O estudo da WaterAid sobre as 100 cidades mais populosas revela mudanças dramáticas no que toca a inundações e secas que representam um risco para as populações urbanas e impedem o acesso das comunidades à água potável em todo o mundo;
O relatório da WaterAid revela um foco regional de humedecimento nas cidades do sul da Ásia, uma estiagem generalizada nas cidades europeias e tendências de “efeito de chicote hidroclimático” em quatro continentes, incluindo África;
A WaterAid está a trabalhar em soluções para as comunidades globais na linha da frente climática, mas “não pode fazê-lo sozinha” — a organização apela aos governos globais e ao sector privado para que implementem soluções a fim de enfrentar as crises climática e hídrica
Uma nova investigação da WaterAid, publicada nos meados de Março, a antecer as celebrações do Dia Mundial da Água, (22 de Março) coloca a capital moçambicana, Maputo, na lista das 100 cidades mais populosas do mundo que estão a ficar cada vez mais expostas a inundações e secas. Intitulado “Água e Clima: Riscos crescentes para as populações urbanas”, o relatório revela que cidades dos continentes africano e asiático estão a emergir como as mais expostas a mudanças climáticas extremas em todo o mundo, o que está a ter impactos devastadores no acesso à água potável para as comunidades urbanas que estão na linha da frente das alterações climáticas.
Quase 1 em cada 5 (17%) das cidades estudadas está a sofrer o “efeito de chicote hidroclimático” (climate whiplash) — que consiste na intensificação, tanto das secas como das inundações — enquanto 20% das cidades registaram uma viragem significativa de um extremo para o outro. As cidades do Sul da Ásia estão a tornar-se extremamente propensas a inundações e as cidades europeias apresentam tendências significativas de estiagem, o que pode ter impacto no acesso das pessoas à água potável e na segurança da água.
Para o caso da Região Metropolitana de Maputo ((Grande Maputo), composto pelos Municípios de Maputo, Matola, Boane e Marracuene, a análise dos dados climáticos históricos e das projecções climáticas futuras indica uma diminuição da precipitação anual e o aumento das temperaturas, o que reduzirá os fluxos dos rios disponíveis e aumentará a demanda por água, resultando em secas mais frequentes e intensas, além de escassez crítica de água. Estes municípios estão a registar um crescimento rápido, com a cidade de Maputo a crescer 3,6% por ano e 70% a viver em assentamentos informais. Um número crescente de habitantes da cidade está em risco de intensificar os perigos devido às alterações climáticas em curso, ou seja, eventos de precipitação intensa, intrusão de água salgada e erosão costeira exacerbada pela subida do nível do mar, e secas prolongadas e repetidas no sul de Moçambique em 2005 e 2016-2018. Moçambique tem registado, em geral, uma sequência repetida de secas e cheias nos últimos 30 anos.
O estudo da WaterAid destaca a recente seca na Cidade do Cabo (Cape Town) e Madrid até às inundações em grande escala nas cidades do Bangladesh e do Paquistão, referindo que 90% de todas as catástrofes climáticas são causadas por água a menos ou a mais. A WaterAid, a principal organização de beneficência para a Água, Saneamento e a Higiene (ASH) a nível mundial, alerta para o facto de as catástrofes relacionadas ao clima, como as inundações e a seca, terem aumentado 400% nos últimos 50 anos, exercendo uma grande pressão sobre os sistemas vitais de acesso à água e saneamento e dificultando a preparação, a recuperação e a adaptação das comunidades e das economias às alterações climáticas.
Desenvolvido em conjunto com académicos da Universidade de Bristol e da Universidade de Cardiff, o estudo compara as vulnerabilidades das infra-estruturas sociais e hídricas de cada cidade com mais de 40 anos de novos dados sobre os riscos climáticos, concluindo que cidades e comunidades de todo o mundo são as mais vulneráveis a alterações climáticas extremas e as menos equipadas para as enfrentar. As vulnerabilidades analisadas no relatório vão desde a pobreza a sistemas de abastecimento de água e de resíduos insuficientes, expondo as populações urbanas, em constante expansão, ao risco de intensificação das inundações ou secas, o que conduz a deslocações, instabilidade e perda de vidas. As inundações urbanas graves podem danificar as instalações sanitárias, propagando doenças como a cólera e a febre tifóide, enquanto a escassez de água durante as secas está a deixar milhões de famílias sem a água de que necessitam para sobreviver.
As principais conclusões do relatório são:
- 20% das cidades estudadas estão a sofrer mudanças dramáticas para condições extremas de humidade ou de seca, designadas por “pontos de viragem com risco climático”. Aproximadamente 13% estão a mudar para um clima húmido mais extremo, enquanto cerca de 7% estão a mudar para um clima seco mais extremo. Isso significa que mais de um quarto de milhar de milhão de pessoas em todo o mundo sofrem uma alteração significativa do seu clima, incluindo em cidades como Kano (Nigéria), Bogotá (Colômbia) e Cairo (Egipto), colocando uma grande pressão no acesso a água potável e segura;
- O Sul e o Sudeste Asiático emergem como um foco regional, com Colombo (Sri Lanka), Faisalabade (Paquistão) e Lahore (Paquistão) a registarem a mudança mais dramática de condições historicamente secas para condições severamente propensas a inundações
- 17 cidades em vários continentes — 15% das cidades estudadas — estão a sofrer uma intensificação tanto das inundações como das secas extremas, conhecida como “efeito de chicote hidroclimático”, incluindo Adis Abeba (Etiópia), Hangzhou (China) e Jacarta (Indonésia) e Maputo (Moçambique);
- As cidades identificadas como as mais vulneráveis são Cartum (Sudão), Faisalabade e Lahore (Paquistão), Bagdade (Iraque), Surabaya (Indonésia), Nairobi (Quénia) e Adis Abeba (Etiópia)
Com base nos resultados do estudo, a WaterAid lança um apelo:
- Maior investimento para enfrentar a crise da água – Os parceiros de desenvolvimento, os bancos multilaterais e o sector privado devem trabalhar em conjunto para desbloquear o investimento em sistemas de água, saneamento e higiene resistentes ao clima que beneficiem os mais vulneráveis;
- Liderança global para acelerar a acção no domínio da água – Os governos e os parceiros de desenvolvimento têm de trabalhar através das plataformas multilaterais existentes para concretizar uma acção ambiciosa no domínio do clima e da água, nomeadamente através da CQNUAC, da Coligação do G7 para a Água e do apelo à acção do G20 sobre o reforço dos serviços de água potável, saneamento e higiene;
- Liderança dos governos nacionais para a concretização urgente de planos hídricos – Os governos dos países afectados devem integrar e aplicar medidas de água, saneamento e higiene nos seus planos nacionais e municipais de adaptação às alterações climáticas, com especial destaque para os grupos vulneráveis, sobretudo as mulheres e as raparigas;
- Priorizar as comunidades mais vulneráveis – Todos os decisores devem reconhecer a sobreposição de vulnerabilidades e dar prioridade à liderança e às necessidades das mulheres, das raparigas e dos grupos marginalizados nos planos de água, saneamento e higiene resistentes às alterações climáticas.
Reagindo ao estudo, o Director Nacional da WaterAid Moçambique, Gaspar Sitefane disse:
“Os serviços melhorados de Água, Saneamento e Higiene são essenciais para a segurança hídrica e devem estar no centro de qualquer estratégia de adaptação climática. Sem acesso fiável a quantidades suficientes de água de boa qualidade para beber, lavar-se e cozinhar, as pessoas são vulneráveis a doenças e são incapazes de lidar com os impactos das mudanças climáticas. O saneamento deficiente e a más práticas de higiene aumentam o risco de saúde e causam epidemias fatais. As calamidades relacionadas com água tais como cheias e secas ameaçam a segurança hídrica e comprometem o progresso do desenvolvimento”.
A WaterAid está a trabalhar com parceiros a nível nacional, regional e global no sentido de garantir que as pessoas tenham acesso à água de que necessitam para se adaptarem aos impactos das alterações climáticas — incluindo em alguns contextos urbanos e periurbanos. As soluções podem ser simples: recolha de água da chuva para garantir água limpa e segura durante a seca; monitoria dos níveis de água para que as comunidades se possam preparar para condições meteorológicas extremas; instalação de blocos sanitários concebidas para resistir a inundações e manter as fontes de água limpas. Mas a organização adverte que não cabe apenas à sociedade civil resolver estes problemas e apela aos decisores mundiais para que dêem prioridade e invistam nestas soluções-chave que reforçam a resiliência das comunidades contra condições meteorológicas extremas — salvaguardando vidas e meios de subsistência agora e para as gerações futuras.
