Por Sumaila Djalo- ativista politico guineense e acadêmico
A Guiné-Bissau foi à votação para as presidenciais e legislativas, em simultâneo, no passado 23 de Novembro. As eleições foram convocadas num contexto de ditadura que já dura 6 anos e comandada por Umaro Sissoco Embaló. A Comissão Nacional de Eleições (CNE), responsável pela organização do processo eleitoral, tem uma direcção caduca há 3 anos, mas conveniente ao Sissoco. O Supremo Tribunal de Justiça (STJ), entidade suprema da justiça guineense e instância máxima de fiscalização do processo eleitoral em todas as suas fases, tem um presidente imposto através de um processo eleitoral viciado, conduzido por Sandji Fati, um dos principais serviçais do ditador, indicado por uma presidente da Assembleia Nacional Popular (ANP) imposta por Sissoco. Os principais adversários políticos do tirano, com destaque para a PAI-Terra Ranka (de que faz parte o PAIGC) e o seu líder Domingos Simões Pereira, foram abusivamente impedidos de concorrer às eleições.
Ainda assim, os guineenses foram às urnas escolher os titulares das instituições do seu Estado. As atenções foram colocadas nas presidenciais, pois há um povo sedento de liberdade e que há 6 anos está a braços com um dos mais perigosos déspotas em África. Apesar da ditadura, o sistema eleitoral da Guiné-Bissau tem um modelo de apuramento de resultados dos mais transparentes em África. Duas fases dos apuramentos são cruciais para a transparência do acto. O apuramento nas mesas de assembleia de voto, resultante da contagem dos boletins de voto, e o apuramento nas Comissões Regionais de Eleições (CRE), resultante da adição dos números apurados nas actas das mesas por região eleitoral. A Guiné-Bissau tem 9 regiões eleitorais, mais os círculos das diásporas na Europa e África.
Foram as presidenciais mais polarizadas dos 34 anos do multipartidarismo na Guiné-Bissau. De um lado, Umaro Sissoco Embaló, ditador à procura da sua reeleição. Do outro, Fernando Dias da Costa, um ex-aliado do tirano que há 3 anos se pôs em ruptura com o antigo amo. Uma alternativa de última hora encontrada pelas sensibilidades da oposição como mecanismo de combate eleitoral à ditadura. Longe de ser a melhor opção numas eleições condicionadas desde a sua origem, não deixa dúvidas de ser, entretanto, o candidato melhor posicionado para esta etapa de confronto com a ditadura. Uma escolha de sobrevivência dos sectores democratas guineenses. O apoio popular durante a campanha eleitoral de 21 dias não deixou margem para dúvida: o povo estava pronto para ir às urnas com duas bandeiras que escolheu para estas eleições. Unidade nacional contra o divisionismo étnico-religioso sissoquista; e liberdades democráticas contra um regime de terror, sanguinário.
O processo estava na fase de apuramento dos resultados eleitorais regionais. A diretoria da Candidatura de Fernando Dias da Costa, que teve delegados em todas as mesas de voto, fez uma contagem paralela dos votos através das actas sínteses das mesas. A projecção indica para uma maioria absoluta na primeira volta e consequente derrota do ditador, que se remeteu ao período mais silencioso da sua história, para a surpresa de todos os que conhecem o seu ar arrogante e prepotente. Mais claro ainda, as actas de apuramento regional que chegavam não só confirmavam os dados anteriormente apurados pela candidatura de Fernando Dias, como dissipam qualquer dúvida sobre a histórica derrota do tirano. De acordo com a Lei Eleitoral guineense, estas actas são públicas justamente para assegurar o máximo de transparência ao processo eleitoral.
Ciente da sua derrota anunciada, Umaro Sissoco Embaló resolve recorrer a expedientes que lhe são conhecidos. Primeiro, tentou adulterar os resultados regionais. A mobilização popular em Catio, Mansoa, Biombo, Bubaque, frustraram essa tentativa. Depois, tentou o roubo na fase de apuramento final, sob alçada da CNE, que só tem de cumprir com a formalidade de anunciar os resultados já conhecidos pela própria candidatura do ditador. Consciente de que seria uma manobra escancaradamente ridícula, lá foi activar a acção dos seus aliados da primeira hora: as forças armadas guineenses, que o têm protegido desde a sua posse unilateral a 27 de Fevereiro de 2020.
Ouviram-se tiros nas imediações do Palácio da República ao meio dia de Bissau. A informação rapidamente se espalhou entre os guineenses. Em menos de 30 minutos, qual foi a imprensa que teve o santo privilégio de anunciar um “golpe de Estado” de que o próprio golpeado lhes terá informado? Jeune Afrique, RFI e France 24! Não se pasmem. É a imprensa françafricana a garantir a necessária celeridade em difundir mais uma inventona do seu novo serviçal numa África Ocidental a fugir-lhe das entranhas neocoloniais, da Aliança do Sahel ao Senegal. Mas o que de facto aconteceu? Digo-vos por intermédio de companheiros da CARAVANA DE #LIBERDADE que, em Bissau, alertados por sectores subalternos nas forças armadas, foram constatar em loco a invasão da CNE pelas milícias do Sissoco Embaló e consecutivamente encenaram o teatro de um golpe ridículo de tiros ao ar na Presidência da República pelas forças da própria Guarda Presidencial. Peçam os vídeos registados pelos moradores das imediações do palácio do ditador para se entreterem com o mais ridículo “golpe de Estado” num país cujas as forças armadas são “especialistas em golpes”: tiros ao ar e notícias na França!
Um autodenominado Comando Militar surge depois a ler um comunicado lacónico a informar que tomam o controlo do poder estatal. Não fosse o seu porta-voz mais tremido do que a primeira geração de telemóveis NOKIA a vibrar. A mentira tem pernas curtas. Diz o ditado. E depois? Depois são presos Domingos Simões Pereira e Octávio Lopes, dirigentes do PAIGC. Fernando Dias da Costa, mais do que previsível vencedor das presidenciais, está por enquanto num local seguro. Os militares do Umaro Sissoco Embaló acusam-lhes de golpear o seu Único Chefe. Sim, acusam os líderes de uma candidatura vencedora das eleições de golpear a quem derrotaram pelo voto popular. E o ditador derrotado? Dizem os seus serviçais que está preso no Estado Maior das Forças Armadas, justamente na sua principal guarnição ao longo de todos estes anos, onde conta com um aliado indefectível, Biague Nantam, o Chefe das Forças Armadas, que até se colocou recentemente em campanha política ao seu lado.
Claro que o propósito é impedir a intronização popular do Fernando Dias da Costa na Presidência da República através de umas lindas eleições em que o povo rebentou com o ditador para o seu inesperado desespero, pois é ele o representante de Deus/Allah nas terras da Guiné-Bissau, como gosta de lembrar. Talvez tenha se esquecido de rezar durante a campanha eleitoral, até Deus/Allah votava com o povo no seu concorrente para salvar a nossa terra da sua maldade, que na religião que diz professor é suposto ser pecado. Claro que a imprensa françafricana sabe o que está a faze e porquê. E claro que qualquer pessoa atenta à Guiné-Bissau nos últimos 6 anos sabe da especialidade do sissoquismo em inventar golpes para “caçar às bruxas”.
Mas podemos travá-lo agora. Se nos mobilizarmos colectivamente como fizemos nestas eleições que nós mesmos não acreditávamos poder ganhar só através das possibilidades que o sistema eleitoral nos garante. Se nos organizarmos e dermos uma direcção política e cívica clara à nossa mobilização. E, definitivamente, não preciso de fazer novos sermões para dizer que têm de ser as lideranças políticas à frente desta carava eleitoral contra a ditadura a liderar esta fase derradeira de confronto ao ditador. Chamem a reuniões, se necessário, clandestinas. Encetemos uma frente comum de todas as sensibilidades contra a ditadura e confrontemos a ferra por via da mobilização popular. Vamos a isso, ou paremos de brincar de combater pela democratização! “A hora é de acção”, diz-nos Amílcar onde está!
Para quem em Bissau está impedido de aceder às redes sociais, pode ler em: https://oradikantagb.blogspot.com/2025/11/golpe-de-estado-na-guine-bissau-golpe.html?m=1
