Deixai a hiena sorrir com os dentes sujos,
crente de que nos cala com o hálito rançoso do poder gasto.
Ruge, sim — mas é ruído de ossos ocos,
medo travestido de ameaça.
A sabedoria popular não grita.
Sabe o tempo da semente e o tempo da colheita.
A ação segue à escuta,
como o trovão segue ao clarão.
Que se aproxime.
Que nos olhe com desprezo,
julgando ter-nos arrancado o chão.
E veremos quem treme primeiro.
Meio século…
Cinquenta famílias não são muralha:
retratos gastos num palácio de espelhos,
riscados de ambição, manchados de sangue antigo,
refletindo o vazio que as assombra.
Frente à maioria que sente, respira
e sonha com o corpo inteiro pousado no chão firme da dignidade,
a aldeia vive sob leis mais antigas que o ouro —
respeito, palavra, entreajuda.
Este direito ancestral não é favor de Chefe
nem concessão do Estado.
É raiz viva — presença que não se dobra, nem se compra.
É honra, dignidade, humanismo:
presença indomável e incorruptível.
Somos a base: raiz funda que não seca,
árvore que canta com o vento
e rio que aprende com as pedras.
Águia que, mesmo rodando sobre as nuvens,
conhece o cheiro da terra
e desce quando preciso,
para lembrar ao mundo que aqui se vive.
Autodeterminação não é favor —
é instinto, memória do que fomos e do que seremos,
fogo lento que não cessa,
tambor que ressoa no escuro antes da alvorada.
Deixai a hiena ruir:
seus dentes gastam-se no tempo
em que nossa força se ergue —
fértil, inevitável, vertical.
*Ismael Miquidade, Cadernos de Poesia “— Faísca no Chão”

