Por Tiago J.B. Paqueliua
Se de poesia se sarasse uma ferida,
eu pegaria um punhado de palavras não corrompidas
e sopraria sobre os campos queimados de Cabo Delgado.
Ergueria versos onde tombaram corpos,
e onde o silêncio é espesso como fumo,
eu plantaria metáforas em forma de abrigo.
Diria aos escombros que são ainda casa,
ao chão rachado que ainda guarda raízes,
à criança sem nome que ainda é promessa.
Se a poesia pudesse,
eu lavaria com sílabas os olhos da mãe
que viu seu filho ser tragado pelo fogo
e depois pelo esquecimento.
Com um poema breve,
desarmaria o fuzil em cada esquina,
faria da mina terrestre uma flor selvagem,
e daria um novo nome ao medo:
resiliência.
Se de poesia se curasse a injustiça,
eu transformaria os discursos falsos
em cinzas varridas pelo vento da verdade.
As cúpulas das multinacionais desabariam
ao peso de um único verso justo.
E os rubis, envergonhados, se esconderiam da ganância
para brilhar apenas nos olhos de quem lavra a terra.
Se a poesia fosse remédio,
eu a colocaria nas mãos do pescador deslocado,
nas panelas vazias das mães refugiadas,
no regaço da avó que ainda canta
para não esquecer.
Mas a poesia não cura, não sozinha.
Ela aponta, denuncia, eterniza.
Ela é o grito que não morre,
o rastro do que fomos e do que ainda podemos ser.
Se de poesia se sarasse uma ferida,
eu sararia Cabo Delgado.
Mas como não basta palavra para deter o aço,
eu deixo este poema como faísca —
e que a justiça seja o fogo.
Porque há dores que só não nos matam porque já nos fizeram poema.

