Tiago J.B. Paqueliua
Resumo
A persistência do contrabando de carvão vegetal em Moçambique — particularmente na província de Tete, com destino ao Zimbabwe, conforme noticiado pela Rádio Moçambique (2025) — denuncia a fragilidade das políticas de gestão florestal e energética. Este estudo propõe uma análise crítica e interdisciplinar da dependência estrutural das florestas naturais para produção energética, discutindo os briquetes ecológicos como alternativa viável no contexto moçambicano. Através da revisão de literatura especializada, estudo de casos (Ruanda, Gana e Nepal) e diálogo com especialistas em ecologia política, economia circular e justiça ambiental, o artigo demonstra que os briquetes oferecem uma via concreta de transição energética e de conservação ambiental. Argumenta-se que a sua massificação requer políticas públicas inclusivas, incentivos estruturais e mecanismos de consciencialização popular.
Palavras-chave:
Carvão vegetal; briquetes ecológicos; economia circular; justiça ambiental; política energética; Moçambique
1. Introdução
A crescente destruição das florestas em África tem origem multifactorial: pobreza energética, ausência de alternativas tecnológicas, omissão institucional e redes criminosas que exploram recursos comuns como se fossem bens privados (FAO, 2022). Em Moçambique, a situação agrava-se com o contrabando de carvão vegetal através de fronteiras porosas, como sucede na província de Tete, segundo denúncia recente da administradora do Parque Nacional de Mágoè (Rádio Moçambique, 2025). Este artigo interroga a viabilidade ecológica, económica e política desta prática, propondo como alternativa a produção e disseminação de briquetes.
2. Objectivo e Metodologia
O objectivo deste estudo é duplo: (i) problematizar a continuidade do modelo energético baseado na exploração intensiva das florestas naturais e (ii) apresentar os briquetes como solução sustentável. A metodologia combina revisão crítica de literatura científica, análise de políticas públicas africanas, e estudo comparado de experiências em Ruanda, Gana e Nepal. A abordagem segue um quadro teórico transdisciplinar baseado na economia circular, ecologia política e justiça energética.
3. A Cadeia do Carvão Vegetal em Moçambique: Entre a Subsistência e o Ilícito
Apesar de ser fonte de rendimento para muitas famílias rurais, a cadeia do carvão vegetal em Moçambique encontra-se em grande parte fora da legalidade e sob domínio de redes comerciais que operam com cumplicidade institucional. O Instituto de Estudos Sociais e Económicos (IESE, 2021) aponta que “a governação florestal moçambicana é caracterizada por uma débil aplicação da lei, conflitos de competência e captura por elites locais”. Esta realidade fragiliza o Estado, compromete a sustentabilidade e expõe comunidades à degradação ambiental contínua.
4. Os Briquetes Ecológicos: Uma Alternativa Sustentável
Os briquetes, produzidos a partir de resíduos agrícolas, biomassa e serradura, constituem uma resposta tecnológica simples, replicável e sustentável. A sua adopção massiva reduz o abate de árvores, promove o reaproveitamento de resíduos e estimula microempresas locais. Segundo MacArthur (2013), “a circularidade dos recursos não é uma utopia ecológica, mas uma estratégia de resiliência económica.”
Contudo, a ausência de incentivos fiscais, de programas de microfinanciamento e de políticas nacionais de bioenergia mantém os briquetes numa condição marginal.
5. Estudo Comparado: Experiências Relevantes
5.1 Ruanda
A Política Nacional de Energia do Ruanda incluiu os briquetes como prioridade na matriz energética rural desde 2018. Programas de distribuição gratuita em escolas e hospitais, associadas a subsídios à produção local, resultaram na redução da dependência do carvão vegetal em 30% nas zonas urbanas (Gov. of Rwanda, 2020).
5.2 Gana
Gana implementou projectos-piloto de cooperação entre ONGs e empresas de reciclagem para produzir briquetes a partir de casca de coco e bagaço. O sucesso levou à proibição gradual do carvão vegetal em áreas urbanas e ao crescimento de start-ups energéticas sustentáveis (World Bank, 2021).
5.3 Nepal
Com apoio internacional, o Nepal criou uma rede de cooperativas locais para produção de briquetes, reduzindo a pressão sobre as florestas dos Himalaias. Além da questão ambiental, gerou emprego e empoderamento feminino em comunidades remotas (UNEP, 2019).
6. Obstáculos à Massificação dos Briquetes em Moçambique
A implementação ampla dos briquetes ecológicos em Moçambique enfrenta diversos obstáculos estruturais, sociais e políticos, cuja superação exige uma abordagem coordenada e integrada.
Em primeiro lugar, destaca-se a falta de infraestrutura técnica para a produção descentralizada de briquetes. A ausência de unidades locais de briquetagem e de mecanismos logísticos acessíveis faz com que os custos de produção e distribuição se elevem, tornando os briquetes pouco competitivos em relação ao carvão vegetal, cuja extracção, muitas vezes ilegal, é economicamente vantajosa a curto prazo. Para ultrapassar este entrave, é necessário criar centros comunitários de processamento equipados com tecnologia apropriada e adaptada à realidade local.
Em segundo lugar, verifica-se uma desinformação generalizada sobre os benefícios ambientais e económicos dos briquetes. A preferência cultural e o hábito enraizado de uso do carvão vegetal mantêm-se dominantes, mesmo em contextos urbanos, devido à ausência de campanhas educativas eficazes. É essencial, neste âmbito, promover acções de sensibilização pública, certificações energéticas e demonstrações práticas do uso de briquetes em instituições como escolas, hospitais e centros comunitários.
Outro obstáculo relevante é a ausência de políticas públicas de incentivo, o que impede a criação de um ambiente propício para o investimento em bioenergia sustentável. Sem mecanismos de apoio, como subsídios cruzados, incentivos fiscais ou linhas de microfinanciamento, os empreendedores locais encontram dificuldades em viabilizar economicamente a produção de briquetes. Assim, a adopção de medidas legislativas e fiscais que favoreçam os briquetes em detrimento do carvão tradicional torna-se imprescindível.
Por fim, há que considerar a cultura energética profundamente enraizada, baseada na extracção de recursos florestais como norma de sobrevivência e produção. Esta resistência à mudança não pode ser tratada apenas por meios técnicos ou económicos, mas requer uma intervenção a nível pedagógico e cultural. Recomenda-se a inclusão da temática da transição energética e das alternativas sustentáveis nos currículos escolares e nas práticas de educação informal, bem como o envolvimento de líderes comunitários e religiosos na promoção de uma nova consciência ecológica.
7. Discussão: Uma Transição Energética Justa e Descentralizada
A transição para briquetes ecológicos deve ser encarada como um imperativo moral, ecológico e económico. Os riscos climáticos, a perda de cobertura florestal e o aumento da pobreza energética justificam acções urgentes. Como defende Sachs (2015), “a sustentabilidade exige acções locais ancoradas em soluções globais.”
A proposta aqui defendida é a criação de um Plano Nacional de Bioenergia Circular, envolvendo Estado, universidades, comunidades locais, empreendedores e organizações internacionais, com metas de redução da dependência do carvão vegetal em 50% até 2030.
8. Conclusão
A crise do carvão vegetal em Moçambique é reflexo de uma economia extractiva colonial que persiste no presente. Os briquetes, enquanto solução tecnológica simples e económica, podem funcionar como catalisador de uma nova economia regenerativa, desde que sustentados por políticas públicas coerentes e por uma cidadania activa. Urge substituir a lógica da queima pela lógica da conservação.
Referências
1. FAO. (2022). State of the World’s Forests. Food and Agriculture Organization of the United Nations.
2. Gov. of Rwanda. (2020). National Strategy for Sustainable Biomass Energy. Kigali.
3. IESE. (2021). Relatório sobre a Governação dos Recursos Naturais em Moçambique. Maputo.
4. MacArthur, E. (2013). Towards a Circular Economy. Ellen MacArthur Foundation.
5. Rádio Moçambique. (2025, 21 de Julho). Contrabando de carvão persiste na fronteira com o Zimbabwe.
6. Sachs, J. D. (2015). A Economia do Desenvolvimento Sustentável. Rio de Janeiro: Editora Campus.
7. UNEP. (2019). Scaling Up Sustainable Bioenergy in Asia. United Nations Environment Programme.
8. World Bank. (2021). Innovative Energy Solutions for Ghana’s Urban Poor. World Bank Energy Reports.