Moz24h Blog Opiniao Autoridade Política e a Responsabilidade Cristã no Contexto Moçambicano
Opiniao

Autoridade Política e a Responsabilidade Cristã no Contexto Moçambicano

Por Tiago J.B. Paqueliua

Resumo

Este ensaio propõe uma abordagem teológico-apologética da relação entre cristãos e autoridades políticas em Moçambique, à luz da tradição reformada e da apologética pressuposicionalista. Fundamentando-se em Provérbios 26.4-5 e na obra de Greg L. Bahnsen, “Sempre Preparados”, o texto desafia a passividade cúmplice de muitos líderes religiosos diante da injustiça e da opressão do Estado moçambicano, mostrando que o Cristianismo é a única base coerente para o raciocínio, a ética e a justiça social.

1. Introdução

No atual contexto moçambicano, marcado por corrupção, autoritarismo e cinismo institucionalizado, é notável o silêncio e a neutralidade estratégica de muitos líderes cristãos diante do abuso do poder. Tal comportamento reflete uma deserção não apenas ética, mas teológica. Em contraste, a tradição reformada, profundamente enraizada nas Escrituras, nos chama a uma postura ativa, racional e profética diante das autoridades, sempre com temor de Deus e fidelidade a Cristo.

2. A Autoridade Instituída por Deus: Interpretação de Romanos 13

Romanos 13 é muitas vezes mal interpretado como um apelo à submissão cega às autoridades políticas. Todavia, como João Calvino corretamente observou, a autoridade só é legítima quando cumpre sua finalidade ordenada por Deus: ser “ministro para o bem” (Rm 13.4). Quando o Estado se transforma em agente do mal, ele deixa de cumprir sua função e se torna objeto da resistência legítima dos santos (cf. At 5.29).

Greg L. Bahnsen, em Sempre Preparados, explica que a submissão à autoridade deve sempre ser condicional à fidelidade dessa autoridade à Lei de Deus. A obediência cristã é, portanto, teocêntrica e não estatólatra. O cristão não é servo do Leviatã, mas do Senhor Jesus Cristo, a quem toda autoridade nos céus e na terra foi dada (Mt 28.18).

3. A Resposta ao Tolo: A Sabedoria de Provérbios 26.4-5

A hermenêutica apologética de Provérbios 26.4-5 orienta o modo como devemos lidar com a tolice institucionalizada. O versículo 4 alerta para o perigo de responder nos termos do tolo, tornando-nos semelhantes a ele. O versículo 5, contudo, nos instrui a expor a loucura de suas pressuposições, para que ele não se considere sábio aos seus próprios olhos.

Bahnsen ensina que a defesa da fé não deve começar aceitando os fundamentos do incrédulo. O cristão deve demonstrar que, fora da cosmovisão bíblica, não há base para lógica, ciência, moralidade ou justiça. Portanto, quando líderes políticos ou religiosos promovem o mal institucional em nome do bem comum, o apologeta reformado deve responder apontando a futilidade de suas ideias e a necessidade do Deus trino como pré-condição da inteligibilidade.

4. A Responsabilidade Profética do Cristão em Contextos de Opressão

A história da Igreja mostra que, desde os profetas do Antigo Testamento até os reformadores, a denúncia do pecado dos reis foi parte inalienável da fidelidade a Deus. Agostinho em A Cidade de Deus, Tomás de Aquino na Suma Teológica, Lutero diante do Sacro Império e Calvino em Genebra reconheceram a legitimidade da resistência à tirania.

Em Moçambique, o silêncio cúmplice de muitos púlpitos tem sido causa de escândalo e apostasia. Onde estão os homens como Elias, que confrontaram Acabe? Onde estão os Natãs que disseram a Davi: “Tu és o homem!”?

Onde estão os cristãos que, como Paulo diante de Félix, “discorria a respeito da justiça, do domínio próprio e do juízo vindouro” (At 24.25)?

Onde estão outros Marcos Chambule que defrontou os líderes religiosos corruptos e o atual presidente da República Daniel Francisco Chapo para abandonarem a hipocrisia de branqueamento de fraude eleitoral?

5. Conclusão: Submissão Sim, Mas Nunca ao Pecado

O cristão está submetido à autoridade de Deus, acima de todas as outras.

Quando o Estado, como em Moçambique, se torna injusto, caloteiro, opressor e blasfemo, a submissão cega se torna idolatria.

É dever dos cristãos, especialmente seus líderes, responder biblicamente ao tolo político — não se tornando tolos, mas mostrando-lhe sua tolice — para que reconheça sua completa dependência do Deus da Escritura.

Esse tipo de resistência não se trata de rebelião carnal, mas de obediência espiritual. É fidelidade profética. É a verdadeira paz fundada na verdade. É a verdadeira honra à autoridade, porque reconhece que toda autoridade está debaixo de Cristo, o Rei dos reis.

Bibliografia

1.⁠ ⁠AGOSTINHO, Santo. A cidade de Deus. São Paulo: Paulus, 1990.

2.⁠ ⁠AQUINO, Tomás de. Suma teológica. São Paulo: Loyola, 2002.

3.⁠ ⁠BAHNSEN, Greg L. Sempre preparados: orientações para a defesa da fé. São Paulo: Editora Monergismo, 2023.

4.⁠ ⁠BAHNSEN, Greg L. Van Til’s apologetic: readings & analysis. Phillipsburg: Presbyterian & Reformed Publishing, 1998.

5.⁠ ⁠BEKEE, Joel R.; SMALLEY, Paul M. Teologia sistemática reformada. São Paulo: Cultura Cristã, 2021.

6.⁠ ⁠CALVINO, João. As institutas da religião cristã. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

3.⁠ ⁠CARSON, D. A. Cristianismo e política. São Paulo: Vida Nova, 2012.

8.⁠ ⁠CHEUNG, Vincent. Ultimate questions: meta-apologetics. Lulu Press, 2005.

9.⁠ ⁠CLARK, Gordon Haddon. A Christian view of men and things. Philadelphia: Presbyterian and Reformed, 1952.

10.⁠ ⁠ENGELSMA, David J. Reformed education. Grandville: Reformed Free Publishing Association, 2000.

11.⁠ ⁠HANKO, Herman. The church and the world. Grandville: Reformed Free Publishing Association, 2004.

12.⁠ ⁠JÚNIOR, Paulo. O fim de todas as coisas. Franca: O Estandarte de Cristo, 2018.

13.⁠ ⁠LUTERO, Martinho. A liberdade cristã. São Leopoldo: Sinodal, 2004.

14.⁠ ⁠MACINTYRE, Alasdair. Depois da virtude. São Paulo: É Realizações, 2014.

15.⁠ ⁠PIPER, John. Alegrem-se os povos: a supremacia de Deus em missões. São Paulo: Cultura Cristã, 2006.

16.⁠ ⁠RUSHDONY, R. J. The one and the many: studies in the philosophy of order and ultimacy. Vallecito: Ross House Books, 2007.

17.⁠ ⁠SCHAEFFER, Francis A. Como viveremos?. São Paulo: Cultura Cristã, 2003.

17.⁠ ⁠VAN TIL, Cornelius. The defense of the faith. Philadelphia: Presbyterian & Reformed Publishing, 2008.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sair da versão mobile