Quando o quintal se enche de ratazanas,
não se pesa a moral nem a sorte.
Enterra-se o barril — mãos soberanas —,
tampa de ferro, óleo e um toque de corte.
Um aroma leve atrai o bando ao chão,
óleo de coco, restos de matori-tori;
só o bastante — discreta sedução —,
sem alarde, sem pressa, num gesto sonoro e sorri.
A sabedoria antiga não se cansa,
cumpre o costume, o gesto sem demora.
O povo herda limites, não esperança,
método e abrigo lhe fazem história.
Rattus rattus, roedores insolentes,
sobem a tronos, roem seus retratos;
no ciclo velho, reis e presidentes
confundem-se ao festim dos próprios ratos.
Senhores camaradas, vergonha nacional,
luto do povo, sombra de desvelo.
As ratazanas dançam no ritual,
roem discursos, leis, símbolos e selo.
Não se queima o que já se dispersa,
o ciclo persiste, lento e altaneiro;
uma a uma devoram o nome, a empresa,
mas a terra resiste, firme e inteira.
Libertam-se — mas só do antigo vício —,
fedor da espécie repousa no chão.
A natureza cumpre o seu ofício,
sem piedade, glória ou perdão.
Higiene antiga, lição sem memória,
final inconsequente,
gáudio da plebe:
fecha-se assim a história nacional.
*Ismael Miquidade in “Cadernos de Poesia — Faísca no Chão”
