Por Tiago J.B. Paqueliua
O recente escândalo que envolve o Ministro da Agricultura, Ambiente e Pescas, Roberto Albino, e a empresa Future Technologies of Mozambique, adjudicatária de um concurso público avaliado em 130 milhões de meticais, expõe um cancro estrutural da governação moçambicana: a captura do Estado por interesses privados e político-partidários.
Segundo revelações do Centro de Integridade Pública (CIP), a empresa vencedora manteve relações privilegiadas com o Ministério antes mesmo da abertura oficial do concurso, numa clara violação dos princípios de igualdade, imparcialidade e transparência previstos na Lei de Contratação Pública (Lei n.º 15/2016, de 16 de Setembro).
As Evidências do Conluio
A Future Technologies foi criada em abril de 2025, quatro meses antes do concurso, sem histórico comprovado na área agrícola.
Apresentou a proposta mais onerosa, contrariando o critério de eficiência do gasto público (art. 6.º da Lei de Contratação Pública).
O sócio da empresa, Paulo Auade Júnior, é parceiro societário do ministro Albino na empresa Donawafika Investimentos Moçambique, Lda. — configurando conflito de interesses (art. 24.º, n.º 2, al. c) da Lei da Probidade Pública, Lei n.º 16/2012, de 14 de Agosto).
O Ministro participou pessoalmente na apresentação da plataforma digital da Future Technologies, semanas antes da adjudicação — ato que pode ser qualificado como tráfico de influências e abuso de cargo (art. 11.º e 12.º da Lei n.º 6/2004, de 17 de Junho, Lei contra a Corrupção).
O Quadro Jurídico da Responsabilização
Este caso não é mero deslize administrativo: ele fere frontalmente os princípios constitucionais da legalidade, moralidade administrativa, transparência e responsabilidade (arts. 2.º, 48.º e 250.º da Constituição da República).
Assim, existem fundamentos jurídicos sólidos para:
1. Demissão imediata do Ministro Roberto Albino, por quebra do princípio da probidade pública e indícios de crime funcional (art. 234.º da Constituição e art. 4.º da Lei da Probidade Pública).
2. Abertura de inquérito disciplinar e sindicância independente ao Ministério e ao Instituto do Algodão e Oleaginosas de Moçambique, como previsto no Estatuto Geral dos Funcionários e Agentes do Estado (Lei n.º 10/2017).
3. Ação penal pela Procuradoria-Geral da República, com base na Lei contra a Corrupção (Lei n.º 6/2004), que prevê penas de prisão e perda de mandato para titulares de cargos públicos envolvidos em corrupção.
4. Congelamento preventivo de contas e bens dos implicados, ao abrigo da Lei de Prevenção e Combate ao Branqueamento de Capitais (Lei n.º 11/2022), para evitar a dissipação de recursos ilícitos.
5. Responsabilização civil por perdas e danos às empresas concorrentes defraudadas, através de indemnização (Código Civil, art. 483.º e segs.).
6. Abertura de auditoria financeira e patrimonial independente, cobrindo os últimos 10 anos do Ministério, para apurar outros contratos suspeitos e estabelecer precedentes de boa governação.
A Responsabilidade de Daniel Chapo
Este episódio constitui um divisor de águas para a governação de Daniel Francisco Chapo. Um presidente que se apresentou ao eleitorado como o arauto do combate à corrupção e da boa governação não pode permanecer inerte perante evidências tão graves.
Se Roberto Albino permanecer no cargo, Daniel Chapo corre o risco de ser visto como cúmplice ou refém da velha política do Partido-Estado, que há décadas transforma o Estado num balcão de negócios pessoais.
É chegada a hora de o Presidente mostrar que não tem sobre si enfiada qualquer agulha com seringa de corrupção:
Se agir com firmeza, ganhará autoridade moral e credibilidade internacional.
Se recuar, confirmará a suspeita de que a sua governação é mera continuidade do sistema de impunidade.
Conclusão
O caso Future Technologies não é apenas mais um escândalo administrativo; é um teste decisivo à soberania da lei sobre o arbítrio político em Moçambique.
O povo moçambicano não pode continuar a assistir passivamente ao saque institucionalizado do erário. A Constituição e as leis estão claras. O que falta é vontade política e coragem presidencial.
Que Daniel Chapo prove, neste caso concreto, que a sua governação não será lembrada como mais um capítulo de cumplicidade com a corrupção, mas sim como o momento histórico em que a lei começou a prevalecer sobre a impunidade.