Opiniao

COLONIALISMO: O Crime Hediondo Mais Antigo por Julgar — Uma Acusação Jurídica e Filosófico-Política Contra a História Oficial

Por Tiago J.B. Paqueliua
⁠“Chamam-lhe império. Eu chamo-lhe latrocínio com bandeira.”
— Anónimo entre os calhaus de alguma colónia ‘descoberta’
Resumo
Neste ensaio, polifónico e deliberadamente incômodo, propõe-se que o colonialismo, longe de ser apenas uma “fatalidade histórica” ou “erro de percurso civilizacional”, seja juridicamente classificado como crime internacional público de natureza hedionda, imprescritível (sim, repetimos: imprescritível, para que a História não continue a esquecê-lo). Amparados por tratados, doutrinas e vozes da humanidade silenciada, lançamos um libelo acusatório contra os impérios e seus apologistas, que transformaram a pilhagem em museu, a escravidão em caravelas em miniatura, e o genocídio em orgulho nacional.
Palavras-chave: colonialismo, crime hediondo, justiça internacional, descolonização, memória histórica, império, genocídio, autodeterminação.
I. Introdução: Quando a História Veste Toga e Julga-se Inocente
O colonialismo — esse eufemismo dourado que esconde o estupro de continentes inteiros — continua a desfilar impune pelos corredores das academias, nas fardas escolares e nas instituições jurídicas das ex-metrópoles. A História oficial lavou as mãos com o sabão da “descoberta”, perfumou-se com o incenso da “evangelização” e vestiu toga para se proclamar civilizadora.
Este ensaio não pretende reescrever a História — pretende julgá-la. Pretende requalificar juridicamente o colonialismo como crime internacional público de natureza hedionda, isto é, um crime que lesa a consciência jurídica universal pela sua brutalidade, premeditação, extensão e consequências intergeracionais.
⁠Porque o colonialismo não foi um erro de ignorância. Foi um projecto meticulosamente desenhado, sistematicamente executado, legitimado por cátedras e púlpitos — e nunca punido.
II. O Colonialismo e o Direito Internacional: O Elefante na Sala dos Tratados
O jus cogens — normas imperativas do Direito Internacional — proíbe crimes como genocídio, escravidão, tortura, apartheid e agressão armada. Ora vejamos: o que foi o colonialismo senão a compilação meticulosa de todos esses crimes, executados com bandeira hasteada?
⁠“O colonialismo é a negação absoluta do outro.”
— Aimé Césaire
O colonialismo configura:
Violação da autodeterminação dos povos (Carta da ONU, art. 1.º, n.º 2);
Violação sistemática dos direitos humanos fundamentais (DUDH, art. 1.º a 30);
Expropriação massiva de recursos naturais e culturais (crime económico transnacional);
Transferência forçada de populações (art. 7.º do Estatuto de Roma — crime contra a Humanidade);
Etnocídio e epistemicídio (como denuncia Boaventura de Sousa Santos).
Mas a impunidade é dupla: primeiro, pelos crimes cometidos durante a colonização; depois, pelos mecanismos de manutenção neocolonial que perduram. A descolonização política foi sucedida por novas formas de dependência: dívida externa, imposição linguística, tutela orçamental, doutrinação curricular e dependência militar.
III. Exempli Gratia: O Colonialismo em Acção
África: Entre 1884 e 1885, na Conferência de Berlim, potências europeias repartiram o continente sem consulta aos povos nativos. Na Namíbia, a Alemanha exterminou os Herero e Namaqua (1904-1908) — o primeiro genocídio do século XX. Na Argélia, a França reprimiu brutalmente as aspirações independentistas, com centenas de milhares de mortos.
América Latina: Espanha e Portugal destruíram civilizações milenares, como os Incas e Astecas, com violência sistemática e imposição cultural. A escravidão africana foi instrumentalizada para sustentar as economias coloniais no Novo Mundo.
Ásia: Na Índia, o domínio britânico provocou fomes artificiais (como a Grande Fome de Bengala, 1943), matou milhões, e submeteu populações inteiras ao estatuto de sub-humanos.
Oceânia: Na Austrália, os aborígenes foram tratados como fauna até 1967. Na Papua, a Indonésia exerce hoje o mesmo papel colonial, com apoio tácito de potências ocidentais.
IV. Vozes do Mundo: Polifonia da Acusação
⁠“Colonialismo não é uma máquina de pensar. É um soco na alma, um murro na identidade.”
— Frantz Fanon (África)
⁠“As nações que dominam outras nações jamais serão livres.”
— Simón Bolívar (América Latina)
⁠“O imperialismo é o feminicídio político de povos inteiros.”
— Angela Davis (América do Norte)
⁠“Liberdade imposta não é liberdade. É uma cela com janelas abertas para a metrópole.”
— Mahatma Gandhi (Ásia)
⁠“Chamam-nos minorias. Mas fomos os primeiros.”
— Rigoberta Menchú (América Central)
⁠“O conhecimento que legitima a colónia é o mesmo que mata a ciência da floresta.”
— Boaventura de Sousa Santos (Europa)
V. O Século XXI Ainda Tem Colónias: O Pós-colonialismo Como Neocolonialismo Disfarçado
Não nos iludamos: o colonialismo continua.
Eis alguns exemplos de países que mantêm colónias até hoje:
França: Mayotte, Nova Caledónia, Polinésia Francesa, Guiana Francesa, Reunião, Saint-Pierre-et-Miquelon.
Reino Unido: Gibraltar, Ilhas Malvinas (Falklands), Bermudas, Ilhas Cayman, Montserrat, entre outros.
Estados Unidos: Porto Rico, Guam, Ilhas Virgens, Samoa Americana.
Holanda: Aruba, Curaçao, Bonaire.
Israel: territórios ocupados da Palestina, sob denúncias internacionais de apartheid e colonialismo.
Marrocos: República Árabe Saraui Democrática.
Angola: sob a conivência portuguesa Angola anexou o Enclave de Cabinda ao seu território com província, quando durante a colonização portuguesa Cabinda não passava dum protectorado português.
⁠A globalização não eliminou o colonialismo — refinou-o: substituiu espingardas por empréstimos, baionetas por algoritmos, e ocupações militares por dependência digital.
VI. Crime Hediondo: Imprescritível, Injurídico, Inaceitável
Segundo a Convenção sobre a Imprescritibilidade dos Crimes de Guerra e dos Crimes contra a Humanidade (1968), crimes hediondos — como genocídio e escravidão — não prescrevem. Ora, se o colonialismo os integra, também não deve prescrever. Não se trata de aplicar retroactivamente uma norma, mas de reconhecer a continuidade do crime.
O colonialismo é crime hediondo porque:
 1.⁠ ⁠Foi praticado com dolo colectivo e premeditação política.
 2.⁠ ⁠Produziu milhões de mortos, deslocados, escravizados e estigmatizados.
 3.⁠ ⁠Violou valores universais de dignidade humana, ainda hoje reclamados pelas vítimas.
⁠Reparar não é caridade. É justiça.
Memória não é mágoa. É antídoto.
Justiça tardia é cumplicidade continuada.
VII. Conclusão: Por um Tribunal Internacional de Descolonização
Este ensaio é um manifesto por justiça, não por retaliação.
Exige-se:
O reconhecimento jurídico do colonialismo como crime hediondo no Direito Internacional Público.
A criação de uma Comissão Internacional de Verdade Histórica e Reparações Coloniais, nos moldes da Comissão da Verdade e Reconciliação da África do Sul.
A inclusão obrigatória da História Colonial Crítica nos currículos escolares de todos os países envolvidos.
A descolonização jurídica e epistemológica dos tratados e tribunais internacionais.
⁠Se o Direito Internacional não reconhecer tal crime, então talvez devamos acusar também o Direito Internacional de ser cúmplice colonial.
Epílogo: Um Tribunal Chamado História
Talvez a História  absolva os colonizadores, neocolonizadores e seus protetores clássicos e contemporâneos. Mas os que morreram nos navios negreiros, nas senzalas, nos quilombos incendiados, nos campos de borracha, nas aldeias bombardeadas e nas ruas empedradas com a miséria colonial — não terão tribunal, nem memória oficial.
Terão este ensaio.
E a esperança de que, em algum lugar do mundo, ainda ressoe o grito:
⁠“Vocês não passarão incólumes!”
Glossário
Crime internacional público: Ofensa grave aos princípios do Direito Internacional que afeta a comunidade internacional como um todo.
Crime hediondo: Crime de extrema gravidade moral e jurídica, que lesa profundamente a consciência da humanidade.
Epistemicídio: Destruição sistemática de saberes locais ou tradicionais, substituídos por epistemologias coloniais.
Etnocídio: Extermínio cultural de um povo, mesmo sem aniquilação física.
Neocolonialismo: Dominação económica, cultural ou política de países formalmente independentes por potências estrangeiras.
Imprescritibilidade: Princípio segundo o qual certos crimes não perdem sua punibilidade com o passar do tempo.
Referências Bibliográficas
 1.⁠ ⁠Fanon, Frantz. Os Condenados da Terra.
 2.⁠ ⁠Césaire, Aimé. Discurso sobre o Colonialismo.
 3.⁠ ⁠Gandhi, M. Hind Swaraj.
 4.⁠ ⁠Bolívar, Simón. Carta de Jamaica.
 5.⁠ ⁠Davis, Angela. A Mulher, a Raça e a Classe.
 6.⁠ ⁠Menchú, Rigoberta. Me Chamam Rigoberta Menchú.
 7.⁠ ⁠Mandela, Nelson. Longo Caminho para a Liberdade.
 8.⁠ ⁠Santos, Boaventura de Sousa. Epistemologias do Sul.
 9.⁠ ⁠ONU. Carta das Nações Unidas (1945).
10.⁠ ⁠Estatuto de Roma do Tribunal Penal Internacional (1998).
11.⁠ ⁠Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948).
12.⁠ ⁠UNGA Resolution 1514 (XV) — Declaração sobre a Concessão da Independência aos Países e Povos Coloniais (1960).
13.⁠ ⁠Quijano, Aníbal. Colonialidade do Poder, Eurocentrismo e América Latina.
14.⁠ ⁠Mbembe, Achille. Crítica da Razão Negra.

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