapper Azagaia. “O jovem é livre agora. Fala e talvez não tinha a mesma facilidade no passado. Nós estamos com os jovens e tivemos agora a situação que todos acompanhamos as imagens. E eu já apareci a explicar qual é o papel da Polícia e a res-ponsabilidade do cidadão perante a necessidade de querer se manifestar. Esperamos que as coisas sejam corrigidas no âmbito da averiguação em curso no Ministério do Interior. Quero encorajar a juventude a sentir-se dono da pátria e dos destinos de Moçambique”, respondeu o Presidente da República.
A declaração de que os jovens são livres é feita duas semanas depois da violenta repressão policial contra jovens desarmados que pretendiam marchar nas ruas da capital em homenagem do rapper Azagaia. Na primeira reacção que fez na Academia de Ciências Po- liciais (ACIPOL), Nyusi mostrou duas faces: ensaiou uma condenação à actuação violenta da Polícia, mas não o fez nos termos mais vigorosos e convincentes, não se demarcou da violência e não deu nenhum sinal de que haveria consequências políticas no seu governo na sequência dos últimos acontecimentos. “O trabalho da Polícia e demais Forças de Defesa e Segurança é de extrema colaboração com todos os segmentos da sociedade com vista a salvaguarda da segurança pública e do ambiente no qual os cidadãos possam exercer os seus direitos e liberdades democráticas”, disse.
Já a outra face foi de um Presidente que patrocina a violência policial contra cida-
dãos moçambicanos. Nyusi disse claramente que orientou o Ministério do Interior para “identificar aqueles que procuram se aproveitar da virtude individual do jovem rapper Azagaia para atingir os seus intentos”.
Uma “orientação” bastante perigosa e que revela, mais uma vez, que o autoritarismo do Estado moçambicano resulta de orientações de um Presidente da República que jurou respeitar e fazer respeitar a CRM. A “orientação”que Filipe Nyusi deixou ao Ministério do Interior encoraja a Polícia e outras forças de segurança do Estado a violarem os direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos.
Na altura coincidindo com os incidentes, o último relatório anual de Direitos Humanos do Departamento de Estado dos EUA afirma, sobre Moçambique, que a impunidade e a corrupção entre as forças e autoridades de segurança moçambicanas continuam a ser “problemas significativos”. As principais preocupações em matéria de direitos humanos incluem relatos credíveis de execuções ilegais ou arbitrárias e desaparecimentos extrajudiciais” pelas forças governamentais ou pelos seus “agentes”, como milícias, em Cabo Delgado – diz o relatório.
Esta repressão crescente tem como pano de fundo a tentativa do Presidente Nyusi de exercer um terceiro mandato a partir de 2024. Isso seria inconstitucional, o que não impede a corrente dominante dentro da Frelimo, que apoia Nyusi, de o tentar por todos os meios à sua disposição.
A morte do ídolo musical Azagaia, que no seu rap “Povo no Poder” difundiu por todo o país a mensagem “Um Moçambique para todos”, preocupa fortemente a Frelimo, que há anos se dedica à “captura do Estado” e pretende manter os seus privilégios.
E o silencio da UE
A UE mantém um baixo perfil diplomático (dados os múltiplos interesses geoestratégicos e nos recursos naturais dos seus Estados-membros), sem qualquer reação aos acontecimentos e concentra-se nas áreas de ajuda humanitária, desenvolvimento e militar (triplo nexo). As duas primeiras encaixam-se exactamente onde o governo moçambicano está a falhar, devido à corrupção e à má gestão (dívida ilegítima). A missão de treino militar (EUTM), aliás sob a liderança portuguesa, não teve, até agora, qualquer impacto observável no violento conflito na província de Cabo Delgado.
Coloca-se agora mais do que nunca a questão de como pretende assegurar que a força de reacção rápida que treinou e equipou em Moçambique não seja futuramente utilizada contra protestos pacíficos de cidadãos. A EUTM não deu, até à data, qualquer resposta a esta questão.
E Portugal?
De Portugal também não se ouviram reações oficiais aos dramáticos acontecimentos, por oposição às entusiásticas declarações relativas à cooperação com Moçambique, como as feitas pelo Primeiro-Ministro António Costa em Novembro passado: “O reencontro em Lisboa com o Presidente de Moçambique, Filipe Nyusi, dois meses após a nossa Cimeira em Maputo, acontece num momento particularmente dinâmico do nosso relacionamento bilateral, graças ao empenho e dinamismo da nossa parceria abrangente e estratégica.”
Aquando da sua visita há um ano atrás, apesar dos já claros sinais de corrupção, violações dos direitos humanos e tendências autocráticas no governo, M.R. de Sousa enfatizava de modo acalorado: “Moçambique é sempre melhor de que era na última vez”(…) ”Moçambique tem futuro”!
O óbvio totalitarismo e a repressão em Moçambique não impedem que Portugal continue a centrar-se no florescimento dos negócios, mesmo que cúmplice de um governo que despreza os direitos do seu povo.
Para a UE e Portugal, nestas circunstâncias, aplicam-se as palavras de Desmond Tutu: “Se ficarmos neutros perante uma injustiça, escolhemos o lado do opressor”. (CDD/ Moz24h)