Por Quinton Nicuete
A retoma do projeto de gás natural liquefeito (GNL) da TotalEnergies, avaliado em 20 mil milhões de dólares, na península de Afungi, distrito de Palma, está a gerar sentimentos mistos entre os residentes locais de Cabo Delgado. Se por um lado o regresso da gigante francesa renova as esperanças de crescimento económico nacional, por outro, alimenta a desilusão e o ressentimento das comunidades que se sentem excluídas dos benefícios prometidos.
Após quatro anos de paralisação devido aos ataques insurgentes de 2021, que devastaram Palma e causaram dezenas de mortes, a TotalEnergies levantou recentemente a declaração de força maior, retomando gradualmente as atividades. No entanto, a empresa opera num regime de segurança reforçada, isolando-se num complexo altamente protegido e acessível apenas por mar ou ar.
Para muitos empresários locais, essa estratégia tem o efeito de uma fortaleza que bloqueia as oportunidades económicas esperadas. “Palma transformou-se num deserto”, lamentou Martins Mussa, nome feitício, hoteleiro que investiu fortemente em infraestruturas à espera do retorno da companhia. “Os trabalhadores e fornecedores já não saem do acampamento, o comércio local colapsou”, acrescentou.
Cinco empreendedores de Palma confirmaram ter perdido contratos ou clientes após o início deste modelo de enclave. Um fornecedor local relatou que a sua empresa foi dispensada quando o subcontratado da Total se mudou para dentro da zona de segurança. Outro explicou que produtos perecíveis se estragam sem compradores.
De acordo com a Reuters, o coordenador provincial do Centro para a Democracia e os Direitos Humanos, Abdul Tavares, há um sentimento crescente de frustração entre os jovens. “Muitos acreditaram que o projeto seria uma porta de entrada para o emprego e para o desenvolvimento local, mas estão a ver essas promessas desmoronar-se”, disse.
A TotalEnergies defende que o confinamento dos trabalhadores é uma medida normal em projetos de grande escala e necessária por razões de segurança. Maxime Rabilloud, diretor-geral da empresa em Moçambique, afirmou recentemente que a companhia “não pretende reduzir as compras locais” e que, com a retoma, “a participação económica das comunidades aumentará”, garantindo que boa parte dos alimentos consumidos pelos cerca de 2.000 funcionários em Afungi é de origem local.
Contudo, as tensões sociais em Cabo Delgado continuam a ser agravadas por um contexto de pobreza estrutural. Segundo o UNICEF, a província apresenta níveis de desnutrição, analfabetismo e abandono escolar superiores à média nacional. Para a analista de segurança Emilia Columbo, esta desigualdade, aliada à perceção de exclusão, “reforça a narrativa dos insurgentes de que o governo e as multinacionais apenas procuram explorar os recursos, deixando os pobres para trás”.
A insegurança, embora controlada por forças moçambicanas e ruandesas, persiste. Analistas afirmam que os insurgentes estão agora baseados na floresta de Catupa, cerca de 140 quilómetros a sul de Palma, de onde partem para ataques em áreas cada vez mais amplas. O porta-voz do exército ruandês, Ronald Rwivanga, reconheceu que os combatentes “se tornaram mais difíceis de enfrentar”.
Enquanto isso, empresários como Manuela, nome feitiço, que investiu em fornecimentos alimentares para o projeto, veem-se arruinados. “Se soubesse que terminaria assim, nunca teria arriscado tanto. Palma parece um lugar sem futuro”, confessou.
Recorde-se que o presidente e director-geral da TotalEnergies, Patrick Pouyanné, realizou no dia 11 de Novembro uma visita discreta às zonas de Afungi, em Palma, e a Mocímboa da Praia, com o propósito de avaliar pessoalmente o nível de segurança antes de tomar uma decisão final sobre a retoma do megaprojeto de gás natural liquefeito (GNL), avaliado em cerca de 20 mil milhões de dólares e localizado na península de Afungi.
Entre promessas de desenvolvimento e feridas ainda abertas pelo conflito, o retorno do megaprojeto de gás em Cabo Delgado expõe o dilema entre segurança e inclusão, uma equação que continua a definir o destino da província mais rica em recursos e, paradoxalmente, uma das mais pobres de Moçambique. (Moz24h)

