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CRIANÇAS COMO ESCUDO DE GUERRA EM CABO DELGADO: Um Desafio à Humanidade

Por Tiago J.B. Paqueliua
Numa tática criminosa que viola os direitos universais da criança e dificulta sobremaneira a atuação das Forças de Defesa e Segurança e das suas congéneres ruandesas no Teatro Operacional da Zona Norte (TON), os terroristas jihadistas estão a utilizar crianças de 12 a 14 anos como escudos humanos. A denúncia foi feita pelo governador provincial Valige Tauabo, durante a sua visita ao posto administrativo de Mbau, na quinta-feira passada, 15 de Agosto de 2025 (RM, 15/08/2025).
O rapto e a utilização destas crianças põem em risco a sua segurança e constituem uma grave violação do Direito Internacional Humanitário e dos direitos da criança, previstos na Convenção sobre os Direitos da Criança da ONU e reforçados pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância (UNICEF). Especialistas em direitos humanos sublinham que esta prática não é apenas um crime de guerra, mas também um crime contra a humanidade quando ocorre de forma sistemática.
Organismos internacionais, como a Human Rights Watch e a Save the Children, alertam que a exposição de crianças em zonas de conflito tem efeitos devastadores a nível psicológico, educativo e social, criando uma geração marcada pelo trauma e pela marginalização. Segundo dados do UNICEF, em contextos similares, mais de 60% das crianças recrutadas por grupos armados desenvolvem sequelas mentais duradouras, incluindo ansiedade, depressão e transtornos de stress pós-traumático.
Experiências internacionais mostram que políticas integradas de reintegração, combinadas com educação, assistência psicológica e proteção comunitária, reduzem significativamente o envolvimento de crianças em actos de violência. Nos casos da Colômbia e do Sudão do Sul, a criação de corredores humanitários e programas de desarmamento, desmobilização e reintegração (DDR) focados nas crianças revelou-se crucial para quebrar o ciclo de recrutamento e abuso.
Em Cabo Delgado, porém, a implementação de medidas eficazes de proteção infantil continua incipiente. Apesar das declarações públicas e visitas protocolares, a realidade mantém-se cruel. Como ironicamente observa um especialista independente que solicitou anonimato:
⁠“Em Cabo Delgado, parece que as crianças participam numa espécie de tour oficial: primeiro são raptadas, depois visitadas pelo governo, e finalmente todos fingem indignação enquanto o problema persiste. Os terroristas inovam na perversidade, o governo inova nas visitas de palco e nos comunicados à imprensa. As crianças, essas inocentes vítimas, continuam a ser figurantes de uma tragédia que mistura a crua realidade com a comédia involuntária da burocracia e da diplomacia de gabinete. E isso deve acabar.”
O desafio que se coloca é urgente: transformar indignação em ação efetiva, implementando políticas de proteção infantil com recursos adequados e fiscalização independente, inspirando-se em experiências internacionais que demonstram que é possível reduzir o recrutamento forçado e reintegrar crianças vítimas de guerra. Até lá, em Cabo Delgado, a inocência continua a ser a moeda de troca num conflito onde a humanidade é constantemente posta à prova.
Epílogo
E assim se desenrola o teatro macabro em Cabo Delgado: enquanto as crianças são forçadas a servir de escudo humano, o governo transforma a indignação em cerimónia. Há visitas protocolares, discursos emocionados e comunicados que fazem a imprensa suspirar de alívio, como se a simples menção ao problema substituísse a ação concreta.
É o desfile da burocracia: cada criança raptada recebe uma foto oficial com o governador, cada relatório é publicado com gráficos coloridos, cada reunião termina com sorrisos e promessas, mas no terreno, a realidade mantém-se brutal e implacável.
Outros países, vítimas de conflitos semelhantes, aprenderam que a impunidade é a raiz do ciclo de violência. Políticas sérias de reintegração, justiça efetiva e proteção comunitária podem salvar vidas. Em Cabo Delgado, porém, a comédia involuntária da diplomacia e da burocracia continua a atuar em palco aberto — com as crianças como figurantes silenciosas.
Se algum dia alguém inventar um prémio para a melhor encenação de tragédia, Cabo Delgado seria certamente candidato. Enquanto isso, a verdadeira tragédia persiste, e a humanidade assiste, impotente ou distraída, aplaudindo o espetáculo dos oficiais bem-intencionados que preferem discursos a ações.

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