Por Tiago JB Paqueliua
A recente visita do “L’Astrolabe”, navio da marinha de guerra francesa, a Moçambique gerou uma onda de especulações e teorias que vão desde simples rumores até acusações mais graves de imperialismo francês em África.

Oficialmente, o navio foi enviado para uma missão rotineira de cooperação militar e segurança marítima na região, mas a sua presença tem despertado desconfiança, principalmente após o envolvimento da França em outros conflitos africanos e a crescente influência da sua política externa no continente. No entanto, a questão é mais complexa, envolvendo não só a segurança regional, mas também uma análise crítica sobre a economia, a antropossociologia local e a relação das elites moçambicanas com potências estrangeiras.
A presença de tropas estrangeiras em Moçambique, nomeadamente a ruandesa, não é algo novo.
Desde o princípio do envolvimento das Forças de Defesa e Segurança (FDS) na luta contra grupos terroristas em Cabo Delgado, houve uma crescente interação com forças externas. Porém, o que inicialmente parecia uma colaboração legítima para enfrentar o terrorismo, deu lugar a uma retórica conspiratória que sugere que a França está, na verdade, a estabelecer uma base militar disfarçada de apoio de combate ao terrorismo.
A especulação popular, somada a afirmações não confirmadas, aponta que as tropas ruandesas podem ser, na realidade, uma fachada para a implantação militar francesa em território moçambicano.
A narrativa de uma França expandindo seu império para a África Austral tem fundamento quando se observa o panorama geopolítico global e as movimentações estratégicas no continente. A assistência francesa e da UE à tropa ruandesa, em Cabo Delgado, levanta questões sobre os verdadeiros interesses em jogo.
A teoria de que Moçambique se encontra, de facto, em risco de ser colonizado economicamente pela França — sobretudo no que diz respeito aos recursos energéticos fósseis em Cabo Delgado — encontra respaldo na crescente presença francesa na região, especialmente no contexto da sua ambição tal como a de Donald Trump de atuar contra a transição energética global.
O modelo de economia que tem sido promovido por potências como a França, visa uma gestão predadora e insustentável dos recursos, com outros custos associados. Neste caso, os interesses em jogo incluem o controle de recursos naturais estratégicos, como o gás natural de Cabo Delgado, e a imposição de uma economia que, na prática, significa a exploração de um país já fragilizado por conflitos internos. O risco é claro: Moçambique, ao permitir a entrada de forças externas sem uma consulta aberta ao Parlamento e ao Conselho de Estado, assumiu o risco de se tornar refém de um imperialismo económico-militar que não tem interesse no desenvolvimento integral do país, mas apenas na exploração dos seus recursos.
A questão da corrupção e da vulnerabilidade dos políticos moçambicanos à influência estrangeira é um ponto crucial neste cenário. A relação entre algumas elites políticas locais e as potências internacionais tem sido frequentemente marcada por suspeitas de conluio, o que favorece a implementação de políticas que beneficiam interesses estrangeiros em detrimento do bem-estar da população.
A teoria de que a França utiliza figuras politicamente comprometidas para implementar suas ambições geopolíticas, incluindo a criação de bases militares disfarçadas de combate ao terrorismo, surge como um alerta para os moçambicanos e para a comunidade internacional.
Em paralelo, observa-se que, enquanto Moçambique parece estar se entregando de corpo e alma a essa forma de imperialismo francês, outros países africanos estão, ao contrário, a resistir a esse tipo de envolvimento. Borquina Fassó, Mali, Níger e recentemente Madagáscar são exemplos de nações que têm se distanciado da influência francesa, adotando políticas de desenvolvimento mais autónomas e priorizando o fortalecimento de seus próprios Estados, em detrimento da subordinação a potências estrangeiras. Este movimento, denominado por alguns como uma “descolonização” em novos moldes, demonstra que há uma crescente consciência no continente africano de que a independência política e econômica deve ser acompanhada de uma autonomia nas decisões geopolíticas.
Neste contexto, surge a questão: será que a teoria de uma base militar francesa em Moçambique é apenas uma fake news alimentada por teorias da conspiração, ou estamos, na verdade, perante uma realidade secreta em que a França tenta reposicionar-se no continente africano sob uma nova estratégia imperialista? A resposta a essa pergunta parece ser mais complexa do que uma simples dicotomia entre verdade e mentira.
A presença militar estrangeira em Moçambique, disfarçada de combate ao terrorismo ou cooperação militar, é um reflexo das tensões geopolíticas globais e da luta por recursos naturais cada vez mais escassos e valiosos.
No entanto, uma coisa é certa: a situação de Cabo Delgado, com sua contínua violência e deslocamento forçado de milhares de pessoas, é uma questão que exige uma abordagem internacional mais séria, transparente e orientada para o bem-estar da população moçambicana.
Até que se prove o contrário, a especulação sobre a verdadeira natureza da presença militar estrangeira em Moçambique continuará a alimentar o debate sobre a soberania nacional, o papel das potências internacionais e os reais interesses em jogo na África Austral.
Conclusão
O estabelecimento de uma base militar estrangeira em Moçambique, seja sob a capa de uma presença ruandesa ou como parte de uma estratégia mais ampla da França, não deve ser visto apenas como um simples episódio de política externa, mas como um sintoma das fragilidades do Estado moçambicano frente à pressão internacional. A luta pela soberania, pela autodeterminação e pelo controle dos seus recursos naturais permanece um desafio crucial para o futuro de Moçambique, num contexto em que as dinâmicas geopolíticas globais estão a redefinir as fronteiras da independência e da subordinação dos países africanos. (Moz24h)