As quatros portagens já estão praticamente montadas, estando neste momento a decorrer pequenos trabalhos. As placas informativas também foram instaladas, faltando apenas a fixação das taxas a pagar. São quatro portagens, sendo que duas estão na estrada Macia – Chókwè, onde a REVIMO fez obras de reabilitação em toda a extensão de 61,7 quilómetros. Na estrada que liga a vila da Macia (junto à EN1) e a Praia de Bilene, o único investimento da REVIMO foi montar uma portagem a pensar no fluxo de turistas. A quarta portagem está na estrada Chókwè – Macarretane, com apenas 21,8 quilómetros. Dentro de dias a REVIMO vai começar a cobrar pela circulação nas três estradas, agravando o já elevado custo de vida para os residentes de Chókwè, Macia e Praia de Bilene.
A través do Decreto nº. 46/2021, de 15 de Junho, o Governo concessionou à empresa Rede Viária de Moçambique (REVIMO) a exploração sob sistema de portagens das estradas Macia – Praia de Bilene (38,5 km), Macia – Chókwè (61,7 km) e Chókwè – Macarretane (21,8 km), todas localizadas na província de Gaza. A concessão cobre um período de 20 anos e foi feita sem concurso público, à semelhança do que aconteceu quando o Conselho de Ministros decidiu, através do Decreto nº. 93/2019, de 17 de Dezembro, concessionar à REVIMO a exploração das estradas Beira – Machipanda (EN6); Circular de Maputo, incluindo a extensão que liga a vila de Marracuene à Macaneta; Ponte Maputo – KaTembe e as respectivas estradas de ligação.
Ao contrário da primeira concessão em que a REVIMO recebeu estradas feitas pelo Governo através de endividamento público, na concessão de 2021 a empresa recebeu estradas que demandavam obras de manutenção e/ou reabilitação. Assim, a empresa contratou a construtora chinesa Zhongmei Engineering Group, Lda, para reabilitar a estra da Macia – Chókwè, fazer a manutenção derotina da estrada Chókwè – Macarretane e manutenção periódica da estrada Praia de Bilene – Macia. O valor investido é de aproximadamente 2,3 mil milhões de meticais.
Na estrada que liga as autarquias da Macia e da Praia de Bilene a REVIMO praticamente não fez nenhuma intervenção, além de montar a portagem. A estrada continua nas mesmas condições – muito estreita com o piso a reclamar resselagem. As pequenas obras foram feitas à entrada da Praia de Bilene, mesmo assim a REVIMO está a concluir a montagem da portagem para cobrar as pessoas vão usar a via nas mesmas condições em que estava antes da concessão. Na estrada Macia – Chókwè, as obras consistiram na reabilitação de toda a extensão de 61,7 km, mantendo as dimensões da via. Duas portagens foram instaladas nesta estrada e a distância entre as duas é cerca de 20 km.
A quarta portagem foi instalada no troço de 21,8 km, que parte da cidade de Chókwè até à barragem de Macarretane. Nesta via foram feitas obras de melhoramento do piso.
Tal como acontece na Estrada Circular de Maputo, a instalação de quatro portagens nos distritos de Bilene – Macia e de Chókwè vai agravar o custo de vida das pessoas que usam as três estradas no seu dia-a-dia. O acesso às praias de Bilene (um destino turístico de eleição), a partir da Estrada Nacional Nº. 1 (EN1), passa a ser condicionado ao pagamento de uma portagem. E para chegar a Chókwè, o celeiro de Gaza, será preciso pagar em duas portagens, numa via de aproximadamente 62 km. Mas o mais caricato é a implantação de uma portagem na estrada que liga Chókwè e Macarretane, com apenas 21,8 km.
A REVIMO é uma sociedade anónima constituída em Setembro de 2018 no Cartório Notarial Privativo do Ministério da Economia e Finanças, com um capital social de 660 milhões de meticais integralmente subscrito pelo Fundo de Estradas, até então único accionista. Desde 2021, a REVIMO conta com novos accionistas, nomeadamente o Instituto Nacional de Segurança Social (INSS) e a KUHANHA – sociedade gestora do fundo de pensões dos funcionários do Banco de Moçambique. Os novos accionistas controlam 15% cada, ficando o Fundo de Estradas com 70%.
A entrada de novos accionistas foi sigilosa. A operação foi feita na Bolsa de Valores Moçambique (BVM), através da oferta pública de venda. Quando a REVIMO foi admitida na BVM em Março de 2020, cada acção (de um total de 66.000 acções) tinha um valor nominal de 10.000,00 meticais. Mas hoje cada acção da empresa vale 12.750,00 meticais, uma valorização que traduz as grandes expectativas que existem sobre o lucrativo negócio das portagens instaladas na Estrada Circular (cinco, incluindo a portagem instalada na estrada para Macaneta), Ponte Ma-puto-KaTembe e estradas de ligação (quatro portagens) e Estrada Nacional Nº6 (três portagens) e Praia de Bilene – Macia – Chókwè– Macarretane (quatro portagens).
A criação da REVIMO foi uma estratégia do Governo de Filipe Nyusi para permitir a entrada de privados na gestão de portagens instaladas em estradas construídas com fundos públicos. Os três projectos de estradas abrangidos na primeira concessão foram financiados pelo Exim Bank da China, no valor total de cerca de 1,5 mil milhões de dólares, dos 785 milhões de dólares para a Ponte Maputo-KaTembe e estradas de ligação, 400 milhões de dólares para Estrada Nacional Nº6 e 300 milhões de dólares para a Estrada Circular de Maputo.
A concessão por ajuste directo e por um período de 20 anos levanta dúvidas sobre a legalidade do negócio. A Lei 15/2011, de 10 de Agosto, que regula a contratação, implementação e monitoria de projectos de parcerias público-privadas, fixa, na alínea c) do número 1 do artigo 22, um máximo de 10 anos para contratos de gestão de empreendimento em situação operacional. E a Estrada Circular, a Ponte Maputo-KaTembe e a Estrada Nacional Nº6 estavam operacionais quando em 2019 foram concessionadas à REVIMO por um período de 20 anos, o dobro do prazo fixado por lei para contratos de gestão.
A duração do contrato do empreendimento de parceria público-privada é determinada tendo em atenção a sua atractividade económico-financeira, o tempo necessário para a sua implementação e o período de recuperação do capital investido. As circunstâncias em que o prazo do contrato pode ser estendido também estão fixadas na Lei 15/2011, de 10 de Agosto. O número 3 do artigo 22 diz que o Governo pode, por adenda ao contrato, autorizar a extensão do prazo legalmente fixado pelo tempo necessário para compensação de: a) investimentos adicionais realizados por solicitação do Governo e acordados em adenda ao contrato aprovada pela entidade competente; b) prática de preços ou de tarifas, fixados pelo Governo, abaixo de preço do custo e da margem de rentabilidade acordada; c) mitigação de efeitos de evento de força maior ocorridos.
Até hoje ainda não foram devidamente esclarecidas as circunstâncias que levaram o Governo a estender de 10 para 20 anos o prazo do contrato de gestão das três vias concessionadas à REVIMO. Desde logo porque a concessionária não efectuou nenhum investimento de vulto, uma vez que recebeu as estradas em situação operacional; não houve nenhum evento de força maior que tenha causado danos avultados nas estradas; e, finalmente, as tarifas praticadas nas portagens não estão abaixo da margem de rentabilidade, atendendo ao volume de tráfego.
Além de ter estendido para além do limite legal o tempo de duração do contrato de concessão das vias, o Governo recorreu à modalidade de ajuste directo, violando o regime jurídico de contratação de empreendimentos de parceria público-privada. Nos termos do número 1 do artigo 13 da Lei 15/2011, de 10 de Agosto, o regime jurídico geral de contratação de empreendimentos de parceria público-privada é de concurso público, aplicando-se, subsidiariamente, as regras que regem as contratações públicas. Só em situações ponderosas e devidamente fundamentadas e como medida de último recurso sujeita à prévia autorização expressa do Governo, a contratação do empreendimento de parceria público-privada pode, excepcionalmente, assumir a forma de negociação e ajuste directo.
No caso em apreço, o Governo não apresentou nenhum fundamento que justificasse o recurso à modalidade de ajuste directo nas duas concessões de estradas a favor da REVIMO. A Lei 15/2011, de 10 de Agosto, que regula a contratação, implementação e monitoria de projectos de parcerias público-privadas estabelece que “em qualquer das modalidades de contratação de parcerias público-privadas devem ser observados os princípios da legalidade, finalidade, razoabilidade, proporcionalidade, prossecução de interesse público, transparência, publicidade, igualdade, concorrência, imparcialidade, boa-fé, estabilidade, motivação, integridade e idoneidade, responsabilidade, boa gestão económico-financeira, celeridade e os demais princípios de Direito Público aplicáveis” (número 6 do artigo 13). (CDD)