Opiniao

O SILÊNCIO CÚMPLICE DO CONSTITUCIONALISTA MARCELO REBELO DE SOUSA

 

Por Tiago J.B. Paqueliua

A presença do Presidente da República Portuguesa, Marcelo Rebelo de Sousa, nas comemorações dos 50 anos da independência de Moçambique seria, à primeira vista, um gesto de amizade histórica entre dois povos outrora ligados por um laço colonial. Contudo, quando tal presença ocorre num evento descaradamente apropriado por um partido hegemónico – a FRELIMO –, que subverte o espírito republicano e plural da independência para fins de propaganda, torna-se inevitável perguntar:

— onde está o juízo crítico do constitucionalista que sabe distinguir Estado de partido?

— Onde está o rigor académico do jurista que leccionou, durante décadas, sobre os pilares do Estado de Direito?

Ao afirmar, num discurso em tom leve e quase folclórico, que o 25 de Junho é “um grande dia para Moçambique, para Portugal, para África e para o mundo”, Marcelo ignora, ou pior, escolhe ignorar, o contexto de esvaziamento democrático que torna esta data um ritual de ilusão, não de esperança.

Não se espera que um Chefe de Estado estrangeiro intervenha nos assuntos internos de outro país com tom acusatório. Mas de um Presidente-jurista, e mormente constitucionalista de alto gabarito, espera-se a sobriedade diplomática crítica, e não a participação legitimadora de um ato revestido de caráter autocrático.

Não basta celebrar os “laços históricos”; é preciso honrar os princípios que esses laços deveriam inspirar: a liberdade, o Estado de Direito, e o pluralismo.

O silêncio — neste caso travestido de louvor — equivale à cumplicidade. O Presidente Marcelo não é apenas um político: é um reputado professor de direito constitucional. A sua presença num evento controlado por um partido-Estado que sanciona arbitrariamente professores (como o caso do Professor Reginaldo), que convoca funcionários públicos à força para comícios disfarçados, e que confunde o cinquentenário da independência com o aniversário da sua própria fundação, deveria tê-lo inquietado profundamente. E mesmo que não falasse, poderia ter recusado o palco. Poderia ter, com elegância diplomática, limitado sua intervenção a uma saudação protocolar neutra, sem se prestar a legitimar um teatro de poder com palavras tão incondicionalmente entusiásticas como “futuro de esperança”.

A esperança não nasce de discursos pronunciados sob bandeiras únicas, mas da coragem de denunciar, ainda que com compostura, as práticas que impedem que esse futuro surja.

O constitucionalista Marcelo sabe disso. E é essa consciência que torna o seu discurso não só equivocado, mas eticamente decepcionante.

Ao alinhar-se com o teatro de propaganda da FRELIMO, Marcelo não só desrespeita os moçambicanos que vivem sob repressão e exclusão, como trai, em silêncio, os princípios fundamentais do constitucionalismo que tantas vezes ensinou — inclusive o da separação entre o Estado e os aparelhos ideológicos de partido, eixo vital da democracia.

Neste cenário, a sua intervenção deixa de ser um ato diplomático e se aproxima de uma forma de legitimação acadêmico-política de um regime que reedita, à sua maneira, um novo colonialismo interno. O mesmo colonialismo que mantém a juventude sem oportunidades, os distritos sem escolas, e os professores públicos sob perseguição por motivos estéticos ou políticos.

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