Num artigo publicado recentemente no Maka Angola, Rui Verde salientou a frágil coordenação entre o governo e o sector privado, evidenciada pela divulgação e quase imediata retirada da proposta para limitar a importação de uma extensa lista de produtos “que a produção local já é capaz de atender às necessidades de consumo da população e de matérias-primas para as indústrias locais”, conforme a Nota Informativa do Ministério da Indústria e Comércio de 15 de Setembro de 2023.
Além do evidente problema de comunicação, o artigo ressalta dois outros aspectos: (i) a falta de informações sobre os dados e estudos que fundamentaram a avaliação do Ministério acerca da capacidade produtiva local dos itens mencionados na Nota Informativa; e (ii) a aparente desconsideração das evidências sobre os desafios associados à implementação de uma estratégia de substituição de importações em Angola.
No ano de 2022, Angola importou cerca de US$ 17 mil milhões numa ampla gama de produtos, quantia que corresponde a aproximadamente 25% do PIB. Apesar da significativa importância dos derivados do petróleo (devido à limitada capacidade de refinação em Angola), que representam quase metade desse valor, uma análise minuciosa identifica vários itens da Nota Informativa na lista de importados, questionando a suposta auto-suficiência do país. Por exemplo, a importação de alimentos de origem animal e vegetal, como carnes, grãos e cereais, totalizou cerca de US$ 2,5 mil milhões em 2022. Produtos da indústria química e de base, como aço, ferro, cimentos e solventes, somaram mais de US$ 1,4 mil milhões no mesmo período.
Diante da clara incapacidade da produção local angolana para suprir imediatamente as exigências de consumo do país para muitos (ou a maioria) dos produtos da lista, questiona-se o propósito dessa medida.
Uma hipótese é que tal política visa ajustar o nível de importações para enfrentar a notória escassez de divisas. Contudo, é sabido que o uso de políticas comerciais é ineficaz para resolver problemas macroeconómicos. As dificuldades das contas externas de Angola são primordialmente decorrentes de inconsistências macroeconómicas, as quais foram discutidas várias vezes neste espaço.
A outra possibilidade é que a proibição pretendida de importações seja uma política industrial, isto é, um instrumento de substituição de importações, estímulo à produção local e consequente diversificação económica – como de facto sugere a Nota Informativa. No entanto, é reconhecido que o controlo quantitativo de importações é um mecanismo inadequado para promover a substituição de importações, sendo custoso, gerador de distorções na alocação de recursos e redutor do bem-estar social. Em políticas de substituição de importações, é preferível o uso de tarifas de importação.
A possibilidade de súbita restrição de importações de uma ampla gama de produtos com o intuito de favorecer os produtos locais levanta a questão de saber se a indústria local teria capacidade para se ajustar de forma de tal modo rápida e significativa que viabilizasse a interrupção da importação desses produtos. Por exemplo, no caso de alimentos, o último relatório do PDN 2018-2022 indicava que a produção local de carnes, leite e cereais era substancialmente inferior ao consumo doméstico. O país possui sementes, fertilizantes, terras preparadas e outros requisitos de cadeias produtivas agrícolas modernas que permitam aumentar a produção de arroz, milho e trigo de maneira tão acelerada? A rede actual de distribuição de energia eléctrica e infra-estrutura logística é adequada para o aumento da produção de cimento, vergalhões de aço e estruturas metálicas?
No entanto, isso não significa que devemos descartar a validade de políticas voltadas para o aumento da produção local e a diversificação económica. Políticas industriais são definidas como políticas governamentais com o objectivo explícito de transformar a estrutura da actividade económica em prol de algum objectivo público (“The new economics of the industrial policy”).
Do ponto de vista teórico, não houve inovações significativas nas últimas décadas que justifiquem a adopção dessas políticas. Se o sector beneficiar de economias de escala e for sustentável após o desenvolvimento (ou seja, sobreviver sem protecção), uma política de protecção comercial ou de subsídios para o desenvolvimento do sector é justificável. Neste contexto, fala-se em vantagens comparativas potenciais (ou dinâmicas).
Mesmo que as vantagens comparativas potenciais não se confirmem, em alguns casos, a política ainda pode ser justificável se o sector protegido gerar rendimentos económicos significativos ou beneficiar outras actividades no país. O mesmo é válido em situações em que há problemas de acção colectiva ou a necessidade de um bem público específico para o desenvolvimento de uma actividade. Exemplos conhecidos incluem acções para erradicar a febre aftosa no Uruguai, que abriram o mercado americano para a carne uruguaia; e as acções do governo equatoriano para desenvolver a infra-estrutura aeroportuária, facilitando o transporte aéreo de flores e a produção no Equador.
Adicionalmente, argumenta-se que a política industrial é necessária para auxiliar as economias no oneroso processo de experimentação para elevar a diversificação económica. A diversificação maior traz benefícios para o país, especialmente para economias especializadas na produção de alguns bens primários, reduzindo a volatilidade económica.
Embora as justificações para a implementação de políticas industriais não tenham mudado, houve avanços significativos nos últimos 15 anos na forma e no foco da sua execução. A política industrial, anteriormente confinada principalmente à teoria do comércio internacional, com intervenções em estruturas aduaneiras e outros instrumentos, passou a enfatizar o alinhamento de medidas com as vantagens comparativas e a construção da capacidade de coordenação entre o Estado e o sector privado. A colaboração entre os sectores público e privado, sem cooptação, é crucial para o desenvolvimento de políticas públicas eficazes, um conceito conhecido como “autonomia embutida” (“Os Descaminhos da Diversificação”). Entre vários exemplos dessa colaboração, incluem-se a ARPA dos EUA e as Mesas Executivas no Peru, que promovem o diálogo e a coordenação público-privada.
Outro foco tem sido a importância crescente dos programas de capacitação de mão-de-obra e de investimentos em infra-estruturas para a criação de empregos de qualidade, ultrapassando políticas de incentivos directos ou isenções fiscais. A abordagem centrada nas vantagens comparativas existentes, excepto em casos bem definidos, é mais promissora para o desenvolvimento industrial.
Em resumo, a nova política industrial utiliza menos os instrumentos tradicionais de comércio internacional e de subsídios directos para a instalação de fábricas numa localidade, concentrando-se mais na oferta de bens públicos locais e em programas de capacitação de mão-de-obra. Os instrumentos tradicionais podem ser eficazes, mas devem ter um prazo de validade e ser utilizados de forma decrescente ao longo do tempo. Um aumento significativo da produção local requer tanto a existência de vantagens comparativas quanto a abundância de factores de produção, como capital humano e infra-estruturas. Independentemente da legitimidade dos planos de expansão da produção doméstica e redução da dependência de produtos importados, medidas drásticas como a imposição de limites rígidos à importação – sem a coordenação com a iniciativa privada e um debate mais aprofundado sobre os obstáculos fundamentais actualmente enfrentados pela indústria local – parecem estar destinadas ao fracasso.
(https://www.makaangola.org)