Por: Rui Mate
CENTRO DE INTEGRIDADE PÚBLICA
Anticorrupção – Transparência – Integridade
– Fiscalização documental da qualidade e da quantidade para a determinação do valor do produto mineiro não será suficiente para combater a subfacturação, reduzir a evasão fiscal e garantir uma porção justa do imposto de produção que aumente os benefícios da exploração dos produtos minerais para o Pais.
- Introdução
O Governo aprovou, através do Diploma Ministerial n.º 91/2023 de 16 de Junho, o Regulamento do Preço de Referência para efeitos de determinação do valor do produto mineiro que, finalmente, vem preencher uma lacuna no cálculo do imposto sobre a produção mineira. Por conta desta lacuna, o Estado tem vindo a incorrer a prejuízos fiscais que impactam negativamente nas contas públicas. Uma avaliação feita para o período de 2013 a 2017 mostra que o Estado moçambicano perdeu, por falta deste regulamento, cerca 893,5 mil milhões de meticais.
É neste sentido que o Ministério de Economia e Finanças (MEF) refere, em nota de imprensa, que o regulamento visa combater a subfacturação, reduzir a evasão fiscal e aumentar os benefícios da exploração dos produtos mineiros para o Pais.
Considerando que o preço e a quantidade produzida são os elementos fundamentais para o cálculo do imposto sobre a produção mineira, o conhecimento exacto destes elementos é fundamental para que o Estado maximize a sua cobrança.
Neste caso, apesar da aprovação deste decreto, prevalece o problema da fiscalização efectiva da quantidade dos minérios nos locais de produção e exportação. Constitui também desafio, a transparência que deve nortear a certificação dos valores do produto mineiro e o processo de contratação da entidade para a fiscalização das quantidades e especificações de minérios exportados.
No presente texto argumenta-se que o Regulamento aprovado pretende garantir uma porção justa do imposto de produção do produto mineiro. Entretanto, a fiscalização, determinação do volume de produção, avaliação da qualidade dos minerais e a transparência de todo o processo para a determinação do valor do produto mineiro prevalecem, actualmente, como os maiores desafios.
- Verificação documental não é suficiente para combater a subfacturação
O Ministério de Economia e Finanças e o Ministério de Recursos Minerais e Energia aprovaram, através do Diploma Ministerial n.º 91/2023 de 16 de Junho, o Regulamento do Preço de Referência para efeitos de determinação do valor do produto mineiro, cujo objectivo é de combater a subfacturação, reduzir a evasão fiscal e aumentar os benefícios da exploração dos produtos minerais para o País.
Este diploma vem preencher a lacuna no cálculo do imposto sobre a produção mineira, que é reportada desde o ano de2018 pelo Tribunal Administrativo (TA), através dos seus Relatórios e Parecer da Conta Geral do Estado (RPCGE) e pelo Centro de Integridade Pública (CIP)4, através de vários artigos nos quais se indica que o Instituto Nacional de Minas (INAMI), na qualidade de órgão regulador, avaliador e certificador dos produtos minerais, não usa preços de referência internacional para o cálculo do valor da produção do carvão produzido em Moçambique.
Uma vez que o preço é um elemento fundamental para o cálculo do imposto sobre a produção mineira, o uso de preços
constantes, metodologia que vinha sendo usado pelo INAMI, criou prejuízos de mais de 893,5 mil milhões de meticais aos cofres do Estado, entre os anos de 2013 a 2017, segundo uma avaliação feita pelo CIP.
Nos termos do regulamento aprovado, os preços de referência passam a ser determinados com base em referências internacionais. A sua gestão será feita por uma equipa conjunta que integra os seguintes representantes: i) Ministério da Economia e Finanças; ii) Autoridade Tributária de Moçambique; iii) Instituto Nacional de Minas; iv) Inspecção-Geral dos Recursos Minerais e Energia; e Unidade de Gestão de Processo Kimberley.
A aprovação deste Regulamento poderá minimizar as perdas de receitas devido ao uso de preços constantes. No entanto,segundo o número 3 do artigo 5 (Qualidade e quantidade) deste regulamento, as autoridades reguladoras devem verificar a quantidade declarada pelo titular mineiro com base numa análise comparativa da qualidade e da quantidade declaradas à saída da fábrica e no último estágio de embarque, pré-exportação.
Em termos práticos, a verificação da qualidade e da quantidade só será fiável se houver capacidade, por parte das autoridades reguladores, de colocar fiscais em todas as empresas visadas e nas terminais portuárias, para não depender das informações que serão prestadas pelas empresas.
O desafio é levantado pelo facto de neste momento existirem situações em que algumas empresas funcionam como ilhas, cabendo-lhes a autodeclaração da qualidade e quantidade produzida e exportada.
O CIP visitou, entre Abril de 2022 e Janeiro de 2023, as empresas África Great Wall Mining, que explora areias pesadas na ilha de Olinda no distrito de Inhassuge; a Tazetta Resources, que explora areias pesadas na vila sede de Pebane; a TZM Resources, SA, que pretende explorar areias pesadas em Muebase, também no distrito de Pebane e a empresa Highland African Mining Company, Lda, que explora Tantalite em Marrupino, distrito de Mulevala.
Todas as empresas estão na província da Zambézia. Em nenhuma delas se encontrou autoridade ou infra-estrutura que mostre a presença de autoridades nacionais de supervisão das actividades, tal como acontece na exploração de areias pesadas em Nampula pela Kenmare, onde, por exemplo, se encontra uma unidade da Autoridade Tributária instalada na terminal portuária de Larde.
Neste sentido, para reduzir o risco de perda de receitas devido à falta de certificação efectiva da qualidade e quantidade dos minerais, a verificação não deve ser apenas documental e baseada na informação das empresas. Os fiscalizadores devem estar presentes nos locais de produção e exportação de forma permanente. Neste caso, o Governo deveria fazer uma actualização do Regulamento aprovado para acomodar este aspecto.
Considerando que a exploração mineira abrange não só as grandes corporações, mas também as cooperativas e as médias e pequenas empresas extractivas, o Estado tem o desafio de cobrir todas essas áreas de produção. O censo mineiro indica, por exemplo, a existência de pelo menos 2162 focos de mineração artesanal, o que mostra o nível de desafio para fazer a fiscalização efectiva da produção6.
- Implementação do regulamento começa com sinais de falta de transparência e violações do próprio regulamento
A nota de imprensa do MEF7 refere que no âmbito do Regulamento aprovado irá anunciar-se, brevemente, o vencedor de um concurso público internacional para a contratação de uma entidade independente que irá fiscalizar a quantidade e a especificação dos minérios exportados pelas empresas que exploram recursos mineiros.
Analisado o Regulamento, não se encontra nenhum artigo que indique que será contratada uma entidade para a fiscalização da quantidade e da especificação dos minérios exportados pelas empresas que exploram recursos mineiros. O artigo refere que o titular mineiro deve realizar testes relativos à qualidade do minério e submetê-los à entidade reguladora do sector, nos termos da legislação mineira, e o artigo 6 refere que a Autoridade Tributária de Moçambique (AT), o Instituto Nacional de Minas (INAMI) e a Unidade de Gestão de Processo Kimberley (UGPK) dispõem de prerrogativa para a validação das informações apresentadas pelo titular mineiro, através da extracção de amostras e submissão à laboratórios públicos ou privados, devidamente credenciados, dentro ou fora do território moçambicano.
Neste caso, não se vislumbra o papel da entidade independente. Deste modo, esta entidade constituirá um custo adicional para o erário público, exercendo as funções atribuídas à AT, ao INAMI e à UGPK. O entendimento do CIP é que, após aprovado o regulamento, o espaço legal para a sua operacionalização está criado. Mas, não parece ser o caso deste regulamento.
Uma notícia publicada na página web do Pacote de Aceleração Económica (PAE), com data de 15 de Fevereiro de 2023, indica que os resultados deste concurso seriam anunciados na terça-feira, dia 21 de Fevereiro de 20238, isto é, cerca de 4 meses antes da aprovação das bases legais.
A questão que se coloca é: com que base legal foi lançando o concurso público internacional para a contratação de uma entidade de regulação se o Regulamento ainda não havia sido aprovado? Não estaremos perante uma situação em que os vencedores foram escolhidos fora de critérios regulamentados? Uma vez que o regulamento não prevê esta entidade, qual será a base de contratação?
Esta situação é prenúncio de falta de transparência neste processo, o que desde já abre espaço para desconfiar da entidade que será escolhida. Neste caso, julga-se que o próprio Regulamento deveria estabelecer os requisitos de contratação, como forma de garantir a transparência. Isto exige uma alteração do Regulamento.
- Conclusão
O diploma aprovado vem preencher uma lacuna que pode melhorar as receitas do Estado, através do combate à subfacturação e da redução da evasão fiscal, aumentando os benefícios para os moçambicanos. No entanto, a sua aprovação não implica necessariamente sucesso. Há necessidade de colocar-se fiscais permanentes nos locais de produção e exportação que possam certificar a quantidade, produzida e exportada, declarada pelos titulares de concessões mineiras.
O processo de contratação de uma entidade independente que irá fiscalizar a quantidade e a especificaçao dos minérios exportados constitui uma violação ao Regulamento aprovado. É necessário que se proceda à sua correcção. Ou se revê o regulamento, ou não se contrata a entidade independente. Neste caso, a AT, o INAMI e a UGPK assumem o papel previsto no Regulamento.
As fragilidades apontadas neste documento decorrem do facto de o Governo não ter apresentado a proposta deste Regulamento para efeitos de discussão pública, como ocorre com vários outros instrumentos normativos que lidam com matéria algo sensível e com impacto na vida dos moçambicanos. Esta situação deve ser repensada para casos futuros. (CIP)
https://www.cipmoz.org/pt/2023/07/11/preco-de-referencia-regulamento-insuficiente-para-combater-a-subfacturacao-no-sector-extractivo/