Num ambiente em que a liberdade de imprensa é garantida constitucionalmente, cresce silenciosamente uma prática que limita a actuação dos jornalistas: a exclusão estratégica de eventos públicos. O não-convite para coberturas jornalísticas tornou-se uma das formas mais eficazes e invisíveis de censura.
A censura nem sempre se apresenta como um corte directo na publicação, nem se materializa em ordens escritas vindas de cima. Em Moçambique, particularmente em províncias como Cabo Delgado, assume contornos mais subtis e desmobilizadores: determinados profissionais da comunicação social simplesmente deixam de ser convidados para cobrir eventos governamentais ou de interesse público.
“Dizem que não há espaço, que já têm equipa suficiente, ou então nem sequer respondem às mensagens”, relata um jornalista freelancer com cinco anos de experiência, que prefere manter o anonimato por receio de represálias. “Só descobres que o evento aconteceu quando vês nas redes sociais fotografias e vídeos publicados por órgãos seleccionados. É como se a tua presença fosse indesejada.”
Este tipo de censura selectiva tem-se intensificado sobretudo em ocasiões que envolvem altas figuras do Estado. Nesta segunda-feira, por exemplo, o Presidente da República, Daniel Chapo, deslocar-se-á ao distrito de Mueda para presidir às celebrações do Dia dos Massacres de Mueda e do Metical. Apesar de se tratar de um evento de relevância nacional, muitos jornalistas independentes e da imprensa local foram excluídos. “Nem sequer fomos informados oficialmente sobre o programa. Já se tornou um hábito”, lamenta outro repórter.
Na prática, esta estratégia permite controlar a narrativa, escolhendo quem pode ou não relatar os factos. Apenas repórteres ligados a órgãos estatais ou com uma linha editorial considerada favorável têm acesso. Os restantes são marginalizados, mesmo tendo competência e direito a estar presentes.
Organizações como o MISA Moçambique têm alertado para o facto de que a chamada “censura velada” é hoje uma das maiores ameaças à liberdade de imprensa, precisamente por ser difícil de denunciar. “Enfraquece o trabalho jornalístico, descredibiliza profissionais sérios e distorce a pluralidade de vozes num Estado democrático”, refere um excerto do último relatório da organização.
A exclusão sistemática compromete a diversidade informativa e favorece o monopólio narrativo. A população, por sua vez, é a principal prejudicada ao receber apenas versões únicas, sem espaço para contraditório ou análise crítica.
Contudo, há resistência. Muitos jornalistas têm recorrido às redes sociais e a plataformas independentes para denunciar estas práticas e continuar a informar, mesmo sem o crachá de “convidado oficial”. “Continuamos a fazer jornalismo. Não nos calamos. Se não querem que entremos pela porta da frente, entramos pelas palavras”, desafia o jornalista que protagoniza esta reportagem.
A liberdade de imprensa não desaparece apenas sob censura explícita. Por vezes, adoece lentamente, sufocada por omissões e exclusões deliberadas. É urgente reconhecer e combater estas formas silenciosas de silenciamento, pois a democracia exige mais do que discursos bonitos: exige vozes livres e ouvidas. (Moz24h)