Por Alfredo Mondlane | Economista | Especialista Financeiro
*Updated: Versão 2*
Introdução :
O fim antecipado do programa com o FMI, em Abril de 2025, foi apresentado como uma estratégia de realinhamento. No entanto, uma análise mais profunda sugere o contrário: trata-se de uma manobra desesperada para evitar um fracasso formal, numa altura em que o Governo já não tinha condições para cumprir as metas acordadas. A proposta de renegociar um novo programa com o Fundo não é sinal de força – é um gesto de sobrevivência política.
Os factos falam por si: apenas 60% dos fundos aprovados foram desembolsados, sinal de fraco desempenho e erosão de confiança. Dos cerca de USD 456 milhões aprovados, apenas cerca USD 273 milhões foram efetivamente desembolsados, ficando cerca de USD 183 milhões por desembolsar – uma execução significativamente baixa (Fonte: FMI, 2024/5) Pior ainda, o programa foi encerrado sem relatório final nem o habitual desembolso de encerramento – uma ruptura com as boas práticas do FMI, que evidencia o mal-estar técnico e institucional no fim da linha.
*O fracasso técnico estava à vista.*
O programa tinha metas ambiciosas: consolidação fiscal, controlo da dívida e reestruturação do gasto público. No entanto, os dados mais recentes desmontam o discurso oficial:
1. A dívida pública agravou-se de cerca de 75% do PIB em 2023 para aproximadamente 78% em 2024, contrariando a promessa de consolidação orçamental e comprometendo a sustentabilidade a médio prazo (Fonte: Ministério da Economia e Finanças, 2024).
2. O défice orçamental nominal deteriorou-se, passando de cerca de 10% do PIB em 2023 para 11% em 2024, sinal claro de descontrolo da execução orçamental (Fonte: MEF, 2024).
3. A pressão sobre a massa salarial permanece elevada, consumindo recursos que poderiam ser alocados a investimento produtivo. A folha salarial continua a representar cerca de 14% do PIB, acima dos limites recomendados (Fonte: FMI, Relatório de Avaliação 2024).
4. As isenções fiscais mantêm-se acima de 2% do PIB, apesar das repetidas recomendações do FMI para a sua racionalização (Fonte: MEF, FMI, 2024).
5. A execução financeira do programa foi anémica: como já mencionado, dos USD 456 milhões aprovados , apenas USD 273 milhões foram desembolsados. Os USD 183 milhões que ficaram por desembolsar reflectem a perda de credibilidade na trajectória do programa (Fonte: FMI, 2024).
6. Ao contrário do que é regra nos programas do FMI, este terminou sem relatório final nem o último desembolso, sinal inequívoco de uma rutura técnica e institucional.
O Governo sabia que a próxima avaliação do FMI seria negativa. Em vez de enfrentar publicamente um relatório devastador, desligou-se do programa, optando por renomear o fracasso como “renegociação estratégica”.
*Novo programa, velhas dores: o que aí vem?*
Se um novo programa for assinado – como é provável – os impactos no quotidiano económico e social serão imediatos e dolorosos. O ajuste estrutural será inevitável:
1. Austeridade à vista: As promessas de pagar dívidas a fornecedores cairão por terra. O FMI exigirá cortes efectivos.
2. Suspensão de horas extras e atrasos salariais: A contenção da folha salarial impactará directamente médicos, professores e outros sectores essenciais.
3. Alta tensão social: A crescente insatisfação pode materializar-se em paralisações, protestos e instabilidade.
4. Endividamento interno agravado: O recurso a Títulos do Tesouro para financiar o défice secará a liquidez bancária e encarecerá o crédito.
5. Estagnação do investimento público: Sem folga orçamental, os grandes projectos de desenvolvimento ficarão congelados, travando o crescimento e a criação de emprego.
*Promessas de médio prazo num país sem chão fiscal*
O discurso do Governo, plasmado no PESOE 2025–2030, promete transformação estrutural, inclusão social e industrialização acelerada. Mas o chão que sustenta essa ambição está cheio de fissuras. A proposta orçamental para 2025, ancorada num défice de 9,3% do PIB e numa execução em duodécimos, revela um Estado sem fôlego para investir, muito menos para transformar. Pior: se um novo programa com o FMI for assinado – como é provável – o choque de agendas será inevitável. De um lado, o Governo vende uma visão de médio prazo baseada em expansão e proteção; do outro, o FMI exigirá cortes, contenção e disciplina fiscal. Essa contradição não é só técnica – é política. E sem um realinhamento corajoso entre o discurso e a realidade fiscal, o país corre o risco de andar para frente com o olhar colado no retrovisor.
*Um novo começo ou uma nova armadilha?*
Este “reset” com o FMI não é apenas um gesto técnico – é uma jogada política calculada. O Governo sabe que os próximos desembolsos estariam condicionados ao cumprimento de metas passadas que falhou clamorosamente. Ao encerrar o programa actual e iniciar uma nova negociação, liberta-se do peso do passado e ganha margem para construir uma nova narrativa baseada em promessas futuristas: crescimento robusto do PIB, reformas “em curso”, consolidação “gradual”.
É uma operação cosmética que disfarça a crise imediata com projecções optimistas, muitas vezes pouco realistas, mas eficazes para destravar novos desembolsos. O novo programa, por ser “de raiz”, tende a suavizar as exigências iniciais, criando a ilusão de retoma.
Mas se não houver coragem política e responsabilidade institucional para enfrentar os problemas estruturais, este novo começo será apenas mais uma armadilha com consequências duras para os cidadãos e para o país. (X)