O Governo finalizou uma estratégia nacional que visa expandir significativamente a rede de áreas marinhas protegidas, elevando a cobertura actual para um patamar entre 10% a 12% do território marítimo nacional. O documento, que se encontra em fase de consultas interministeriais antes de ser submetido à aprovação do Conselho de Ministros, foi apresentado e debatido esta quarta-feira, 3 de Setembro, durante a 3.ª Conferência da Biodiversidade Marinha, que decorre na cidade da Beira, província de Sofala.
A estratégia, designada oficialmente como “Estratégia Nacional e Plano de Acção para a Expansão da Rede das Áreas de Conservação Marinhas (ACM)”, surge na sequência de um diagnóstico realizado em 2020 que identificou lacunas na protecção da biodiversidade marinha do País. O instrumento estabelece um roteiro para atingir as metas internacionais assumidas por Moçambique no âmbito dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável e da Convenção sobre Diversidade Biológica.
Abordagem inovadora integra comunidades locais no sistema de conservação
Um dos aspectos mais inovadores da estratégia reside no reconhecimento formal das Áreas de Gestão Comunitária (OECM – Other Effective Area-Based Conservation Measures). Pela primeira vez, o País propõe um mecanismo que permite contabilizar para as metas nacionais de conservação as áreas marinhas geridas por comunidades locais, mesmo que estas não possuam o estatuto formal de área protegida.
Emílio André, director de divisão do Instituto Oceanográfico de Moçambique, explicou que “esta abordagem baseia-se nas directrizes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que prevê o reconhecimento de contribuições positivas para a conservação mesmo fora do sistema tradicional de áreas protegidas”. O mapeamento preliminar já identificou 128 unidades de gestão comunitária ao longo da costa moçambicana, das quais 49 apresentam condições para certificação imediata como OECM.
Apesar do consenso em torno da estratégia, os especialistas presentes no painel manifestaram preocupações quanto aos desafios operacionais e financeiros da sua implementação. Mohamed Harun, assessor sénior da Autoridade Nacional de Áreas de Conservação, advertiu que “a expansão quantitativa não pode comprometer a eficácia da gestão das áreas já existentes.”
Esta abordagem baseia-se nas directrizes da Convenção sobre Diversidade Biológica, que prevê o reconhecimento de contribuições positivas para a conservação mesmo fora do sistema tradicional de áreas protegidas
Os dados apresentados indicam que muitas das áreas marinhas protegidas actuais enfrentam sérias dificuldades de gestão, com níveis de efectividade considerados insatisfatórios. Mohamad Harun sublinhou que “declarar novas áreas protegidas sem garantir os recursos necessários para a sua gestão efectiva pode constituir um erro estratégico com consequências a longo prazo.”
A estratégia prevê quatro pilares fundamentais para a sua implementação: reforma das políticas de conservação, criação e gestão de novas áreas, investigação científica aplicada e mecanismos de financiamento sustentável. Este último ponto é considerado crítico, dado que o subfinanciamento crónico tem sido identificado como a principal limitação à efectividade das áreas protegidas existentes.
Novo enquadramento legal para a pesca artesanal sustentável
Rui Motumbene, representante da Autoridade para o Desenvolvimento Nacional das Pescas, detalhou como a estratégia se articula com a reforma do sector das pescas, nomeadamente através da criação das Áreas de Pesca de Gestão Comunitária (APGC). “Estas áreas representam não apenas um instrumento de conservação, mas sobretudo um mecanismo de ordenamento pesqueiro que visa garantir a sustentabilidade dos recursos e das comunidades que deles dependem”, explicou.
O modelo proposto associa as APGC a zonas de recuperação de recursos, implementando medidas de gestão espacial como vedas temporárias, exclusão de artes de pesca destrutivas e regulamentação de esforço de pesca. O responsável enfatizou que “a gestão comunitária destas áreas representa uma evolução significativa em relação ao modelo tradicional de conservação, integrando o conhecimento local e garantindo a participação efectiva das comunidades costeiras.”
A implementação da estratégia exigirá uma coordenação sem precedentes entre diversas instituições governamentais, incluindo o Instituto Oceanográfico, a ANAC, a ADNAP e o Ministério dos Recursos Minerais. Luisa Rocha, directora nacional de Geologia e Minas, presente no painel, sublinhou a importância de “encontrar modelos de gestão que compatibilizem a conservação marinha com a exploração sustentável de recursos minerais offshore.” (DE)