Internacional

SOMOS CRIANÇAS! O GRITO DE GAZA (PALESTINA) QUE ECOA EM MOÇAMBIQUE

 

Por Jerry Maquenzi

As guerras que marcam o nosso tempo não são apenas conflitos distantes que vemos nas telas. São tragédias humanas que atravessam fronteiras e expõem as fragilidades do mundo moderno. A guerra entre Israel e Palestina voltou a chamar a atenção internacional pela brutalidade com que atinge civis, sobretudo crianças. O vídeo de um menino palestino clamando pelo mundo – “Onde está o mundo? Somos crianças!” – tornou-se símbolo de um sofrimento que vai além de Gaza. É o retrato de um silêncio cúmplice e de uma indiferença que se repete noutras partes do mundo, inclusive em Moçambique, onde a população de Cabo Delgado também clama por solidariedade e justiça diante da violência. Este artigo faz uma leitura crítica dessa guerra, sem filtros nem linguagem diplomática. Mostra as causas, denuncia as violações de direitos humanos, liga a experiência palestina à de outros países em conflito e sugere caminhos de paz que dependem de vontade política e coragem ética. Ao longo do texto, fazemos comparações entre Gaza e Cabo Delgado, porque as duas realidades têm muito em comum: a destruição da vida de inocentes, o abandono do Estado e a lentidão da comunidade internacional.

  1. Os Motivos da Guerra entre Israel e Palestina

Para entender o presente, é preciso olhar para o passado. O conflito Israel-Palestino tem raízes profundas, marcadas pela criação do Estado de Israel em 1948 e pela expulsão de centenas de milhares de palestinos das suas terras, episódio conhecido como Nakba (Islamic Relief, 05.05.2025; Wikipédia, 12.08.2025). Desde então, a luta pela posse do território tornou-se uma ferida aberta. A guerra de 1967 ampliou a ocupação israelita sobre a Cisjordânia, Jerusalém Oriental e Faixa de Gaza, consolidando uma geografia desigual: de um lado, colonos protegidos por um dos exércitos mais poderosos do mundo; do outro, palestinos confinados em áreas cercadas, sem autonomia real (Wikipédia, 12.08.2025). O actual ciclo de violência teve como gatilho os ataques do Hamas em 7 de outubro de 2023, que mataram civis israelitas e levaram à captura de reféns (Wikipédia, 09.09.2025). A resposta de Israel foi devastadora: bombardeios em massa sobre Gaza, destruição de hospitais, escolas e campos de refugiados. O discurso oficial justifica os ataques como “direito à defesa”, mas, na prática, o que se vê é punição colectiva contra mais de dois milhões de pessoas.
Aqui está a primeira semelhança com Moçambique. Em Cabo Delgado, quando insurgentes atacam aldeias, a resposta do Estado nem sempre distingue civis de combatentes, e populações inteiras ficam marcadas como “suspeitas”. Assim como os palestinos, muitos moçambicanos acabam deslocados, sem culpa directa no conflito.

  1. Um Espelho para Países com Problemas Semelhantes

A guerra em Gaza pode parecer distante para quem vive em África, mas ela serve como espelho para países que enfrentam problemas de violência armada e exclusão social. Em Moçambique, o conflito em Cabo Delgado já matou mais de seis mil pessoas desde 2017 (Cabo Ligado, 17.09.2025), incluindo civis, e deslocou quase um milhão em certos períodos. Só em Julho de 2025, mais de 50.000 pessoas foram forçadas a abandonar suas casas por causa de novos ataques (Pota, 06.08.2025). Quando uma criança palestina pergunta “o que fizemos de errado?”, ela fala também por crianças moçambicanas de Chiúre, Macomia, Mocímboa da Praia, Muidumbe, Quissanga ou Ancuabe, que fogem dos insurgentes e vivem em campos improvisados sem comida, escola nem saúde. O sofrimento infantil não conhece bandeiras. O que Gaza ensina é que conflitos mal resolvidos não ficam contidos. Eles transbordam para a política regional, atraem interesses externos e criam feridas que duram gerações. Para Moçambique, isso é um alerta: se o problema de Cabo Delgado continuar sem solução estrutural, ele pode tornar-se um conflito crónico como o da Palestina, atravessando décadas e destruindo o futuro de várias gerações.

  1. Direitos Humanos em Ruínas

As imagens de Gaza revelam um massacre contra civis (Figura 1). Mais de 46 mil palestinos foram mortos desde outubro de 2023, segundo o Ministério da Saúde de Gaza, sendo que mais de 13 mil eram crianças (Lederer, 26.01.2025; Blondel, 09.10.2025). Em janeiro de 2025, a ONU alertou que 25 mil crianças estavam feridas e milhares em risco iminente de morte por desnutrição e falta de cuidados médicos (Lederer, 26.01.2025). Os direitos humanos, que deveriam ser universais, tornaram-se papel sem valor. O direito à vida, à alimentação, à saúde e à educação está a ser debandada diante do silêncio cúmplice da comunidade internacional. Hospitais foram bombardeados, ambulâncias impedidas de circular, água envenenada, escolas transformadas em ruínas. A punição colectiva é clara, mas raramente é chamada pelo nome: crime de guerra. Em Cabo Delgado, ainda que em escala menor, a lógica é a mesma. Crianças deslocadas sofrem de fome, doenças e traumas psicológicos. Famílias vivem em abrigos improvisados, dependentes da ajuda humanitária que nunca chega para todos. A indiferença internacional é comparável: se Gaza não consegue mobilizar acção firme da ONU, por que esperar que Cabo Delgado consiga? A conclusão é dura: a vida dos pobres, sejam palestinos ou moçambicanos, vale pouco no mercado global da geopolítica.

 

  1. A Responsabilidade dos Países Envolvidos

Nenhuma guerra se sustenta sozinha. Israel recebe financiamento e apoio militar dos Estados Unidos e de aliados europeus (Gráfico 1), que falam de direitos humanos em outras partes do mundo, mas fecham os olhos quando é Gaza a ser bombardeada. Do outro lado, o Hamas é apoiado por redes regionais, incluindo grupos que recebem apoio do Irã e de outros actores políticos (American Jewish Committee, 13.06.2025). O resultado é um tabuleiro onde a população civil é mero peão. A mesma lógica se aplica em Cabo Delgado. Empresas multinacionais ligadas ao gás e às riquezas minerais alimentam, de forma directa ou indirecta, a dinâmica do conflito. Enquanto a população foge dos ataques, o capital estrangeiro continua a planear lucros futuros. É um paradoxo doloroso: a guerra destrói vidas, mas movimenta negócios. Se os países que financiam estas acções quisessem realmente paz, já teriam imposto negociações sérias. Mas a paz raramente é prioridade quando há lucros estratégicos em jogo. Por isso, é papel das sociedades civis, da juventude e da opinião pública pressionar por soluções pacíficas. O silêncio alimenta a violência.

 

  1. Outras Análises Necessárias

Há ainda um elemento central: a manipulação das narrativas. Em Gaza, os media dominantes falam mais da “segurança de Israel” do que das vidas palestinas (Giroux, 06.09.2024). Em Cabo Delgado, muitas vezes o discurso oficial reduz os insurgentes a “terroristas”, sem discutir as causas sociais, como pobreza, desigualdade e exclusão do acesso ao Estado. Outra análise importante é a do trauma colectivo. Tanto em Gaza como em Moçambique, cresce uma geração de crianças marcadas pela violência. São órfãos, deslocados, sobreviventes de massacres. Se não houver intervenção psicológica e políticas de reintegração, essas crianças carregarão feridas que podem reproduzir ciclos de violência no futuro. Por fim, a análise internacional mostra a hipocrisia. A ONU denuncia, mas raramente age. Países ocidentais exigem democracia em África, mas apoiam a ocupação em Israel. Essa selectividade mina a credibilidade das instituições globais. Para Moçambique, a lição é clara: não esperar soluções prontas da comunidade internacional, mas fortalecer iniciativas regionais e locais de paz.

  1. Caminhos Possíveis e Conclusão

O grito do menino palestino é também o grito de milhares de crianças moçambicanas. “Somos crianças! O que fizemos de errado?” Nenhuma guerra justifica a morte de inocentes. A paz não pode ser adiada eternamente. No caso de Israel e Palestina, o caminho passa por reconhecer o direito dos dois povos a viver em segurança, mas isso só será possível se a ocupação e o bloqueio acabarem. Em Gaza, é urgente abrir corredores humanitários permanentes, garantir acesso a alimentos, água e saúde, e responsabilizar os autores de crimes de guerra. Em Moçambique, o caminho exige mais do que operações militares. É preciso dar oportunidades de emprego, educação e inclusão social à juventude de Cabo Delgado, para que não seja atraída pelos insurgentes. É necessário também garantir que os lucros do gás e da mineração beneficiem as comunidades locais, e não apenas elites e empresas estrangeiras.
Olhando para Gaza e Cabo Delgado, a mensagem é clara: quando o Estado abandona os pobres, eles se tornam vítimas fáceis de guerras que não escolheram. A responsabilidade é colectiva. Governos, empresas, organizações internacionais e cidadãos comuns têm de agir. Este artigo termina com uma pergunta de provocação: até quando vamos aceitar que a vida de uma criança em Gaza ou em Cabo Delgado valha menos do que a vida de uma criança em Nova Iorque, Paris ou Tel Aviv? Se a humanidade não responder a essa pergunta, estaremos a falhar como civilização.

 

Referências

American Jewish Committee. (13.06.2025). Hezbollah, Hamas, and More: Iran’s Terror Network Around the Globe. Disponivel em: https://www-ajc-org.translate.goog/news/hezbollah-hamas-and-more-irans-terror-network-around-the-globe?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc.

Blondel, P. (09.01.2025). ‘Children are now freezing to death’: harrowing updates from Gaza. Disponível em: https://news.un.org/en/story/2025/01/1158881.

Cabo Ligado. (17.09.2025). Mozambique Conflict Monitor Update: 1 – 14 de Setembro de 2025. Disponivel em: https://acleddata.com/pt/update/mozambique-conflict-monitor-update-1-14-de-setembro-de-2025.

Giroux, H. (06.09.2024). A naturalização dos crimes de guerra e o peso da consciência. Disponivel em: https://diplomatique.org.br/a-naturalizacao-dos-crimes-de-guerra-e-o-peso-da-consciencia/.

Islamic Relief. (05.05.2025). Explainer: Nakba Day and its significance to Palestinians. Disponivel em: https://islamic-relief.org/news/explainer-nakba-day-and-its-significance-to-palestinians-2/.

Lederer, E. (26.01.2025). Devastating toll for Gaza’s children: Over 13,000 killed and an estimated 25,000 injured, UN says. Disponivel em: https://apnews.com/article/un-gaza-war-children-killed-malnutrition-israel-bef00a350a7fbe5a33dfb2c9883803ce.

Masters, J & Merrow, W. (2024). U.S. Aid to Israel in Four Charts. Disponivel em: https://www-cfr-org.translate.goog/article/us-aid-israel-four-charts?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt&_x_tr_pto=tc.

Pota, O. (06.08.2025). Violência em Cabo Delgado, Moçambique, força milhares a fugir de suas casas. Disponivel em: https://news.un.org/pt/story/2025/08/1850624.

Vidal News. (s/d). Crianças palestinas. Disponivel em: https://web.facebook.com/reel/3716869591781805.

Wikipédia. (12.08.2025). Conflito israelo-palestino. Disponível em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Conflito_israelo-palestino.

Wikipedia. (09.09.2025). Ataque do Hamas a Israel em 2023. Disponivel em: https://pt.wikipedia.org/wiki/Ataque_do_Hamas_a_Israel_em_2023.

 

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