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Bicicletas, carteiras e escolas: Força do Ruanda reforça perfil social enquanto insurgência persiste em Cabo Delgado

 

Por Quinton Nicuete

O contingente das Forças de Defesa do Ruanda (RDF), estacionado em Cabo Delgado para combater a insurgência islâmica, voltou a assumir funções que extravasam o âmbito militar. Desta vez, em Mocímboa da Praia, os soldados doaram bicicletas a líderes comunitários. O gesto, apresentado como medida para melhorar a mobilidade e a capacidade de resposta das lideranças locais, soma-se a um conjunto de acções sociais que a tropa estrangeira vem realizando desde que pisou solo moçambicano em 2022.

Não é a primeira vez que as forças ruandesas se destacam por iniciativas de natureza civil. Ainda em Mocímboa da Praia, construíram uma escola; em Ancuabe, ofereceram carteiras escolares. Agora, distribuem bicicletas. O que começou como uma intervenção militar para travar a violência extremista tem-se vindo a traduzir numa agenda paralela de apoio social.

Na cerimónia de entrega, a 3 de Setembro de 2025, Helena Bandeira, presidente do Conselho Municipal de Mocímboa da Praia, agradeceu emocionada, afirmando que “as bicicletas terão impacto directo na melhoria da prestação de serviços”. Mas o simbolismo destas ofertas não deixa de gerar debate: até que ponto uma missão de combate ao terrorismo pode — ou deve — transformar-se em entidade de assistência comunitária?

O coronel Emmanuel Nyirihirwe, porta-voz da RDF, defendeu que as bicicletas reforçarão o contacto entre líderes e população, permitindo troca mais rápida de informações de segurança. Contudo, especialistas e críticos recordam que a razão da presença ruandesa não era resolver problemas de mobilidade dos líderes comunitários, mas sim garantir que aldeias como Mocímboa da Praia não voltassem a ser ocupadas por insurgentes.

Três anos após a chegada das tropas, a violência foi contida em alguns pontos, mas não eliminada. O risco permanece, e, ao mesmo tempo, os ruandeses reforçam um perfil de força de proximidade social, oferecendo meios e serviços que caberiam ao Estado moçambicano assegurar. Para alguns analistas, esta postura levanta dúvidas: será uma forma de legitimar a sua permanência prolongada no país, ao mesmo tempo que se apresentam como mais eficazes do que as próprias autoridades nacionais?

O presidente Daniel Chapo esteve recentemente em Kigali para agradecer a Paul Kagame pelo contributo das forças ruandesas. Mas a narrativa oficial contrasta com as expectativas de muitos moçambicanos: o que se espera de uma força militar estrangeira é segurança efectiva, não substituição parcial do Estado em funções sociais.

Entre bicicletas, carteiras e escolas, a linha que separa a missão de combate do papel de governação local vai-se esbatendo. A questão que fica é clara: Cabo Delgado precisa de tropas estrangeiras para distribuir bens e construir escolas ou de uma estratégia robusta que garanta, de uma vez por todas, a neutralização da insurgência? Moz24h

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