Opiniao

JOSÉ JAIME MACUANE: O Ferryboat em que os Pensantes de Moçambique Deviam Embarcar

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

Resumo

A presente reflexão propõe uma leitura crítica e literariamente engajada do pensamento de José Jaime Macuane no que concerne à engenharia política da República de Moçambique.

Numa conjuntura em que os poderes do Estado se amalgamam sob o peso de uma única força social, Macuane oferece não apenas um diagnóstico lúcido da falência institucional, mas também delineia um itinerário possível de regeneração democrática.

Aqui, a metáfora do ferryboat serve como alegoria do próprio Macuane – ou, mais precisamente, do seu ideal – que se oferece como veículo de travessia crítica rumo a um horizonte republicano mais sadio.

1.⁠ ⁠Introdução

Entre as brumas de um constitucionalismo retórico e as marés pesadas da captura sistémica do Estado, ergue-se a figura de José Jaime Macuane como farol e embarcação: ele não apenas denuncia o naufrágio institucional iminente, mas oferece um meio modesto e firme de travessia – um ferryboat teórico-prático, construído com aço de pensamento crítico e navegado com bússola republicana.

Neste ensaio, propomo-nos a embarcar no ferry de Macuane, examinando o seu diagnóstico da disfunção sistémica que corrói a democracia moçambicana e a terapêutica que propõe – uma engenharia de reconfiguração política, social e ética, ancorada na valorização do cidadão enquanto sujeito do pacto democrático.

2.⁠ ⁠O Diagnóstico: Entre a Separação de Poderes e a Concentração de Interesses

Na cartografia institucional moçambicana, os contornos da separação de poderes revelam-se ilusórios. Conforme prega Macuane, com notável precisão, o problema não reside apenas na fragilidade das normas ou no desenho da Constituição, mas na absorção silenciosa das instituições por uma mesma matriz de poder sociopolítico.

Essa força – por vezes partido, por vezes clã, por vezes uma elite nebulosa e transpartidária – infiltra os três ramos do Estado, convertendo-os em vasos comunicantes de um único corpo hegemónico. Como disse no simpósio do Centro de Integridade Pública (CIP), “o poder executivo é formalmente separado, mas domina o legislativo e o judiciário” (Carta de Moçambique, 2025).

O que parece, portanto, uma república tripartida revela-se uma monarquia funcional mascarada de democracia.

3.⁠ ⁠A Prescrição: Uma Engenharia Social de Travessia

Diferentemente dos críticos que se detêm na denúncia, Macuane oferece uma carta de navegação. No bojo da sua proposta, encontra-se um modelo eleitoral híbrido – representação distrital nominal combinada com representação proporcional – como forma de descentralizar o poder e reatar o elo perdido entre eleitos e eleitores.

Advoga ainda o fortalecimento das comissões parlamentares, especialmente as de fiscalização orçamental, sob liderança da oposição. Tais propostas não devem ser lidas como meros ajustes técnicos, mas como expressões de uma vontade ética de refundação. O ferryboat de Macuane não é uma balsa improvisada: é engenharia racional do espaço público, é embarcação robusta para tempos de tempestade.

4.⁠ ⁠A Patologia Persistente: Presidencialismo Leviatânico e Simbiose Político-Económica

No arranjo actual, o Presidente da República assume a múltipla e avassaladora condição de Chefe de Estado, de Governo, de Comandante das Forças Armadas e, ainda, de Grande Nomeador – uma espécie de deus laico que distribui benesses institucionais por onde passa sua caneta. O resultado é um presidencialismo absolutista com vestes democráticas, cuja estética constitucional esconde a sua ontologia autocrática.

A esta hipertrofia do poder executivo junta-se a simbiose viciosa entre o público e o privado. A elite económica, muitas vezes indistinta da elite política, acede aos recursos do Estado não pelo mérito, mas pelo privilégio. O mercado, em vez de arena de concorrência, converte-se em extensão patrimonial do partido dominante. A corrupção deixa de ser disfunção: torna-se método de governação.

5.⁠ ⁠Conclusão: O Ferryboat Como Figura de Esperança

Macuane, mais do que apontar a doca de partida, é o próprio ferryboat – não de luxo, não ornamentado, mas seguro e firme. É ele o navio da travessia crítica, aquele que se oferece aos inconformados como via de escape da baía pútrida da impunidade e da estagnação. Seu casco é feito de lucidez; seus remos, de coragem intelectual; seu rumo, de cidadania.

No entanto, o embarque não se dá nos portos vistosos da elite nem nos aeroportos presidenciais. Este ferry zarpa das margens inóspitas do pensamento livre. Requer dos passageiros mais do que bilhete: exige renúncia à cumplicidade, rejeição ao conformismo e disposição para remar contra as marés do poder estabelecido.

Que os pensantes de Moçambique compreendam que permanecer à deriva no iate furado do autoritarismo, mesmo ao som de hinos constitucionais, é escolher o naufrágio. Já o ferry de Macuane, austero mas estável, espera pelos que ainda ousam acreditar que a travessia é possível.

Referência

Carta de Moçambique. (2025, 20 de Junho). É preciso impedir que os poderes político e judicial sofram influência da mesma força social – académico. Disponível em: https://www.cartamz.com/ (consultado em 20/06/2025).

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