“A minha filha pode desaparecer a qualquer momento”: o grito de uma mãe ignorada pela justiça após um registo fraudulento de nacionalidade adquirida
Por Quinton Nicuete
Pemba, Cabo Delgado — Uma cidadã natural de Chiúre e residente em Pemba, identificada como Marquina Estêvão Nguereza, denuncia alegadas irregularidades no registo de nacionalidade da sua filha menor há dois anos e acusa ignorância e morosidade da justiça de pôr em risco o futuro da criança. A mãe teme que o ex-marido de nacionalidade Israelita de nome Ruslan Nafikov, beneficiado por um “registo fraudulento de uma nacionalidade adquirida a criança Moçambicana”, possa retirar a filha do país sem o seu consentimento.
Marquina relata que o problema teve início quando a filha tinha apenas quatro meses. O casal deslocou-se aos serviços de registo civil para oficializar o nascimento, mas, no dia seguinte, foram informados de que o processo era inválido e teria de ser repetido. “Falaram em fazer um novo registo, mas o pai disse que não tinha tempo. Mais tarde percebi que ele foi sozinho refazer o processo”, contou.
Meses depois, a mãe descobriu que a filha constava como titular de uma nacionalidade adquirida, o que considerou “ilegal e sem fundamento”. “Procurei um advogado que confirmou que a minha filha, nascida em Moçambique e filha de mãe moçambicana, não podia ter nacionalidade adquirida. A partir daí começaram os meus pesadelos”, desabafou.
Após denúncias à Direção Nacional de Identificação Civil (DNIC) em Cabo Delgado, Marquina recebeu cópias do assento e da certidão da filha, mas o processo de impugnação encontra-se parado há vários meses. “Desde o ano passado, nada avança. Os processos do pai, esses andam rápido. Os meus ficam esquecidos”, lamentou.
Segundo a denunciante, os processos movidos por si têm sido marcados por lentidão e falta de resposta das instituições. “O processo nº 88/02/P/25, que está na Procuradoria-Geral da Província de Cabo Delgado, não tem qualquer despacho há meses. E o processo nº 35/2024, que corre na 2ª Secção Cível do Tribunal Judicial da Província de Cabo Delgado, foi julgado, mas o acusado recorreu. Há quatro meses o recurso não sobe para o Tribunal de Recurso de Nampula”, denunciou.
A cidadã vai mais longe e acusa as advogadas do indiciado de comportamento antiético durante as audiências. “Proferiram injúrias e palavras caluniosas contra mim em plena audiência, diante do juiz, e nada foi feito. Fiquei maltratada e humilhada, mas o tribunal ficou em silêncio”, afirmou visivelmente revoltada.
Marquina teme que a demora judicial e a alegada proteção institucional ao ex-marido resultem num desfecho trágico. “Ele tem contactos com estrangeiros. Se conseguiu registar uma nacionalidade adquirida sem o meu consentimento, também pode conseguir sair com a criança para fora do país. Eu vivo em pânico”, disse.
A mãe afirma ter apresentado queixas à Procuradoria da Cidade e à Procuradoria Provincial de Cabo Delgado, sem respostas concretas. “Cada vez que vou lá, dizem que o processo está a ser analisado. Mas nada muda. Já não sei a quem recorrer”, contou.
O Procurador de Lichinga, Danilo Tiago, explicou que, do ponto de vista jurídico, a nacionalidade moçambicana não é adquirida por quem nasce em território nacional. “Em princípio, basta nascer em Moçambique, sendo de pais moçambicanos ou de um deles moçambicano, para ser considerado moçambicano de origem. O que parece ter acontecido neste caso é uma irregularidade que envolve atos de corrupção, tanto por parte do pai da menor quanto de um funcionário do Cartório dos Registos e Notariado, resultando num registo manifestamente ilegal e passível de responsabilização criminal”, afirmou.
O magistrado destacou ainda que a morosidade processual em casos que envolvem menores é preocupante, uma vez que a lei impõe prioridade absoluta a esse tipo de situação. “Nestes casos, deve sempre prevalecer o princípio in dubio pro criança, consagrado no número 3 do artigo 47 da Constituição da República de Moçambique, que determina que todos os assuntos relacionados com crianças devem ser tratados com a maior celeridade possível”, concluiu.
No seu apelo final, Marquina dirige-se às mais altas instâncias do país. “Peço ao Presidente da República, ao Governador de Cabo Delgado, ao Secretário de Estado e à Procuradora-Geral da República que intervenham. Já não durmo tranquila. Tenho medo de acordar e descobrir que a minha filha desapareceu”, afirmou entre lágrimas.
Sobre o assunto, contactamos Ruslan Nafikov, por sinal o acusado em causa, para obter esclarecimentos adicionais, e este limitou-se a afirmar que não podia prestar declarações mas sim podia enviar o contacto do seu advogado para pronunciar-se. Até o fecho desta reportagem, o acusado não enviou nenhum contacto telefónico do seu advogado.
Enquanto os processos permanecem “mal parados” nos corredores da justiça, uma mãe continua à espera de respostas e de um gesto de humanidade que garanta o direito de estar com a sua filha, antes que seja tarde demais. (Moz24h)

