Para a história: As gravações secretas de Urias Simango e Joana Simião
Documentos revelam tentativa de suicídio de Joana Simião
A VOA obteve também gravações inéditas de Joana Simião e de Urias Simango, um dos fundadores da FRELIMO que se encontrava também detido em M’telela e que foram posteriormente entrevistados por um grupo de jornalistas de orgãos de informação estatais controlados pela FRELIMO antes de serem mortos
As gravações nunca foram publicadas anteriormente e segundo um dos jornalistas do grupo foram levadas pelo ministério da Informação e nunca mais foram vistas.
Os documentos obtidos pela Voz da América indicam que a primeira informação da tentativa de suicídio de Joana Simião foi feita num telegrama enviado dos responsáveis não identificados do campo de M’telela para o comando provincial da polícia em Lichinga, que começa por relatar que um preso que havia fugido tinha sido recapturado, para depois informar da tentativa de suicídio.
A mensagem foi depois enviada ao gabinete do governador provincial Aurélio Manave pela “ Direcção Provincial dos Serviços de Reeducação” que transcreve o telegrama original em que se diz que “informamos que a Joana queria se enforcar (SIC) hoje de madrugada. Encontramos com uma fita no pescoço, até perdeu sentido (SIC). Quase toda a noite a pedir mudança de quartos e várias chamadas. Saudações revolucionárias”.
A VOA sabe que um médico foi posteriormente levado ao campo mas desconhece-se em que estado encontrou Joana Simião e detalhes dos pedidos de Simião aludidos no telegrama.
Joana Simão diz que não sabe porque foi detida
Na entrevista posteriormente gravada à sua tentativa de suicídio, esta não foi abordada porque na altura isso foi mantido em segredo. Mas um dos jornalistas perguntou-lhe se concordava com o facto de ter sido enviada para o campo de “reeducação” e abordou também alegações feitas quando já lá se encontrava que tinha estado envolvida de novo em actividades políticas contrárias ao poder da FRELIMO.
“A FRELIMO não explicou, não posso concordar com coisas que não sei”, disse Simião a quem depois perguntou como tem sido tratada e “quais as actividades que tem desenvolvido”.
“Tenho sido satisfatoriamente bem tratada e quanto às actividades : nenhumas, embora o presidente me tenha acusado que tinha tentado iniciar actividades aqui” disse acrescentando que “gostaria que me explicassem, mas fui acusada no dia 25 de Junho por sua Excelência o Presidente da República que a Joana tentou organizar um partido em M’telela”.
“Estou isolada não tenho contacto absolutamente nenhum com ninguém, admira-me realmente que eu possa fazer qualquer espécie de actividades política”, acrescentou Joana Simião que nessa entrevista revelou que um dos apoiantes do seu partido GUMO tinha vindo do então rei Sobhuza II da Swazilândia hoje Eswatini.
Um dos jornalistas disse possuir informações que o governo português tinha financiado as actividades do seu partido GUMO, ao que Simião ripostou: “Quais são?” tendo o jornalista aludido ao apoio de “milhares de contos para a compra de jeeps e outro material necessário à propaganda e implantação do grupo ”.
“Isso é mentira”, disse Simião.
“Quem nos ofereceu isso foi o Sobhuza II da Swazilândia”, afirmou Joana Simião, que mais tarde na entrevista disse que se a história de Moçambique tivesse corrido outro curso ela iria levar à justiça os dirigentes da Frelimo que teriam acesso a advogados nacionais ou estrangeiros.
Simango e o assassinato de Eduardo Mondlane
Os entrevistadores tiveram também a oportunidade de falar com Urias Simango um dos fundadores da Frelimo de que foi vice presidente mas de onde foi afastado depois do assassinato do Presidente Eduardo Mondlane em 1969.
Interrogado sobre quem teria organizado o assassinato e quem esteve implicado interna e externamente no assassinato, Simango recordou que tinha havido um comunicado logo a seguir ao assassinato em Dar Es Salaam e “depois em Nachingwea em 1975 houve também um pronunciamento quanto a isso”.
“Eu penso que estão bem informados a respeito disso”, disse o antigo dirigente da FRELIMO que depois de uma pausa interrogou e respondeu: “Quem é que tem as informações? Não é o Simango que tem as informações”, disse recordando ainda que depois tinha ido em exílio para o Cairo pelo que não podia ter mais informações.
“Penso que os senhores não estão a ser justos comigo”, afirmou.
Ele foi também abordado sobre o documento que levou à sua expulsão da Frelimo titulado “Triste situação da Frelimo” e negou que tivesse sido encorajado por forças externas para elaborar o documento.
Ele espondeu também a uma pergunta sobre qual o seu pensamento quando disse que havia contradições graves dentro da Frelimo: “(Esse documento foi escrito) pelo meu próprio punho sem a ajuda de mais ninguém”.
E, quando interrogado sobre o que pretendia disse não saber “porque é que o senhor quer voltar a discutir questões que já foram discutidas, penso que é um capítulo fechado (pois) o pensamento já foi bem esclarecido pela Frelimo”.
Nessa entrevista, Simango tal como Joana Simião disse não ter sido alvo de maus tratos e louvou o tratamento humano que a Frelimo deu aos prisioneiros políticos acrescentando no entanto que “não se pune ninguém pelo simples facto de possuir uma opinião diferente”.
Em contacto que mantivemos com parte do grupo que esteve em M’telela foi-nos dito que as condições do campo “eram iguais a qualquer outra base” e os presos “não tinham aspecto de maus tratos nem de mal alimentados”.
Urias Simango Simango, Joana Simião e outros dirigentes de organizações políticas moçambicanas foram posteriormente mortos em local desconhecido embora haja informação que foram queimados vivos numa vala comum. A data das suas execuções é também segredo presumindo-se que tenha ocorrido entre 1977 e 1980.
A prisão de Joana Simião e Urias Simango
A Voz da América contactou o investigador João Cabrita, autor de vários livros sobre o processo da independência de Moçambique que fez notar que ambos tinham sido presos com a conivência das autoridades portuguesas.
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Num documento secreto entre a Frelimo e as autoridades portuguesas tinha-se acordado nas prisões ao abrigo de dois decretos prevendo a prisão de pessoas opostas ao processo de descolonização .
Urias Simango foi preso após ter sido atraído ao Malawi pelas autoridades deste país e entregue à Frelimo.
Joana Simião foi presa na Beira e transferida para a prisão da Machava onde recebeu visitas da Cruz Vermelha Internacional, através da qual pediu a sua transferência para ser julgada em Portugal algo que foi negado pelo Alto Comissário português na então Lourenço Marques, hoje Maputo.
Ambos e outros foram transferidos para o campo de Nachingweia na Tanzânia, em aviões da força aérea portuguesa, disse João Cabrita, e mais tarde transferidos para M’telela.
Oiça o programa com as gravações de Joana Simião e Urias Simango aqui:
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