Economia

Fazer Negócios em Moçambique: E Agora, Investir ou Desistir?

Texto: Celso Chambisso • Fotografia: Istockphoto

Abrir ou manter um negócio em Moçambique é um teste diário à resiliência. A burocracia engole tempo e energias, os regulamentos mudam (quase) ao sabor do vento, as taxas de juro asfixiam ambições de crescimento e a corrupção transforma processos simples em labirintos com portagens. Some-se a tudo isto uma escassez de capital humano qualificado, fraca cultura de boas práticas empresariais e lentidão na justiça. Eis um ambiente de negócios que parece feito para desencorajar quem tenta gerar riqueza e empregos. Parece haver sinais de melhoria, mas para que empreender deixe de ser um acto de teimosia e passe a ser uma escolha viável (e preferível à desistência), ainda há muito por mudar.

Não é por falta de ideias ou de coragem que fazer negócios em Moçambique continua a ser um exercício de resistência, mas por causa de um ambiente que, muitas vezes, em vez de promover o crescimento, sufoca-o. Os empresários (dos grandes industriais aos jovens empreendedores) têm sido claros: há demasiadas pedras no caminho.

Kekobad Patel, empresário veterano e um dos nomes mais respeitados do sector privado moçambicano, não poupa nas palavras: “O Estado precisa de decidir se quer o sector privado como parceiro ou como suspeito.” Especialista em comércio internacional, já viu projectos atrasarem-se meses por causa de questões burocráticas “absurdas”, com licenças que “circulam como num carrossel, entre departamentos, enquanto os custos operacionais explodem.”

 
A burocracia continua a ser apontada como uma adversidade de peso

 

Mas não é só nas altas esferas que tal acontece. Um pequeno produtor de castanha de caju, em Nampula, relata ter perdido uma exportação inteira porque os serviços alfandegários demoraram mais do que o produto podia aguentar. Em vez de uma solução, recebeu uma vaga promessa de que tudo se iria resolver… “da próxima vez.”

A instabilidade fiscal, as mudanças constantes das taxas e regulamentos, a morosidade dos tribunais e a escassez de financiamento compõem um cenário onde empreender é quase um acto de desobediência civil. Apesar disso, há empresários que continuam a tentar. E talvez aí esteja a maior força do País: não nas políticas que vêm do topo, mas na resiliência de quem insiste em erguer fábricas, abrir lojas e exportar produtos, mesmo quando o sistema parece empenhado em fazer o contrário.

“O primeiro grande problema de Moçambique no ambiente empresarial é institucional, reflectido na burocracia, que, por sua vez, origina outros problemas”, Egas Daniel

As opiniões que a E&M escutou coincidem num ponto: chegou a hora de mudar o tom. Ou se ouve os que constroem riqueza e empregos, todos os dias, ou o País continuará a perder o mais valioso dos seus recursos: a esperança.

Um problema institucional

James Robinson, Prémio Nobel de Economia em 2024, apontou as instituições como factor que faz a diferença no desempenho das nações. Egas Daniel, economista moçambicano da consultora Oxford Economics, pegou nos pressupostos daquele laureado e criou uma base de análise voltada para o País. “Porque é que o nosso ambiente de negócios não é competitivo? Porque é que a nossa produção atrai poucos empresários nacionais para o investimento”, questiona, concluindo: “O grande problema está na burocracia! Significa que o primeiro grande problema que Moçambique tem de resolver é institucional”, reflectido nessa burocracia, que, por sua vez, origina outros problemas e faz florescer a corrupção – um efeito cascata (ver gráfico).

Elevada informalidade

A informalidade é outro obstáculo institucional ao ambiente de negócios, cuja prevalência é viabilizada pela burocracia, aponta Egas Daniel. Ou seja, “quando uma empresa pensa em formalizar um negócio, avalia todos os aspectos burocráticos que tem de enfrentar, adiciona a ‘perseguição’ institucional e a corrupção a que vai estar exposta depois de se registar e conclui que o seu negócio é mais próspero enquanto informal.”

Neste caso, mais uma vez, “negócios eficientes, como os de algumas ‘startups’, que poderiam expandir o seu capital, ganhar mercados e aumentar a empregabilidade se transitassem para o sector formal, acabam por perder essa oportunidade.” Sem incentivos para se formalizarem, a análise de viabilidade implícita que estas empresas fazem impede outras aventuras “que podiam trazer grandes resultados para os seus negócios.”

A infra-estrutura do Porto de Maputo é um dos (poucos) exemplos do que de bom se faz para atrair investimentos

 

Alta dependência dos megaprojectos

Egas Daniel entende que boa parte da prosperidade económica de Moçambique depende dos chamados “megaprojectos”, ou seja, investimento directo estrangeiro (IDE), actualmente centrado nos minérios e gás, mas “sem muitos moçambicanos representados e sem empregar muitas pessoas.”

Além disso, a dependência destes grandes projectos expõe Moçambique a imposições externas ou flutuações de preços de matérias-primas. “Muitas vezes, temos de nos submeter a cenários em que temos baixo poder de negociação”, por haver uma relação de dependência e faltar “um sector doméstico vibrante.”

A avaliação de crédito de Moçambique degradou-se e “quando um investidor externo se depara com um ‘rating’ nacional desfavorável, retrai-se, porque reflecte a capacidade do País em honrar os compromissos financeiros externos”, Bruno Dias

“Por exemplo, quando nos sentamos com a TotalEnergies, sabemos que tudo ou quase tudo o que formos negociar” depende daquela petrolífera, criticou, indicando que tal não aconteceria se o País tivesse pequenas e médias empresas vibrantes com potencial de crescimento e de se integrarem na economia.

Classificação de crédito em queda

A degradação da classificação de crédito de Moçambique é um problema. A agência de notação financeira Moody’s desceu, já este ano, o “rating” da dívida interna (para o nível Caa3, três níveis antes do incumprimento financeiro ou ‘default’), devido a atrasos nos pagamentos e a uma troca de dívida. A Fitch Ratings baixou a classificação de crédito soberano (para CCC) e a avaliação da Standard & Poor’s (S&P) também caiu (para o nível CCC-).

Estas descidas reflectem preocupações com a situação económica de Moçambique, como o agravamento do défice orçamental, a quebra da receita fiscal, o aumento da despesa com segurança e o crescimento económico mais fraco.

“Quando um investidor externo se depara com um ‘rating’ nacional desfavorável, a tendência natural é de retracção, pois esse indicador reflecte a capacidade do país em honrar os seus compromissos financeiros externos. O ‘rating’ é, por isso, um sinal vital da credibilidade económica da nação e tem um impacto significativo na atracção de investimento estrangeiro”, refere Bruno Dias, que lidera os serviços de consultoria (“consulting leader”) na Ernst & Young Moçambique.

No topo dos critérios de análise de risco, alguém que quer investir ou fazer crescer os negócios em Moçambique procura estabilidade política e social, o que acabou por ser alcançado nos últimos meses, com o acalmar da tensão pós-eleitoral (que ocorreu após Outubro de 2024). “Será importante que assim se mantenha”, disse Bruno Dias.

Empresas têm responsabilidades

Para Bruno Dias, o fortalecimento do ambiente de negócios em Moçambique exige responsabilidade partilhada entre todos os intervenientes, incluindo as empresas, o sistema financeiro e demais participantes. “Quando se trata, por exemplo, de financiamento para um projecto ou de uma operação mais complexa como um ‘project finance’, é fundamental que o dossiê esteja bem instruído”.

Moçambique precisa de uma abordagem estrutural e pragmática para inverter o actual panorama

Ainda de acordo com o responsável, do lado das empresas, é essencial garantir que os modelos financeiros estejam bem construídos, que as análises de crescimento sejam sólidas e que exista uma boa estrutura de garantias. “A empresa tem de estar bem colateralizada. Isso é muito importante”, sublinha.

Do lado do sistema financeiro, há mecanismos próprios de controlo de qualidade. Os “checks and balances” da banca estão desenhados para assegurar a viabilidade das operações. “Todos os empréstimos têm de passar por um comité de crédito, que só o aprova se tudo estiver devidamente instruído e se fizer sentido em termos de viabilidade”, explica Dias.

Apesar dos desafios, o especialista destaca que, pelo que conhece da banca e de quem lá trabalha, “há muito interesse em colocar crédito no mercado. Mas, para isso, é preciso haver bons projectos e bem apresentados.”

“Algumas coisas bem pensadas”

Apesar do cenário geral de carência ao nível das infra-estruturas, Bruno Dias considera que “há  algumas coisas bem pensadas, como o financiamento através do Millennium Challenge, organismo do Governo dos Estados Unidos que apoia países em desenvolvimento, incluindo Moçambique, desde que se comprometam a melhorar a governação, a liberdade financeira e a investir na população.  Em Moçambique, prevê-se o investimento na construção de um troço de estrada muito importante na província Zambézia. Noutra área, o porto de Maputo tem um plano de expansão “muito interessante”, com investimentos previstos para o fortalecimento do transporte ferroviário. No contexto do acesso ao financiamento, segundo o consultor, também têm sido dados passos importantes nos últimos tempos, como a criação de um fundo de garantia mutuária, que vai ajudar a colateralizar empréstimos para as pequenas e médias empresas (PME), mas que ainda não foi operacionalizado. Outra medida a que Bruno Dias faz menção é o Fundo de Recuperação Económica, lançado em Fevereiro pelo Presidente da República, Daniel Chapo, como parte dos esforços para reerguer os empreendimentos afectados pela violência no contexto das manifestações pós-eleitorais.

Bruno Dias aponta ainda para melhorias ao nível da regulamentação, nos últimos anos. “Por exemplo, estivemos [a EY] a suportar o Instituto Nacional de Tecnologias de Informação e Comunicação (INTIC) em dois regulamentos: um para serviços na ‘cloud’ e outro de licenciamento de ‘data centers’. São regulamentos importantíssimos para fazer crescer as tecnologias de informação no País”, explica.

São necessárias políticas cambiais favoráveis, acesso à moeda estrangeira e diversificação económica para reduzir a dependência de matérias-primas e atrair mais capital externo

“Todos estes passos indicam que Moçambique está ciente do que é preciso e está no bom caminho, mas é preciso que os diversos projectos saiam da gaveta”, destaca.

Os projectos de gás continuam a alimentar expectativas

 

Condições para o sucesso

Para Egas Daniel, há vontade política para mudar o panorama (muitas políticas para melhorar o ambiente de negócios já foram aprovadas, diz). Mas a cultura instalada de burocracia, corrupção e informalidade não vai desaparecer facilmente. “É um desafio acabar com um sistema que se foi instalando e consolidando por muito tempo”, conclui. Por seu lado, Bruno Dias entende que o País tem todas as condições para se tornar num exemplo extraordinário em termos de desenvolvimento económico: tem recursos naturais abundantes, uma população jovem e um posicionamento geoestratégico favorável. Segundo Bruno Dias, “se houver estabilidade política e não se registarem recuos, como os verificados nos últimos anos — desde a pandemia de covid-19 até aos desastres naturais —, o País pode estar à porta de uma nova era.” Além disso, “o gás pode ser o balão de oxigénio necessário para dinamizar o resto da economia.” No entanto, adverte que, no caso específico do turismo, será impossível criar valor sem investimentos sérios em infra-estruturas básicas. “Sem aeroportos funcionais, uma forte companhia aérea de bandeira, estradas que permitam o acesso a destinos turísticos, entre outras condições logísticas, o sector não conseguirá crescer nem atrair investimento sustentável.”

Reformas estruturantes para uma mudança real

Para Joel Almeida, associado da consultora Mazars, Moçambique precisa de uma abordagem estrutural e pragmática para inverter o actual panorama. Alinhando na necessidade de observar e replicar exemplos concretos de países que superaram contextos adversos, aposta na digitalização e na e-Governance como alicerces para uma administração pública mais eficiente, transparente e inclusiva.

Joel Almeida defende ainda reformas políticas e económicas consistentes que garantam estabilidade e tornem o País mais atractivo ao investimento, nomeadamente nos sectores da tecnologia e inovação.

Alerta, igualmente, para a necessidade de políticas cambiais favoráveis, acesso à moeda estrangeira e diversificação económica, como meios de reduzir a dependência de matérias-primas e atrair mais capital externo. “Sem estas reformas, será difícil transformar o potencial em progresso concreto”, advertiu.

O sector privado tem tentado concertar ideias com o Banco Central, mas com poucos avanços

 

Cinco dimensões de mudança

As linhas de orientação vêm da consultora Deloitte, na voz de Inácio Neves, associate Partner, Risk, Regulatory & Forensic, e Katia Buzi, Associate Partner, Tax da consultora Deloitte. Ambos convergem na necessidade de um esforço coordenado e sustentado para criar um ambiente de negócios mais estável, competitivo e inclusivo no médio e longo prazo. As perspectivas traçadas abrangem cinco dimensões:

  • Política, com ênfase na continuidade das reformas, promoção da transparência e criação de um plano de governação inclusivo;
  • Económica, com foco na diversificação da economia e melhoria da infra-estrutura logística;
  • Social, através do investimento no capital humano para aumentar a produtividade;
  • Financeira, com maior inclusão e inovação no setor financeiro;
  • Tecnológica, onde a transformação digital é vista como imperativo estratégico.

 

Os responsáveis da Deloitte consideram que o sucesso destas transformações exigirá liderança comprometida, diálogo entre sectores e implementação efectiva de políticas. A estabilidade institucional e a confiança dos investidores serão consequências naturais de reformas bem conduzidas. (DE)

 

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