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Quando até os mortos trabalham e os vivos ficam desempregados

BNC Amazonas Machado-e-Goffman_Arte-Gilmal

 

Por Quinton Nicuete

Foram descobertos 18 mil funcionários fantasmas na função pública. O número, por si só, parece retirado de uma narrativa de terror. É como se um estádio inteiro tivesse sido colocado na folha salarial do Estado, sem nunca comparecer ao trabalho, sem nunca ser visto, sem nunca existir.

Mas a revelação, em vez de gerar indignação política, é apenas mais um capítulo da longa novela da impunidade moçambicana. Não há ministros a perder o sono, diretores a prestar contas ou gestores a enfrentar a justiça. A vida segue como se os fantasmas fossem apenas parte natural da administração pública.

Enquanto cidadãos comuns são obrigados a provar que ainda respiram através da chamada “prova de vida”, os fantasmas ressuscitam todos os meses para levantar salários que se transformam em casas luxuosas, carros novos e contas bancárias recheadas. Uma conta rápida: dezoito mil nomes falsos multiplicados por um salário médio de quinze mil meticais resulta em duzentos e setenta milhões de meticais por mês, mais de três mil e duzentos milhões por ano. Um valor suficiente para equipar hospitais, reabilitar escolas ou oferecer bolsas de estudo. Mas, em vez disso, evapora-se.

Não se trata apenas de fantasmas. Atrás deles existem sempre chefes de carne e osso que assinam documentos, inventam identidades e manipulam números. São eles os verdadeiros beneficiários de um sistema que se transformou numa mansão assombrada, onde os corredores estão povoados de ausências e os gabinetes ocupados por invisíveis.

A descoberta deveria provocar um abalo político. Num país sério seria motivo para demissões, prisões e investigações públicas. Em Moçambique, a resposta é previsível: criar comissões, “apurar” factos, prometer estudos de mecanismos de controlo. É o teatro da irresponsabilidade, onde todos fazem de conta que trabalham à espera de que a poeira assente.

A matemática da vergonha é clara. Dezoito mil fantasmas equivalem a dezoito mil admissões de jovens médicos, professores, enfermeiros ou engenheiros. São serviços públicos que poderiam funcionar melhor, vidas que poderiam ser salvas, escolas que poderiam estar equipadas.

No entanto, o silêncio popular também é parte do problema. Aceitamos a corrupção como quem aceita a chuva: sabemos que molha, mas não nos mexemos. Denunciamos em voz baixa, mas ainda aplaudimos os mesmos rostos em campanhas eleitorais porque distribuem capulanas.

No fim, os fantasmas não desapareceram. Foram apenas descobertos. Continuam protegidos por quem domina a arte da invisibilidade. E nós, o povo, continuamos a pagar a vela sem nunca ver a luz.

Moçambique, afinal, é um país onde até os mortos recebem salários, mas os vivos permanecem desempregados.

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