Nampula destapa a crise do centralismo democrático no Partido Frelimo
A contestação do centralismo democrático acompanha a evolução do partido Frelimo. Apesar do secretário-geral da Frelimo, Roque Silva, ter lembrado aos militantes que “ninguém deve se querer antes do partido querer para ele se querer”, nunca chegou a ser um consenso entre os militantes no partido por pensarem ser um instrumento de autoritarismo e que não leva em conta as aspirações das elites locais. O caso mais recente é a obrigação a que foi sujeita Manuel Rodrigues de renunciar ao cargo de governador da província de Nampula para poder concorrer a edil do município da cidade de Nampula.
A pesar de ser uma prática reiterada no seio do partido Frelimo, o centralismo democrático já está em desuso. O centralismo democrático “é um sistema de organização interna adoptado pelos partidos comunistas leninistas, pelo qual as divergências programáticas são debatidas democraticamente em todas as instâncias do partido, devendo todos os membros cumprir a decisão sob pena de sofrerem sanções. As direcções eleitas possuem alguma liberdade para decidir posicionamentos perante acontecimentos e mudanças repentinas na conjuntura, mas estão sempre limitados à linha decidida democraticamente. De forma simples, o centralismo democrático é resumido na “célebre” frase do secretário-geral do partido Frelimo: “não é você se querer, é preciso nós te querermos para você se querer”.
A forma de acção baseada no contexto descrito acima sempre foi contestada. Entretanto, em nome da disciplina partidária foi sendo arrastada até aos dias de hoje. O caso mais recente da negação da maquiagem das decisões tomadas centralmente foi a de Manuel Rodrigues que foi obrigado a renunciar a posição de governador da província de Nampula, cargo para qual foi eleito em 2019, para concorrer com Paulo Vahanle para o município da cidade de Nampula.
A leitura informada que Manuel Rodrigues fez da ocasião lhe permitiu em tempo oportuno renunciar a sua candidatura, que tinha sido determinada centralmente e apenas levada às bases para a sua legitimação. Ao renunciar, Rodrigues deixou claro que nem sempre os militantes do partido Frelimo devem ser obrigados a seguirem caminhos em que não se acham confortáveis.
Entretanto, está informado que essa acção lhe poderá custar o assassinato político em público,\ protagonizado pela elite central e a sua máquina de propaganda.
Na Frelimo não se nega missão
As reacções ao incumprimento das ordens dos “grandes chefes” não tardaram. O chefe da campanha da Frelimo e membro da Comissão Política desta organização, Celso Correia, reagiu ao posicionamento de Manuel Rodrigues, lembrando que na Frelimo não se negam missões, palavras que foram depois secundadas pela máquina de propaganda do partido Frelimo, pelas redes sociais, que têm ordens expressas para vilipendiar e “qualquerizar” a figura de Manuel Rodrigues, hoje considerado como “capim alto que cresce sozinho”.
O exemplo da escolha de cabeça-de-lista do município de Pemba
As eleições internas do partido Frelimo para a escolha do cabeça-de-lista para as eleições autárquicas no município de Pemba também teve praticamente a mesma lógica. Os grandes chefes tinham optado pela continuidade de Florete Simba Motarua, actual edil da cidade, que não goza de aceitação tanto pela população como pelas bases do partido.
Para isso, o partido Frelimo em Pemba foi obrigado a rasgar as directivas e no lugar de serem enviados três nomes a Maputo, seguiram quatro: destacando-se Júlio Sete, Satar Abdulgani, Gulamo Aly e de Florete Simba Motarua.
Nas eleições internas, as bases escolheram Satar Abdulgani, com votos expressivos oriundos da OJM na cidade de Pemba, que suportou a sua candidatura. Ao fim das eleições, houve ordens expressas para se repetirem as eleições, facto que foi redondamente negado pelos militantes do partido na cidade de Pemba.
Assim, os resultados e a desorganização a que o processo de escolhas de cabeças-de-lista do partido Frelimo destapou a crise pela qual passa a legitimidade da autoridade dos chefes do partido e como o processo de centralização da acção e de tomada de decisões não se compadece com os desafios actuais, chamado atenção para a mudança de comportamento do partido e a sua adequação a actualidade e ao sentimento da população. (CDD)