*Por: Baltazar Fael
O discurso político de combate à corrupção tem sido uma constante. No entanto, são poucas as acções visíveis e eficazes visando atingir esse objectivo, sobretudo, quando se está em face da designada “grande corrupção” e da “corrupção política”. O Governo tem-se preocupado em combater a corrupção a nível da baixa e média administração, como é visível ao nível da legislação quem tem vindo a ser aprovada e, mais recentemente, com a aprovação da Estratégia de Prevenção e Combate à Corrupção na Administração Pública – EPCCAP (2023 – 2033), virada para o combate à corrupção nos níveis mais baixos da Administração Pública. Aliás, os números da grande corrupção e da corrupção política não são conhecidos, de forma detalhada e discriminada, existindo nesta componente muitos casos desta tipologia criminal que não são investigados, acabando por não fazer parte das estatísticas oficiais.
Os casos relacionados com a grande corrupção não têm sido investigados e condenados. O que se observa é a investigação de alguns, muito pouco, casos de corrupção envolvendo altas figuras do Estado, como foram no mandato actual, prestes a findar, o julgamento e a condenação da antiga ministra do trabalho e embaixadora de Moçambique na República de Angola, Helena Taipo1 e das suspeitas de corrupção que recaíram sobre a também antiga ministra do mesmo pelouro que foi ocupado por Taipo, e que posteriormente veio a ocupar o cargo de secretaria de Estado da Província de Maputo, Vitória Diogo.
Face a esta situação, colocam-se as seguintes perguntas: (i) Será que não existem casos de grande corrupção em Moçambique envolvendo titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos, que amiúde usam o Estado como a sua principal e mais rentável e acessível fonte de renda?
(ii) Quem e como são controlados os titulares de cargos políticos e altos cargos públicos em matéria dos recursos do Estado colocados à sua disposição para fazerem a respectiva gestão? (iii) Existem mecanismos jurídico-legais e administrativos satisfatórios para atacar a grande corrupção ao nível dos titulares de cargos políticos e altos cargos públicos? (iv) Quantas investigações e auditorias foram realizadas, nos últimos anos, com vista a detectar casos de “grande corrupção” no país? (v) Que mecanismos eficazes de denúncia existem para que suspeitas de grande corrupção sejam investigadas? (vi) Existirá um recurso eficaz e formas de investigação modernas para detectar casos de grande corrupção, mormente as escutas telefónicas já permitidas por lei? É que não se podem detectar e investigar casos de grande corrupção , como parece ainda acontecer, com recurso a métodos tradicionais.
Para o presente trabalho, é preciso, antes de mais, buscar a definição de grande corrupção. Segundo a Transparência Internacional (TI) grande corrupção “… corresponde a atos ilícitos praticados pelo alto escalão de governos, que distorcem políticas públicas e o funcionamento dos estados, permitindo que líderes se beneficiem a despeito do interesse público (…), com prejuízos para a eficiência da economia e ampliação das desigualdades sociais”.
Num outro prisma temos a corrupção política que é definida como “… manipulação de políticas públicas, interferência nas instituições e mudanças de regras na alocação de recursos e em linhas de financiamento por parte de autoridades, que abusam de sua posição para ganhar poder, status e dinheiro”.
Com base nas definições acima é fácil, olhando para os instrumentos que existem no momento, avançar que em termos específicos o Governo nunca teve o ensejo de combater a corrupção no seu seio/meio, limitando-se a produzir legislação profusa que não afecta directamente aos seus membros.
Outrossim, é fundamental que dentro do Gabinete Central de Combate à Corrupção (GCCC) seja criado um departamento especializado para combater a grande corrupção. A atribuição de competências ao GCCC para combater todo o tipo de corrupção e infracções conexas pode estar a desviar o foco desta entidade para combater as formas de corrupção mais complexas.
Nas linhas seguintes será feita uma breve análise sobre alguns aspectos que devem introduzidos e/ou ser melhorados com vista a conferir maior robustez ao combate à grande corrupção. Referir que o texto é apenas um contributo e não pretende ser exaustivo.
Lei de Probidade Pública (LPP) depois de revista deve ser mais eficaz – Regular a ética na política e na alta administração
Por exigência do Fundo Monetário Internacional, o Governo de Moçambique iniciou o processo de revisão da LPP. A LPP é um instrumento jurídico estruturante de prevenção da corrupção, por se tratar de uma lei que é, ou devia ser, de natureza eminentemente administrativa, visando regular, essencialmente, matérias relacionadas com a declaração de bens e conflito de interesses. No entanto, já faz alguns anos que a referida lei carece de reformas substanciais visando torná-la mais eficaz. O repto para a reforma foi lançado pelo Governo num relatório produzido com a assistência técnica do Fundo Monetário Internacional5. Neste momento a proposta de revisão já foi aprovada pelo Governo.
Dentre as principais linhas de reforma necessárias é de destacar:
1) a melhor definição do âmbito de aplicação da lei e a clarificação sobre os indivíduos aos quais se aplicam as diversas exigências;
2) o reforço da definição de conflito de interesses;
3) a exigência de apresentação de uma declaração de interesses na indicação de novos funcionários públicos.
No que diz respeito à declaração de bens, é fundamental, primeiro, clarificar quais são os servidores públicos e titulares ou membro de órgão público abrangidos com a obrigação da sua apresentação. É igualmente necessário aferir, na lei ou em regulamento próprio, sobre o conteúdo da declaração de bens, que deve ser única e conter informação de património, rendimentos, interesses, incompatibilidades e impedimentos. Esta declaração deverá ainda ser electrónica, obrigando os que a devem fazer a justificarem a origem do dinheiro aposto na declaração de rendimentos.
Há ainda a destacar que na revisão da LPP é fundamental definir, com clareza, o regime jurídico de incompatibilibilidades e impedimentos dos titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos. Outrossim, é necessário que seja definido um regime de exclusividade para o exercício de altos cargos públicos, que não permita, por exemplo, o exercício simultâneo de funções excecutivas em órgãos de partidos políticos.
Outrossim, a revisão da LPP deve ter o condão de definir com clareza quais são os dispositivos que se destinam a regular a conduta dos servidores públicos e aqueles que visam os titulares de cargos políticos e de altos cargos públicos.
Também é fundamental atribuir as deliberações da Comissão Central de Ética Pública (CCEP) um valor vinculativo.
Quer isto dizer que a CCEP deverá, em caso de situações comprovadas de conflito de interesses, intimar a entidade ou a pessoa singular a conformar-se com a lei.
Para maior transparência e conhecimento público, as deliberações da CCEP devem ser publicadas e não só notificar os denunciantes de um determinado caso, como até agora vem acontecendo, facto que contribui para que publicamente o órgão seja considerado como irrelevante.
Para incrementar o número de denúncias de casos de grande corrupção é preciso que o quadro legal de protecção seja implementado
Não existe um combate à corrupção efectivo sem a existência de mecanismos de denúncia eficazes. Em 2012, Moçambique aprovou uma lei que protege as vítimas, denunciantes, testemunhas, peritos e outros sujeitos processuais. O que sucede é que a referida lei não está a ser aplicada, o que acaba reduzindo a participação da sociedade, no geral e, em particular, dos servidores públicos na denúncia de casos de corrupção de que tenham conhecimento por temerem represálias. Este aspecto pode propiciar o aumento de denúncias anónimas que são de difícil investigação e seguimento. Ou seja, mais de 10 anos depois da aprovação da lei, a mesma não está a produzir efeitos jurídicos
Contratação Pública: O “calcanhar de Aquiles” da corrupção em Moçambique Moçambique já aprovou vários decretos referentes à contratação pública.
Actualmente está em vigor o decreto n.° 79/2022, de 30 de Dezembro8. No entanto, a área da contratação pública continua a ser das mais propensas à prática de actos de corrupção. É preciso que se busquem alternativas visando controlar a corrupção na área da contratação pública. É um facto que as medidas legislativas implementadas continuam a não surtir os efeitos desejados, o que leva a questionar sobre que outras medidas devem ser aprovadas e aplicadas na contratação pública para prevenir a ocorrência de casos de corrupção.
Embora o Ministério Público tenha a competência legal para fiscalizar a legalidade dos concursos públicos de valor igual ou superior a 600 salários mínimos9, está situação não coíbe o surgimento de casos suspeitos de corrupção. Neste sentido, o Ministério Público já se pronunciou no sentido de que iria
investigar um concurso público pelo facto de a respectiva adjudicação, no valor de 518 milhões de meticais, ter sido feita faltando 3 meses para o final do mandato do edil da autarquia da Matola10. Outrossim, o Ministério da Economia e Finanças suspendeu um concurso público por suspeitas de irregularidades que conduziram a sua adjudicação a uma empresa não ilegível. É preciso ter presente que os procedimentos para a adulteração dos concursos públicos muitas vezes são todos seguidos nos mínimos detalhes, exactamente para esconder actos de corrupção numa aparente legalidade. O problema parece não estar nas questões procedimentais pois são seguidos todos os procedimentos previstos na lei, ou seja, “[d]iga-se que há documentos que indiciam que “está tudo bem”.
Pelo que se verifica, existe a necessidade de refinar os mecanismos de controlo dos processos de contratação pública, tanto ao nível legal, como no puramente administrativo.
Uma regulação do financiamento político completamente deficiente e que propicia a circulação de dinheiro proveniente da corrupção
Um dos problemas notáveis em Moçambique, em matéria de corrupção, é o da corrupção política. Este tipo de corrupção manifesta-se em grande medida através da não regulação/ desregulação do financiamento político. Em primeiro lugar, tal surge pelo facto de a legislação sobre a matéria encontrar- se dispersa por vários diplomas legais. Por um lado existe legislação referente ao financiamento dos partidos políticos e, por outro, a que se debruça sobre o financiamento das campanhas eleitorais. Entretanto para ambos os casos não são fixados limites e as correspondentes sanções em caso de prevaricação.
A permissividade da legislação sobre o financiamento político abre a possibilidade de entrada e uso de dinheiro ilícito na actividade política, mormente dinheiro adveniente da prática de actividade criminosa, como é o caso da corrupção. Ou seja, principalmente na altura das campanhas eleitorais pode estar a circular dinheiro ilícito no país, sem qualquer controlo por parte dos órgãos de gestão eleitoral.
Para melhorar o controlo social das suas actividades e prevenir a corrupção o Governo deve criar um “portal da transparência”
A partilha de informação é fundamental para garantir a transparência na actuação dos órgãos públicos, no geral, e do Governo, em particular, contribuindo para o reforço da transparência e para a prevenção e combate à corrupção.
Moçambique possui uma lei do direito à informação14. No entanto, esta não pode ser considerada eficaz para a partilha ampla de informação de interesse público.
O portal da transparência é um mecanismo que a ser adoptado vai permitir a disponibilização de informação pública essencial ao acompanhamento e controlo social da governação, por parte dos cidadãos. A existência do portal não colide com a existência de uma lei de acesso à informação. Estes dois mecanismos são complementares.
Este portal visa, de entre outras funções, garantir que o cidadão acompanhe os orçamentos e a sua execução, ou seja, gastos públicos, dentre outras matérias, através da disponibilização de informação facilmente acessível e compreensível.
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para limitar o uso indevido de fundos públicos em períodos eleitorais
Num país como o nosso, caracterizado por várias situações de uso indevido de fundos públicos, é fundamental a existência de uma lei que limite os gastos públicos, principalmente em anos eleitorais onde existe uma tendência de aumento da despesa pública, muitas vezes sem uma explicação plausível.
Numa investigação realizada pelo CIP15, constatou-se que existe uma tendência de aumento da despesa pública em períodos eleitorais em Moçambique, o que pode indiciar o uso indevido de fundos públicos, por parte do Governo, e também casos de contratação pública de obras de grande envergadura em final de mandato, a nível das autarquias, o que tem levado o Ministério Público a investigar este tipo de
casos por suspeitas de corrupção, como já referido.
Portanto, a aprovação pela Assembleia da República de uma LRF pode ajudar na mitigação de casos de uso indevido de dinheiro público para fins político – eleitoralistas
https://www.cipmoz.org/wp-content/uploads/2023/12/Governo-fracassa-no-combate-a-grande-corrupcao-.pdf