Por Tiago J.B. Paqueliua
A província de Manica vive hoje uma silenciosa, mas devastadora, forma de colonização: a colonização extrativista. As indústrias mineiras – legais e artesanais – avançam sobre rios, terras agrícolas e florestas, deixando atrás de si uma teia de poluição, pobreza e desalento humano. A albufeira da Barragem de Chicamba e toda a extensão do rio que a alimenta estão a ser contaminadas por metais pesados, provocando a morte dos peixes, a infertilidade dos solos e a degradação irreversível das culturas agrícolas que sustentam milhares de famílias.
Segundo uma reportagem do Notícias.mmo, confirmada por uma missão técnica de vários ministérios, as bacias de decantação construídas por empresas mineiras são usadas por mineradores artesanais, aumentando a poluição dos rios. O inspector-geral de Minas, Grácio Cune, admitiu publicamente que algumas áreas de extracção de ouro em Manica atingiram níveis alarmantes de degradação do solo. Contudo, a declaração não foi acompanhada de sanções legais, como multas, indemnizações às populações afectadas ou mesmo suspensão de licenças, previstas na Lei do Ambiente n.º 20/97 e na Lei de Minas n.º 20/2014.
O silêncio cúmplice do Estado é questionável
Ambientalistas denunciam que “a fraca fiscalização representa uma abdicação do papel do Estado”, como sublinhou o investigador moçambicano Carlos Serra Júnior, especialista em governança ambiental. Por sua vez, a economista social Helena Macuácua alerta que “o modelo extrativista vigente beneficia elites locais e multinacionais, enquanto empobrece os camponeses e obriga comunidades inteiras a deslocarem-se de terras ancestrais para sobreviver”.
Do ponto de vista teopolítico, o académico Padre José Muananhe, que investiga a relação entre fé e ecologia, recorda:
“O Homem é mordomo da Criação, não seu predador. A indiferença diante da contaminação das águas e da fome provocada pela mineração é um atentado contra a dignidade humana e contra Deus.”
Um quadro de direitos humanos violados
A degradação ambiental em Manica é também uma questão de direitos humanos. O artigo 90.º da Constituição da República de Moçambique garante a todos os cidadãos o direito a um ambiente equilibrado e sadio. No entanto, milhares de famílias são obrigadas a consumir água poluída, a abandonar a agricultura e a ver a pesca desaparecer como meio de subsistência.
A investigadora Graça Simbine, especialista em direitos humanos, sublinha:
“A contaminação das fontes de água não é apenas uma questão ambiental: é uma forma de violência estrutural contra populações rurais, muitas vezes sem voz e sem alternativas.”
Penalização e responsabilidade
Juristas e ambientalistas convergem: é urgente responsabilizar as empresas poluidoras e aplicar medidas correctivas imediatas. Entre as mais defendidas:
Multas pesadas e proporcionais ao dano causado, em conformidade com a legislação ambiental vigente.
Indemnizações às populações afectadas, incluindo assistência médica e compensação a agricultores e pescadores que perderam meios de subsistência e tem a sua saúde afectada.
Suspensão e cancelamento de licenças para empresas reincidentes, com prioridade dada à recuperação ambiental das áreas devastadas.
Criação de um fundo provincial de reparação ambiental, financiado pelas próprias indústrias, sob gestão transparente e participativa.
Perguntas que exigem respostas imediatas
1. Quem responde pela fiscalização efectiva das empresas mineiras em Manica?
2. Por que motivo as sanções legais raramente são aplicadas, apesar das evidências de poluição?
3. Que planos tem o Governo para conciliar desenvolvimento económico com sustentabilidade ambiental?
4. Que lições podem ser colhidas de países vizinhos, como a Tanzânia e a África do Sul, onde algumas comunidades já conseguiram impor compensações ambientais a multinacionais mineiras?
Conclusão
A situação em Manica é insustentável e não pode continuar a ser tratada como um “efeito colateral” do progresso económico. O que está em causa não é apenas o ambiente, mas a soberania alimentar, a dignidade humana e o futuro das próximas gerações.
Como dizia o jornalista investigativo Estácio Valoi, que durante anos denunciou abusos ambientais e sociais na região centro do país:
“Enquanto os peixes morrem nos rios, as esperanças do povo de Manica afogam-se em águas envenenadas.”
É hora de o Governo, a PGR e a sociedade civil agirem com coragem. A protecção ambiental não é um luxo, é um direito humano fundamental. A pergunta que fica é: será Manica perpetuamente condenada à colonização da mineração, ou poderá renascer como território de vida e esperança?
Será o governo que se pretende para Manica é o que de quando em vez se faz ao trombone e murmura ou o que deve fazer-se ao trombone com demonstração de medidas enérgicas de punições aos prevaricadores e indemnizações às vítimas?
