E se os agricultores puderem conversar com uma aplicação moçambicana de Inteligência Artificial que “olha” para as plantas? Ou usar uma outra para prevenir pragas? Estudantes e aspirantes a programadores demonstraram as ideias num evento promovido pela Agência de Desenvolvimento Geo-Espacial.
É irrefutável que, nos dias que correm, a tecnologia pode desempenhar um papel preponderante e em vários aspectos do agro-negócio moderno, visando aumentar a produtividade dos campos, ao mesmo tempo que utiliza uma abordagem de gestão inteligente. Em várias partes do mundo, a tecnologia já ajuda os agricultores a aumentar rendimentos, sem precisarem de alargar o espaço de produção. Estas práticas não passam despercebidas aos olhos de jovens entusiastas em tecnologia. E disto nasceu uma paixão que, no mesmo espaço, um chamado ‘hackathon’ (encontro de programadores), reuniu jovens moçambicanos que vão procurar mapear, identificar e solucionar os diversos problemas que afligem os pequenos agricultores nas áreas rurais de Moçambique.
Antes do mais, o que é um ‘hackathon’?
É uma maratona de programação que pode durar entre 24 horas a três dias, num termo que resulta da combinação das palavras inglesas “hack” (no sentido de programar de forma excepcional) e “marathon” (maratona). Nestes eventos, os participantes têm a oportunidade de criar ideias e colocá-las em prática através da programação, com o intuito de concorrer a prémios, conhecer outros profissionais da área, trocar ideias ou participar num projecto colaborativo, num ambiente específico de programação. O que torna especial um evento desta natureza é a colaboração face a um desafio, uma espécie de magia intangível que ocorre sempre que um grupo de pessoas focadas num único objectivo se junta para atingir uma finalidade específica. No fim, fazem uma apresentação perante um júri. Claro que nem todas as ideias são vencedoras e aqui entra, de facto, o mais essencial dos aspectos: tem de ser uma boa ideia!
Os méritos do processo ‘hackathon’ são assumidos pela indústria tecnológica e não faltam eventos do género levados a cabo por empresas bem conhecidas. Tal é o caso da Netflix, que realiza vários ‘hack day’ ao longo do ano, com o objectivo de criar novos caminhos para o seu serviço. Há também casos de grandes negócios que surgiram em competições de programação acelerada. É o caso da GroupMe, uma aplicação de mensagens de texto que foi criada durante a feira TechCrunch Disrupt, em 2010, e que recebeu mais de 10 milhões de dólares em investimento – tendo sido depois comprada pela Microsoft e integrada na família Skype, gerando, até hoje, mais de 80 milhões de dólares em volume de negócio. Outra ‘app’ famosa nascida num ‘hackathon’ é a EasyTaxi, uma espécie de uber brasileiro, que começou inicialmente como um programa de monitorização de autocarros, mas tornou-se no projecto vencedor do Startup Weekend Rio em 2011. A dupla de criadores conquistou investidores, a aplicação chegou a mais de 30 países e 420 cidades e foi vendida por muitos milhões de dólares.
A maratona Hack4Moz
A 3.ª edição da Hack4Moz foi organizada pela Agência Nacional de Desenvolvimento Geo-Espacial (ADE) com o apoio do Standard Bank, a Higest, o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), a comunidade de programadores de Moçambique (Mozdev) e a empresa que vende matérias-primas agrícolas AQI. Esta edição decorreu nos dias 17, 18 e 19 de Novembro, na incubadora de negócios do Standard Bank, em Maputo, com o objectivo de idealizar uma plataforma digital para partilha de informação, conhecimento e colaboração entre as entidades intervenientes na cadeia de valor da agricultura.
Foi neste contexto que programadores, estudantes de engenharia de informática (na sua maioria) e alguns autodidactas com paixão pela programação, organizados em 11 grupos compostos por cinco elementos (no total eram mais de 50 jovens programadores), foram desafiados a criar soluções inovadoras focadas na área da agricultura.
“Juntámo-nos para realizar mais uma edição de uma maratona que existe desde 2019, e o foco é procurar soluções para resolver problemas reais. Sabemos que temos uma comunidade bem grande de programadores e desenhadores gráficos, de cerca de 400 pessoas, que estão disponíveis para desenvolver soluções para a nossa vida. Com esta iniciativa, pretendemos juntá-los e permitir que as entidades ou os sectores que têm problemas, cujas soluções dependam de uma solução tecnológica, possam usar as ideias destes jovens”, explicou Marlene Mendes Manave, responsável pela área de desenvolvimento de negócios e relações institucionais da ADE.
No caso desta maratona, o objectivo é alcançar soluções moçambicanas. No local, estiveram cerca de 55 pessoas, entre rapazes, raparigas e alguns adultos, que resultam de uma selecção feita a cerca de 250 candidatos que responderam ao convite endereçado pela organização.
“Esta maratona tem que ver com a cadeia de valor da agricultura. Procurámos jovens que já tivessem, de alguma forma, participado em projectos do sector. Esse foi o método de selecção. Por outro lado, também olhámos para as propostas de inovação e seleccionámos 55. Esperamos ter aqui os melhores candidatos para uma corrida de três dias, sem parar, à procura de soluções a partilhar com o sector, com vista ao desenvolvimento agrícola”, assinalou a responsável.
O que torna especial um evento desta natureza é a colaboração face a um desafio, uma espécie de magia intangível que ocorre sempre que se junta um grupo de pessoas focadas num único objectivo
A ADE está envolvida por ter a “responsabilidade” de promover uma “produção harmonizada de dados”. “Só com informação e dados é possível saber qual é a melhor orientação a dar aos projectos. O objectivo é ter um conceito ou, pelo menos, um protótipo do que pode ser uma plataforma de colaboração entre todos os actores da agricultura”.
Depois do evento, espera-se que as soluções sejam desenvolvidas, sendo responsabilidade da ADE procurar apoios e recursos para os jovens seleccionados darem continuidade à ideia.
“Porquê a agricultura?”
Alexandra Antunes, em representação do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) – que oferece assistência técnica à ADE –, destacou o papel do Laboratório de Aceleração daquela agência das Nações Unidas, um parceiro que tem colaborado para o sucesso da iniciativa. “Estamos num país em que cerca de 70% a 80% da população tem a agricultura como base para a sua subsistência. Daí vermos a importância desta área para o desenvolvimento sustentável de Moçambique. Queremos, com este ‘hackathon’, tentar perceber, efectivamente, que tipo de soluções podem ser geradas”, referiu.
O vice-ministro dos Transportes e Comunicação, Amilton Alissone, que também proferiu algumas palavras na ocasião, explicou que agricultura é um sector vital para a economia de Moçambique, sustentando que grande parte da população contribui significativamente para o Produto Interno Bruto (entre 23% e 25%, de acordo com dados do Governo moçambicano). No entanto, a forma como as informações relacionadas com a cadeia de valor agrícola são disponibilizadas faz com que este sector enfrente desafios significativos que podem prejudicar a sua eficiência, equidade e sustentabilidade.
Espera-se que as soluções sejam desenvolvidas, sendo responsabilidade da ADE procurar apoios e recursos para os jovens seleccionados darem continuidade à ideia
“A disponibilização de dados e informações actualizadas e de qualidade, acessíveis e interoperáveis, é essencial para orientar políticas e programas, atrair investimento, melhorar as práticas agrícolas e garantir a melhor distribuição da produção”, apontou. O governante sublinhou ainda que, “com esta maratona, a expectativa é ver fortalecida a comunidade de inovadores de produtos tecnológicos e geoespaciais, ao mesmo tempo que se promove um ambiente de inovação e colaboração entre entusiastas de soluções tecnológicas”.
Soluções inovadoras
Mesmo antes de as equipas se envolverem em trabalhos de concepção das plataformas tecnológicas, a E&M conversou com representantes de duas equipas que nos deram uma luz sobre aquilo que iriam fazer ao longo dos dois dias da maratona. Olinda da Costa, representante do grupo Agritech Innovators, que, além de estudante, é já técnica de suporte informático em programação EP, pretende adquirir “muita experiência”, trocar ideias “com os colegas da área e conseguir desenvolver uma plataforma que possa ajudar a resolver alguns dos problemas do sector agrícola”. “A ideia que trazemos está virada para a falta de informação no sector. Queremos trazer novos agricultores para a área, principalmente os jovens”, com uma plataforma baseada em Inteligência Artificial (IA) que disponibilizará uma área de conversa a que qualquer pessoa pode aceder para obter informações sobre como fazer a sua plantação. “Com a mesma tecnologia, faremos com que os agricultores possam ter fotos das suas plantas processadas, através da IA, para dar detalhes sobre o estado das mesmas. Ao mesmo tempo, a plataforma irá emitir alertas sobre o mau tempo, para que os agricultores possam preparar-se”, explicou Olinda da Costa.
Outro participante, Ailton Baúque, estudante de tecnologias de informação, integra um grupo que pretende criar uma plataforma que identifica pragas e mostra aos agricultores como podem prevenir-se, enquanto sugere o que deve ser feito aos produtos que estejam a sofrer um ataque. “Durante os dois dias da maratona, pretendemos criar um protótipo da plataforma para que seja a mais eficiente possível e conquiste a opinião do júri. Esperamos vencer e, acima de tudo, ver a nossa plataforma ganhar vida e ajudar os agricultores nacionais”, revelou o programador.
E porque, neste momento, aquilo de que o País mais precisa são soluções disruptivas para responder às necessidades básicas de desenvolvimento, acaba por fazer sentido o cruzamento de uma área tão recente e promissora e um sector tradicional como a agricultura. Do lado dos programadores, acredita-se que as soluções criadas terão feito a ponte entre as
duas áreas. (DE)
Texto Nário Sixpene • Fotografia D.R.