Politica Sociedade

Balama em Fogo Cruzado: Comunidade denuncia proteção à mineradora com apoio militar e silêncio cúmplice do Governo

Por Quinton Nicuete

 Balama, Cabo Delgado – A madrugada de quinta-feira em Balama ficará marcada como mais um capítulo sombrio na relação entre o Estado moçambicano e as comunidades afetadas pela mineração. Tropas da Unidade de Intervenção Rápida (UIR) e forças militares cercaram a zona de bloqueio imposta pela população junto à mina da TWIGG Exploration and Mining, resultando em agressões, detenções arbitrárias e um clima generalizado de terror.

 

Os moradores, que há meses exigem compensações justas, reintegração de trabalhadores despedidos e o fim de abusos laborais e ambientais, acusam abertamente o administrador distrital Edson Lino de proteger os interesses da empresa em detrimento dos direitos da população.

 

“Ele (administrador) aparece só para tirar fotos e prometer reuniões que nunca acontecem. Mas quando é para reprimir, vem polícia e UIR como se fossemos criminosos”, denuncia uma vítima durante o cerco.

 

Apesar das duras acções das forças de defesa e segurança Moçambicanas que arrastaram ao chão vários cidadãos que exigem seus direitos, o administrador Edson Lino nega envolvimento directo na operação repressiva. Em declarações prestadas durante um encontro dirigido pelo Governador Valige Tauabo, Lino, afirmou que “o Governo está a tentar manter a ordem pública e garantir o diálogo com todos os intervenientes”. Mas para os líderes comunitários, isso não passa de encenação. “Se ele quisesse diálogo, teria ouvido a comunidade primeiro, não a empresa”, rebate um morador de Namutimbua.

 

Acusações mais graves surgem de fontes internas da própria administração, que afirmam que Lino teria orientado encontros discretos com representantes da TWIGG, de onde saíram decisões para desmobilizar os bloqueios por via da força. Há também relatos de que viaturas e equipamentos usados pelas forças de repressão foram fornecidos pela própria mineradora, o que comprometeria a neutralidade do Estado local.

 

A revolta da comunidade não é apenas contra o administrador distrital. Em tom indignado, populares cobram também a omissão do diretor provincial da Agricultura, Daudo Ussahale, que poderia mediar o conflito como figura técnica e de proximidade com os produtores rurais,  muitos dos quais perderam terras para a mineração. No entanto, Ussahale tem estado ausente do debate. E há razões para isso.

 

O diretor é acusado de envolvimento num escândalo de corrupção que desviou mais de 14 milhões de meticais destinados a apoiar vítimas do terrorismo e desastres naturais em Cabo Delgado. Segundo denúncias submetidas ao Gabinete de Combate à Corrupção, parte significativa do dinheiro foi paga à empresa fornecedora de motores para pescadores, mas apenas metade do material chegou ao destino. Projetos hidráulicos em Montepuez também não foram executados, apesar de constarem nos relatórios de execução.

 

Mesmo após a instauração de um processo-crime pela Procuradoria-Geral da República (PGR), Daudo Ussahale continua no cargo, sem qualquer medida disciplinar. A situação escancara a contradição do Governo provincial: reprime com dureza camponeses que exigem justiça, mas protege dirigentes suspeitos de desviar fundos públicos destinados aos mesmos cidadãos.

 

“O Governo escolhe quem punir e quem blindar. Quem grita por justiça é silenciado. Quem rouba milhões, continua a mandar”, critica uma ativista local que acompanha os protestos em Balama. A presença do governador Valige Tauabo em eventos promovidos por Ussahale, de entrega de insumos de pesca mesmo em meio ao escândalo, é vista por muitos como um sinal de cumplicidade ou, no mínimo, de indiferença institucional.

 

A crise de Balama expõe não apenas a conivência entre o poder local e grandes empresas, mas também a falência moral de uma estrutura pública que deveria proteger os seus cidadãos. Enquanto isso, a comunidade segue cercada, ferida e cada vez mais revoltada. (Moz24h)

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *