Por Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
Moçambique enfrenta uma emergência ecológica marcada por devastação florestal sistemática, motivada pela dependência energética do carvão vegetal e pelo contrabando legalizado de madeira nobre. Este ensaio denuncia a crise com base em dados empíricos e denúncias de campo, destacando o impacto nos parques nacionais, como Banhine e Mágoè. Com retórica jurídico-ecológica e análise polidisciplinar, o texto propõe a transição para briquetes biológicos e uma economia circular regenerativa. Critica também o paradoxo de o ex-presidente moçambicano Filipe Nyusi, sob suspeita de conivência com crimes ambientais, ter sido premiado como “Campeão do Meio Ambiente”, enquanto a desflorestação prossegue com conivência institucional.
Palavras-Chave
Moçambique; Crise florestal; Parque Nacional de Banhine; Carvão vegetal; Briquetes biológicos; Mágoè; Contrabando; Economia circular; Justiça climática; Ecocídio institucional.
1. Introdução: A Floresta como Ré e como Vítima
Diariamente, em Moçambique, milhares de árvores são reduzidas a cinzas para alimentar uma cadeia energética arcaica e socialmente injusta. A floresta tornou-se não apenas recurso, mas refém. Este ensaio parte de casos concretos — como o saque ao Parque Nacional de Banhine e o contrabando em Tete — para denunciar a ausência de políticas ecológicas estruturais e propor alternativas sustentáveis centradas em justiça ambiental, regeneração circular e soberania ecológica.
2. Parque Nacional de Banhine: Um Cemitério Verde sob Proteção Oficial
O Parque Nacional de Banhine, concebido como santuário ecológico, foi transformado num centro de extração intensiva e ilegal de carvão vegetal, com destino nacional e internacional.
Segundo relatório da ANAC (2017), entre 4 e 6 de maio daquele ano, uma equipa mista percorreu 540 km na zona do parque e contabilizou 16 camiões carregados com sacos de carvão num único sentido. Estima-se uma produção diária de 100 toneladas de carvão vegetal, equivalente a cerca de 171,4 toneladas de madeira extraída diariamente.
Grande parte desse carvão provém da zona tampão do parque, desrespeitando normas de conservação e colocando em colapso os serviços ecossistémicos da região. A madeira convertida em carvão segue para consumo doméstico e contrabando, sobretudo em direção ao Nswatini, África do Sul, Zimbábwe, Zâmbia e Malâwi.
3. Tete, Mágoè e a Rota da Cinza até ao Zimbabwe
Outro caso ilustrativo ocorre em Mágoè, província de Tete, onde o carvão vegetal é extraído intensamente e contrabandeado em larga escala para o Zimbabwe, contornando postos de controlo corrompidos. Investigações do IESE (2021) revelam que redes político-empresariais capturaram toda a cadeia do carvão, impedindo sua regulamentação. A população local é coagida a participar num sistema que lhe rouba recursos e futuro.
4. O Paradoxo Nyusi: Do Desmatamento ao Prémio Ambiental
Num contexto de colapso ecológico, Filipe Jacinto Nyusi, ex-presidente de Moçambique, foi ironicamente condecorado como “Campeão do Meio Ambiente”, mesmo tendo governado durante os anos de maior desflorestação documentada. O seu governo autorizou múltiplas concessões florestais a empresas estrangeiras e permitiu a expansão da produção de carvão nas zonas de conservação. Esse prémio representa o escândalo moral da diplomacia verde global, que recompensa o discurso e ignora os crimes.
5. Briquetes Biológicos: Alternativa Técnica, Económica e Justa
A substituição do carvão vegetal por briquetes biológicos é tecnicamente viável e socialmente desejável. Produzidos a partir de resíduos agrícolas e orgânicos, os briquetes queimam mais lentamente, produzem menos fumo e têm menor impacto ambiental. Sua produção comunitária pode gerar emprego rural e reduzir a pressão sobre as florestas.
Exemplos de sucesso:
Ruanda: proibiu carvão vegetal nas cidades e incentivou produção comunitária de briquetes.
Nepal: forneceu microcrédito e capacitação técnica a cooperativas de briquetes.
Gana e Uganda: desenvolveram políticas públicas energéticas centradas em biomassa alternativa.
Etiópia e Tanzânia: estabeleceram parcerias entre ONGs e governos para incentivar briquetes e reflorestamento.
6. Superando Barreiras: Caminho para a Transição
As resistências culturais, económicas e institucionais à transição podem ser enfrentadas com:
Campanhas educativas nas zonas rurais e urbanas;
Incentivos fiscais e subsídios à produção de briquetes;
Inclusão dos briquetes nas compras públicas (escolas, hospitais, prisões);
Microfinanciamento de cooperativas de juventude e mulheres;
Participação comunitária na definição de políticas de energia doméstica.
6.1. Análise do Impacto Ambiental, Viabilidade Económica e Participação Comunitária
A transição proposta para briquetes biológicos e práticas regenerativas enquadra-se num modelo de baixo impacto ambiental, com benefícios diretos e indiretos para os ecossistemas florestais e as comunidades humanas. Em termos de impacto ambiental, a substituição do carvão vegetal por briquetes reduz drasticamente as emissões de gases com efeito de estufa, limita a pressão sobre a cobertura vegetal nativa e promove a valorização de resíduos agrícolas e orgânicos, mitigando a poluição difusa.
Do ponto de vista da viabilidade económica, estudos e experiências regionais demonstram que o custo de produção dos briquetes, embora inicialmente mais elevado devido ao investimento em maquinaria e capacitação, torna-se competitivo a médio prazo com a criação de economias de escala. O modelo cooperativo comunitário, apoiado por microfinanças e subsídios direcionados, pode gerar emprego local e fortalecer cadeias de valor sustentáveis no meio rural. Países como Ruanda e Uganda demonstraram que o retorno do investimento social e ambiental supera amplamente os custos iniciais.
A participação comunitária é eixo transversal de todo o processo. A aceitação social e a eficácia das soluções dependem da inclusão ativa das comunidades locais na formulação, implementação e monitorização das políticas energéticas e florestais. A gestão comunitária dos recursos naturais, aliada a campanhas de educação ambiental e programas de formação técnica, reforça o sentimento de pertença, promove a justiça ecológica e fortalece a coesão social. A governança partilhada com juventudes e mulheres, principais grupos impactados, deve ser norma e não exceção.
Em termos de indicadores concretos, a substituição do carvão vegetal por briquetes está associada à redução da taxa de desflorestação anual, melhoria da qualidade do ar e aumento da biodiversidade. No plano económico, possibilita a criação de microempresas e cooperativas locais, especialmente em comunidades rurais vulneráveis. E, no campo social, reforça o protagonismo comunitário, combate a pobreza energética e resgata a dignidade ecológica dos territórios.
7. Propostas de Ação
Proibição progressiva da exploração de florestas nativas para carvão;
Massificação do uso de briquetes e fogões melhorados;
Reflorestamento comunitário com espécies nativas;
Reformulação da Lei Florestal com sanções penais severas;
Criação de um Plano Nacional de Bioenergia Circular com metas até 2030.
Glossário
Briquetes biológicos: combustível sólido feito a partir de resíduos orgânicos compactados, usado para substituir lenha e carvão vegetal.
Zona tampão: região periférica de parques nacionais sujeita a uso controlado, frequentemente violada para extração ilegal de recursos.
Carvão vegetal: produto da queima controlada de madeira, usado como combustível doméstico, altamente poluente e destrutivo.
Bioenergia circular: energia renovável produzida por resíduos em sistema regenerativo.
Justiça ambiental: princípio que defende a equidade na distribuição dos impactos e benefícios ambientais.
Ecocídio institucional: destruição ecológica sistemática perpetuada ou tolerada por instituições do Estado.
Epílogo: Julgados pelas Cinzas, Condenados pelo Silêncio
O destino das florestas moçambicanas será o julgamento da nossa geração. Cada saco de carvão carregado em Banhine ou Mágoè é uma sentença contra o futuro. Cada árvore abatida para enriquecer um corrupto ou aquecer um fogão sem alternativa é uma cicatriz moral sobre a República.
O país precisa cessar a guerra contra a floresta. Substituir o machado pela ciência, o carvão pela biomassa regenerada, o lucro imediato pela dignidade climática. Só assim a floresta poderá deixar de gritar por socorro — e voltar a respirar connosco.
Referências Bibliográficas
1. ANAC. (2017). Relatório da Visita ao Parque Nacional do Banhine: Produção e Tráfico Ilegal de Carvão. Administração Nacional das Áreas de Conservação, Ministério da Terra, Ambiente e Desenvolvimento Rural.
2. FAO. (2022). State of the World’s Forests. Food and Agriculture Organization of the United Nations.
3. IESE. (2021). Relatório sobre Governação dos Recursos Naturais em Moçambique. Instituto de Estudos Sociais e Económicos.
4. Rádio Moçambique. (2025, 21 de Julho). Contrabando de carvão persiste na fronteira com o Zimbabwe.
5. Gov. of Rwanda. (2020). National Strategy for Sustainable Biomass Energy. Kigali.
6. World Bank. (2021). Innovative Energy Solutions for Ghana’s Urban Poor. World Bank Energy Reports.
7. UNEP. (2019). Scaling Up Sustainable Bioenergy in Asia. United Nations Environment Programme.
8. Maathai, W. (2010). Replenishing the Earth: Spiritual Values for Healing Ourselves and the World. Doubleday Religion.
9. MacArthur, E. (2013). Towards a Circular Economy. Ellen MacArthur Foundation.
10. Sachs, J. D. (2015). A Economia do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora Campus.