Por Quinton Nicuete

Cabo Delgado enfrenta uma grave crise de corrupção: apesar da instauração de um processo-crime pela Procuradoria-Geral da República (PGR), o diretor provincial da Agricultura, Daudo Ussahale, continua a exercer suas funções como se nada tivesse acontecido. A denúncia envolve o desvio de mais de 14 milhões de meticais, fundos que deveriam beneficiar vítimas do terrorismo e dos desastres naturais.
O suposto esquema fraudulento, que teria ocorrido entre o final de 2023 e o início de 2024, aponta para graves irregularidades na gestão de recursos públicos destinados ao projeto de estabilização e recuperação imediata da província. O dinheiro deveria financiar a compra de motores de embarcações para pescadores que perderam seus meios de subsistência, mas metade dos equipamentos pagos nunca chegou ao destino.
De acordo com documentos a que a imprensa teve acesso, a empresa contratada recebeu o pagamento integral para fornecer 108 motores, mas entregou apenas 56. O restante, avaliado em 13,4 milhões de meticais, simplesmente desapareceu. Além disso, projetos hidráulicos essenciais para a irrigação em Montepuez, orçados em 2,7 milhões de meticais, nunca foram executados.
A denúncia, submetida ao Gabinete Provincial de Combate à Corrupção, levou a PGR a instaurar um processo-crime. No entanto, o diretor provincial continua em funções, sem qualquer medida disciplinar ou afastamento por parte do Governo.
Diante das acusações, Rachade Amade, chefe do Departamento de Pescas e Aquacultura, minimizou o caso, alegando que as denúncias vêm de pessoas “preguiçosas e intriguistas”. Sua maior preocupação, ao que parece, não é a transparência na aplicação dos fundos, mas sim a possibilidade de que os doadores internacionais suspendam o financiamento à província.
Na contramão da indignação pública, o setor da Agricultura e Pescas, ainda sob liderança do diretor suspeito, realizou nesta segunda-feira (03 de março) a distribuição de kits de pesca para vítimas do terrorismo e do ciclone Chido. A cerimônia contou com a presença do governador de Cabo Delgado, Valige Tauabo, que, apesar do escândalo, endossou a continuidade do atual comando da pasta.

Os equipamentos entregues foram financiados por projetos internacionais, incluindo o ProAzul, do Governo do Japão, e o Programa Mais Peixe Sustentável, com fundos do Banco Mundial. O que levanta questionamentos: como o Governo pode confiar na execução desses programas por um setor cujos dirigentes estão sob investigação por desvio de fundos?
A permanência do diretor provincial no cargo lança dúvidas sobre o compromisso do Governo de Cabo Delgado no combate à corrupção. Por que um gestor sob suspeita continua a gerir milhões em projetos internacionais? Por que nenhuma ação disciplinar foi tomada enquanto o processo segue na PGR?
O escândalo gera inquietação entre os cidadãos e organizações internacionais que financiam a recuperação da província. A continuidade dessa gestão pode minar a credibilidade de Cabo Delgado junto aos doadores e comprometer o apoio essencial para as populações afetadas pelo terrorismo e desastres naturais.
A resposta das autoridades será um teste crucial: manterão a impunidade ou tomarão medidas para restaurar a confiança e garantir a correta aplicação dos fundos públicos? (Moz24h)