Cultura

EVANGELHO SEGUNDO O CINISMO

 

I
No púlpito, o pastor ergue a coroa,
conta o dinheiro, finge que ora em vão.
Sadness veste a camisa toda rota,
Bless, ilegítima, de iPhone na mão.
O sermão fala de paz, mas cobra entrada;
céu vendido em prestações a perder.
Quem não dá dízimo é alma penhorada,
quem dá, tem lugar para sentar e crer.

II
Sadness é fome, o cansaço, o pranto,
filha legítima da terra esquecida.
Bless é bênção que o santo cobra tanto,
no templo dourado ou garagem esquecida.
Lembro bem o ano dois mil e quatro,
duzentas e cinquenta igrejas a contar.
Hoje que sabe duplicaram, negócio da fé,
dinheiro limpo que nunca vão fiscalizar.

III
Nas ruas, gritam: “Jesus já vai chegar!”
No papel miúdo: “Manda tua doação.”
O Cristo escreve, irónico a mandar:
“Desculpem, cancelei esta missão.”
Enquanto isso, o chefe que só se elegeu
bate na mesa, só finge cuidar do povo.
Milagre é manter o povo analfabeto,
e o dízimo engordar o cofre do roubo.

IV
Sadness sabe: o inferno é o bairro baixo.
Bless aprende: batismo é lavar cifrão.
O pai, profeta de lágrimas vendidas,
vende sal grosso na rádio do bairro irmão.
E Deus, lá no alto, cansado e nervoso,
muda de canal para fugir do desgosto.
Até Ele perde a fé neste circo ruidoso
do evangelho vendido a preço grosso.

•⁠ ⁠Ismael Miquidade

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