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DIANTE DA INCERTEZA DAS POPULAÇÕES, KENMARE RETOMA OPERAÇÕES EM MOMA: entre lucro e promessas incumpridas

 

Contrato renovado revela falhas na exequibilidade e mantém tensões com comunidades desalojadas de suas terras

Por Tiago J.B. Paqueliua

A mineradora irlandesa Kenmare Resources anunciou, a 14 de Agosto de 2025, a retoma das suas operações de extracção de areias pesadas em Moma, província de Nampula, após meses de paralisação que marcaram o projecto. A reactivação decorre da firmação de um acordo com o Governo moçambicano, embora os detalhes permanecem envoltos em indefinição.

Em Maputo, após a 28.ª sessão ordinária do Conselho de Ministros, o porta-voz Inocêncio Impissa afirmou que o entendimento alcançado é “benéfico tanto para os trabalhadores como para a empresa” e expressou confiança na resolução do diferendo, garantindo que as partes envolvidas chegaram a um consenso que supera desafios anteriores. No entanto, a data da assinatura do contrato e os termos específicos não foram revelados, ficando apenas a certeza de que a Kenmare deverá operar conforme a nova compreensão estabelecida, não conhecida pela população.

Até Junho deste ano, a Kenmare enfrentava dificuldades na renovação da concessão do projecto Moma devido a questões relacionadas com responsabilidade social corporativa (RSC). Protestos violentos das comunidades locais marcaram esta fase, incluindo ameaças de incêndio às instalações. O contrato em vigor, que expiraria em Dezembro de 2024 após 25 anos de operação, tinha como objectivo avaliar a repartição dos benefícios da exploração entre os moçambicanos, mas os desembolsos feitos pela empresa foram considerados muito aquém do esperado. Como acontece em todos os contratos, o governo moçambicano prioriza a expropriação de terras que se consuma antes das compensações, culminando sempre em desentendimentos, muitas vezes sob acusações do governo receber e desviar o que é devido as populações.

Em 2022, a Kenmare comprometeu-se a reassentar cerca de três mil famílias e a implementar programas de desenvolvimento nas áreas de saúde e educação. Contudo, episódios de invasão às instalações em 2024 revelaram a insatisfação popular face ao incumprimento destas promessas. As comunidades alegam que, embora o Governo tenha recebido os fundos correspondentes, não os aplicou de acordo com o combinado, provocando frustração e culminando em vandalização do património empresarial e na paralisação temporária das actividades da empresa.

O porta-voz governamental sublinhou que foi encontrado um equilíbrio que pretende garantir os interesses das populações e os direitos da Kenmare enquanto operadora da mina, mas a falta de transparência e de mecanismos de fiscalização mantém acesas as tensões locais.

Comentário

O caso da Kenmare evidencia fragilidades estruturais na gestão de recursos naturais em Moçambique. A retoma das operações, apresentada como consensual, não resolve o dilema da exequibilidade:

As comunidades permanecem sem compensações pela perda de terras.

Promessas de reassentamento e programas sociais continuam por cumprir.

O dinheiro recebido pelo Governo não teve aplicação visível nas áreas afetadas, reforçando a percepção de que apenas elites políticas e empresariais beneficiam.

A paralisação de 2024 e a vandalização do património corporativo são sintomáticas da frustração popular e da incapacidade do Estado em assegurar justiça social, ameaçando a estabilidade das operações futuras. Sem mecanismos claros de monitorização e responsabilização, a retoma da Kenmare corre o risco de reproduzir um modelo extractivista injusto, em que o lucro empresarial sobrepõe-se aos direitos e necessidades das populações locais.

Enquanto prevalecer o mesmo modelo de começar pela expropriação de terras e não pelas compensações, e ao mesmo tempo ao efetuar-se o pagamento fazer-se via governo, o imbróglio perpetuará.

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