Economia

ADIN, TOTALENERGIES E A EXCLUSÃO DA COMUNIDADE DE PALMA

 

Jerry Maquenzi

O anúncio do acordo celebrado entre a Agência de Desenvolvimento Integrado do Norte (ADIN) e a TotalEnergies, em Cabo Delgado, foi recebido com aparato em Maputo e divulgado como sinal de confiança no futuro da região. Para o governo, representa a retoma da esperança de desenvolvimento; para a empresa, é uma estratégia de reputação, uma forma de provar que está comprometida com a reconstrução do norte de Moçambique. Contudo, para quem vive em Palma, Mocímboa da Praia ou em outras áreas directamente afectadas, o sentimento é outro: o de exclusão. Mais uma vez, as comunidades ficam à margem das decisões que moldam o seu destino. Fala-se em desenvolvimento, mas cala-se a voz de quem paga o preço real da exploração do gás. Esse contraste entre discursos oficiais e realidades locais levanta uma pergunta inevitável: quem, afinal, se beneficia dessas parcerias?

 

  1. A Lógica do Desenvolvimento de Cima para Baixo

Em Moçambique, a história do desenvolvimento económico tem seguido uma lógica repetitiva: as grandes decisões são tomadas longe das populações directamente atingidas (Forquilha, 2010). Dos projectos coloniais de monocultura agrícola aos megaprojectos de carvão, rubis e agora gás natural, o padrão mantém-se: planeamento feito em gabinetes de elites políticas e empresariais, sem consulta séria às comunidades. O acordo entre ADIN e TotalEnergies não foge à regra. Ao contrário do que se divulga, não nasceu de um diálogo inclusivo com os distritos de Cabo Delgado. O desenho da parceria priorizou a negociação institucional – ministros, directores, gestores corporativos – relegando a segundo plano a consulta aos líderes comunitários, associações locais, empresários de Palma e demais vozes directamente envolvidas. Este “desenvolvimento de cima para baixo” tem consequências claras: em vez de gerar confiança, alimenta desconfiança; em vez de fortalecer o tecido social local, reforça o sentimento de que as comunidades são apenas figurantes em um espectáculo cujos protagonistas se encontram a centenas ou milhares de quilómetros de distância (Maputo e Paris). O resultado é o que hoje se vê em Palma: ressentimento, frustração e crescente disposição para o protesto.

 

  1. O Isolamento de Palma e o Silêncio Imposto

A carta enviada pelas lideranças locais de Palma ao administrador distrital não deixa margem para dúvidas (Moz24h, 03.09.2025). A denúncia é directa: a vila está sendo isolada.
Com a retoma do projecto de gás, a TotalEnergies tem transferido fornecedores, prestadores de serviços e empresas parceiras para dentro do recinto fortificado de Afungi. Em vez de revitalizar a economia da vila de Palma, o processo está a drená-la, privando comerciantes, pequenos empreendedores e trabalhadores locais de oportunidades. O recado que se transmite à comunidade é devastador: não há lugar para vocês no futuro que estamos a construir. Esse isolamento é mais do que físico, é também simbólico. Palma, que já sofreu deslocações em massa, violência armada e instabilidade, vê-se agora abandonada em nome de uma “eficiência logística” que concentra todos os recursos dentro de muros. O silêncio imposto sobre a população é, portanto, duplo: por um lado, há a marginalização económica; por outro, a falta de canais de diálogo efectivo.
Quando comunidades inteiras se vêem privadas de participar na dinâmica económica e política do seu território, o resultado não é apenas exclusão, mas também a criação de um terreno fértil para descontentamento social e novas formas de resistência (João Feijó tem defendido esta tese em debates televiso).

 

  1. ADIN entre Promessas e Descrédito

A ADIN foi criada com a missão de integrar, reconstruir e oferecer uma resposta inclusiva à crise no norte de Moçambique. O seu mandato inicial era ambicioso: garantir que os investimentos e projectos sociais chegassem efectivamente às populações deslocadas, empobrecidas e traumatizadas pela violência armada. No entanto, ao longo dos últimos anos, a agência tem enfrentado críticas severas por não conseguir materializar suas promessas (Fernando, 13.09.2022). Para muitos habitantes de Cabo Delgado, a ADIN é vista como um intermediário distante, mais preocupado em assinar protocolos e gerir fundos externos do que em implementar soluções concretas no terreno. O novo acordo com a TotalEnergies agrava essa percepção. Ao anunciar mais uma parceria sem mecanismos claros de participação comunitária, a ADIN confirma o receio de que é uma instituição que fala sobre as comunidades, mas raramente fala com elas. Esse distanciamento mina sua legitimidade. Em vez de se afirmar como defensora dos interesses locais, a ADIN corre o risco de se consolidar como cúmplice de um processo de exclusão, onde a voz da comunidade é sacrificada em nome da diplomacia institucional.

 

  1. Comunidades como Sujeitos, não Objectos

No centro de toda essa tensão está uma questão fundamental: como são vistas as comunidades?
Durante décadas, as populações de Cabo Delgado têm sido tratadas como objectos passivos de políticas públicas e investimentos privados. São deslocadas em nome da segurança, realocadas para dar lugar a projectos de mineração ou energia, e lembradas apenas em períodos eleitorais. O caso de Palma mostra a urgência de uma inversão dessa lógica. As comunidades precisam ser reconhecidas como sujeitos activos, com direitos, aspirações e capacidade de decisão. O grito de revolta expresso na carta ao administrador distrital – com a ameaça de protestos caso as 25 questões apresentadas não recebam resposta – é a prova viva de que já não aceitam a condição de espectadores. Querem participar, influenciar e beneficiar do que acontece no seu território. Não se trata apenas de inclusão económica, mas de inclusão política e social. O futuro de Cabo Delgado não pode ser decidido sem os cabo-delgadenses.

 

Conclusão

O acordo entre ADIN e TotalEnergies pode ser celebrado como símbolo de retoma, mas é incapaz de apagar a realidade dura que as comunidades vivem. Palma continua isolada, marginalizada e sem respostas concretas às suas demandas. ADIN corre o risco de se transformar em mais um actor institucional distante, enquanto a TotalEnergies reforça a imagem de uma empresa que ergue muros em vez de pontes. Se o objectivo é realmente construir paz e desenvolvimento sustentável em Cabo Delgado, não basta assinar memorandos. É preciso abrir espaço para escuta, diálogo e partilha real de benefícios. Sem isso, os investimentos continuarão a ser percebidos como acordos de elites que sacrificam a comunidade em nome de um progresso que nunca chega.
A lição é clara: não há desenvolvimento verdadeiro quando o povo é deixado à margem. Palma não precisa apenas de promessas, precisa de voz.

 

Referências

ADIN, (sem data). Sobre ADIN. Disponível em: https://adin.gov.mz/sobre-nos/.

Fernando, Amós. (13.09.2025). Cabo Delgado: Doadores abandonaram a ADIN? Disponível em: https://www.dw.com/pt-002/cabo-delgado-doadores-abandonaram-a-adin/a-63109915#:~:text=Desconfian%C3%A7as,a%20implementa%C3%A7%C3%A3o%20efetiva%20do%20PREDIN.%22.

Forquilha, Salvador. (2010). Formas de descentralização e redução da pobreza num contexto de Estado Neo-patrimonial. Um olhar a partir dos conselhos locais e OIIL em Moçambique. Instituto de Estudos Sociais e Económicas. Maputo.

Moz24h. (03.09.2025). Comunidades do norte de Cabo Delgado ameaçam protestos enquanto TotalEnergies nega acusações e aposta em acordo com ADIN. Disponível em: https://moz24h.co.mz/comunidades-do-norte-de-cabo-delgado-ameacam-protestos-enquanto-totalenergies-nega-acusacoes-e-aposta-em-acordo-com-adin/

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