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Trafico Humano na Praça Comercial da República de Moçambique

Por Tiago J.B. Paqueliua

 

No alvorecer do século XXI — quando a humanidade ostenta satélites em órbita de Marte, orgulha-se de Inteligências Artificiais a redigir epitáfios e algoritmos que escolhem o vinho do jantar — Moçambique exibe, nu e descalço, o seu açougue humano à beira das estradas, à saída das morgues, nas covas rasas do Cemitério de Michafutene ou na carcaça de cada voto que sangra. É oficial: o corpo humano é moeda de troca. Não nos mercados de futuros em Wall Street, mas no beco repleto de espinhosa, onde se compram sonhos com fígados, rins e retalhos de esperança.

 

A notícia é factual: Evidências (02.07.2025) recorda-nos o que alguns supunham boato de taverna — o tráfico de pessoas em Moçambique não é apenas incidente, é expediente. E, como bem recorda a nossa memória colectiva, o espectáculo mórbido que se seguiu às manifestações pós-eleitorais — cadáveres sem cabeça, sem vísceras, sem rasto de dignidade — demonstra que o tráfico humano deixou de ser um crime escondido: é exibido em praça pública, num ritual macabro que faz corar os velhos feiticeiros.

 

A República transformou os seus filhos em vulneráveis, descartáveis, traficáveis. A infância moçambicana — 77% abaixo do limiar de pobreza multidimensional — é,  um estoque de órgãos com batimento cardíaco. A utopia da modernidade, onde cada corpo é sujeito de direitos, morreu na vala comum de Michafutene.

 

Em teoria, Moçambique é signatário de todas as convenções — de Palermo à Carta Africana. Mas o tráfico humano prospera porque o Estado funciona como sócio silencioso do cartel. Prendem-se miseráveis palermas, protegem-se mandantes. É mais fácil apanhar o miúdo que engana meninas no Facebook do que intimar aquele que autoriza passaportes falsos em Inhambane ou fronteiras porosas em Ressano Garcia.

 

A Procuradora-Geral lamenta — e é só. Lamenta, aponta estatísticas, faz conferências. Enquanto isso, rins cruzam a fronteira para Eswatíni e Gauteng, corações param em Laos.

 

No púlpito, o sermão balbucia perdão e dignidade mas nunca se critica, mas, nas traseiras o velório é clandestino: coveiros enterram corpos mutilados sob a reza dos vivos como se isso modificasse o que lhes espera no além, enquanto  o diabo, astuto, ri-se da palhaçada teológica. Ele sabe que o tráfico  rende e o sermão que não condena o crime, é um bom camarada que sabe não deixar  vazios os cofres do crime.

 

De que serve um Código Penal se não há moral que lhe dê sangue?

 

De que serve o Tribunal Supremo se a magistratura se curva perante o dólar?

 

A moral pública é um provérbio em extinção. A juventude — segundo David Fardo — foi estatisticamente convertida em fauna de exportação. Ou se vende o voto, ou se vende o rim. Escolhe-se: ou o estômago vazio, ou o estômago aberto. E o governo? Bem, o governo promete “canais diplomáticos”, como quem prescreve placebo a quem sangra do pescoço.

 

Talvez devêssemos imprimir panfletos turísticos: “Visite Moçambique, corredor de rubis, cornos de rinoceronte e rins humanos fresquinhos. Garantia de qualidade: quando não exportamos madeira, exportamos medulas”. E faz bem perguntar — quem ainda chora por corpos que nem cabeça têm para chorar por si?

 

 

Epílogo:

 

Há quem diga que talvez resta, à verdadeira religião, à Academia vigilante, ao Jornalismo de luto, à Oposição, lembrar que toda a República é refém de um axioma ético: “Não traficarás teu irmão, mesmo que o Estado o venda.” Se falharmos nisto, seremos todos cadáveres adiantados — a diferença é que alguns venderão mais caro os seus ossos.

 

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