Neste Outono de 2025, a juventude do Madagáscar protagoniza uma revolução inesperada. O movimento Leo Délestage, nascido da frustração com os cortes de água e electricidade, transformou-se numa insurreição nacional liderada pela chamada geração Z. A geração Z é composta por jovens nascidos entre 1995 e 2009, e representa a primeira geração verdadeiramente nativa digital, tendo crescido num ambiente marcado pela presença da internet, dos smartphones e das redes sociais. Em 2025, os seus membros têm entre 16 e 30 anos.
Milhares de jovens de Antananarivo e de outras cidades tomaram as ruas, exigindo a demissão do presidente Andry Rajoelina, a refundação das instituições e o fim da corrupção.
De início, a repressão foi brutal, com mais de duas dezenas de mortos. Mas, num ponto de viragem histórico, o exército recusou-se a disparar sobre os manifestantes e, no dia 11 de Outubro, vários contingentes militares juntaram-se à multidão, sendo aclamados como heróis. Em vídeos amplamente divulgados, houve soldados que apelaram à desobediência e ordenaram que se apontassem armas não contra o povo, mas contra quem ordenasse a repressão. O presidente Rajoelina, segundo algumas fontes, terá abandonado o país, ou pelo menos a capital, e encontra-se em parte incerta.
Este momento de viragem em Madagáscar levanta questões profundas para Angola, onde a geração Z também começa a afirmar-se como sujeito político. Jovens nascidos após a guerra civil, que cresceram sob o regime do MPLA, enfrentam hoje desemprego estrutural, exclusão social, corrupção sistémica e um Estado que parece cada vez mais distante das suas aspirações. A mobilização juvenil em Angola, embora menos massiva e contínua do que em Madagáscar, até ao momento, tem dado sinais claros de impaciência: protestos em Julho, com 30 mortos, campanhas digitais contra a repressão policial, uma crescente rejeição da retórica oficial.
A geração Z, em ambos os países, partilha características estruturais que a tornam particularmente propensa à mobilização: hiperconectividade, desconfiança nas instituições, rejeição da política tradicional e uma ética de justiça social que transcende fronteiras.
Em Madagáscar, os jovens organizam-se por via das redes sociais, usam símbolos globais como a bandeira pirata de “One Piece” e articulam uma linguagem política que mistura indignação com criatividade.
Em Angola, embora o controlo social seja mais eficaz e a gestão e moderação digital mais sofisticada, há sinais de que esta geração está a construir redes de resistência, sobretudo nas periferias urbanas e entre estudantes universitários, em Angola e na diáspora.
A ausência de lideranças centralizadas, tanto em Madagáscar como em Angola, é sintomática de uma nova forma de acção política: horizontal, espontânea e muitas vezes imprevisível. Esta estrutura dificulta a contenção clássica, baseada na neutralização de líderes, e desafia os partidos políticos a repensarem as suas estratégias de mobilização.
Um dos elementos mais intrigantes da crise malgaxe é a postura das Forças Armadas. Apesar da nomeação de um general como primeiro-ministro, o exército recusou-se a reprimir os protestos e acabou por se juntar à população. Esta atitude contrasta com a da polícia, que manteve acções violentas até ao último momento.
Em Angola, a situação é mais ambígua. A Polícia Nacional tem um histórico de repressão violenta, com múltiplos episódios de uso letal da força contra manifestantes. As Forças Armadas Angolanas (FAA), por outro lado, são frequentemente descritas como mais republicanas, apolíticas e respeitadoras da Constituição. No entanto, essa reputação nunca foi testada em larga escala contra uma mobilização juvenil massiva.
A grande incógnita reside aqui: se a geração Z angolana decidir ocupar as ruas de forma sustentada, exigindo mudanças estruturais, como reagirão as FAA?
Manterão a neutralidade institucional, como em Madagáscar, ou serão instrumentalizadas politicamente? A resposta a esta pergunta poderá determinar o rumo da transição política em Angola.
A lição de Madagáscar é clara: ignorar os sinais de exaustão social e deslegitimação institucional pode precipitar uma crise revolucionária. O movimento Leo Délestage não nasceu de ideologias, mas da frustração quotidiana com um Estado que falha em garantir serviços básicos.
Em Angola, a situação não é muito diferente: cortes de energia, escassez de água, degradação dos serviços públicos e uma elite política que parece cada vez mais desconectada da realidade.
Todas as forças políticas angolanas — do MPLA à UNITA, passando por movimentos cívicos e partidos emergentes — devem reconhecer que a geração Z não se contentará com reformas cosméticas. A transição efectiva de regime exige mais do que alternância eleitoral: requer uma reconfiguração das instituições, uma nova ética de governação e uma abertura real à participação juvenil.
A juventude angolana não quer apenas votar; quer decidir. Quer influenciar políticas públicas, fiscalizar orçamentos, propor soluções. Ignorar esta força é um erro estratégico. Reprimir esta força é um risco existencial. Integrá-la é a única via para uma transição pacífica e sustentável.
Madagáscar mostra que a revolta da geração Z pode ser o início de uma nova era política. Angola ainda está a tempo de evitar uma ruptura revolucionária, mas isso exige coragem institucional, visão estratégica e uma escuta activa das vozes jovens. A transição não é uma opção — é uma necessidade histórica. E, como em Madagáscar, será a juventude a decidir se ela será pacífica ou tumultuosa.
