Nos últimos anos, a província de Cabo Delgado tem estado a sofrer ataques terroristas do grupo conhecido localmente por ALSHABABS, maioritariamente constituído por jovens nativos de Mocímboa da Praia, Macomia, Muidumbe, Palma e Nangade, alguns ainda dos distritos de Mueda e Montepuez. Estes ataques contribuíram significativamente para o deslocamento de centenas de milhares de pessoas.
Na corrida pelo saco de arroz, feijão, litro de oleio massas proveniente do apoio humanitário a que milhares de pessoas vivendo em situação de deslocadas foram sujeitas além a uma distribuição problemática muitas das vezes criando descontentamento dos que de direito deviam ser os prioritários a sua descriminação, violência psicológica –estereótipos a estes rotulados ate no processo de inscrição são marcas patentes do dia a dia dos deslocados nos centros de deslocados em Cabo Delgado.
Nascer para sobreviver nos dias de incertezas perante os ataques terroristas e a corrida no processo de inscrição como beneficiários
Os técnicos responsáveis no processo de inscrição das famílias beneficiarias (identificados como técnicos das empresas subcontratadas pelo PMA), têm a prorrogativa de marcar uma data e local para inscrever os beneficiários em suas listas. As famílias são informadas a hora do início do processo de inscrição, mas nem sempre é cumprido o horário pré-estabelecido. Todas as vezes que eles se fazem aos locais de inscrição, chegam 2 ou 3 horas mais atrasados.
Além disso, os técnicos afectos para listar os deslocados internos envolvem-se em actos de corrupção. Para ser inscrito, algumas famílias deslocadas pagam para serem inscritas na lista de beneficiário, e os valores variam entre 2500 e 2600 meticais por cheque. Alguns técnicos definem a priori a maneira como será feita a distribuição dos produtos alimentares quando o beneficiário receber o cheque comprado.
Outro fenómeno que se regista no processo de inscrição dos beneficiários, é a obrigatoriedade imposta às famílias que não dominam a língua oficial portuguesa. Os técnicos obrigam as famílias a se expressarem em português, a maior parte dessas famílias deslocadas nunca tiveram acesso a um ensino formal ou nunca frequentaram a uma escola. Feijó et. al, (2022) , constaram que mais de 44% da população deslocada nos distritos de Chiúre, Montepuez e Cidade de Pemba não tinham nenhum nível de instrução, ou seja, eram analfabetas. A atitude dos técnicos responsáveis pelas inscrições dos beneficiários violam os preceitos na constituição da República de Moçambique sobre a valorização das línguas nacionais. A lei mãe refere no seu artigo nono que, o Estado valoriza as línguas nacionais como património cultural e educacional e promove o seu desenvolvimento e utilização crescente como línguas veiculares da nossa identidade. Neste contexto, ao obrigarem as famílias não escolarizadas que viviam no literal e historicamente cúmplices dos terroristas ao referirem que:
– “nós não somos os culpados, os vossos filhos é que estão a matar, queimar vossas casas e depois vem aqui reclamar de que?”
Estas acusações tornam as famílias deslocadas mais vulneráveis ao agravamento de violências, sobretudo ao nível das comunidades anfitriãs.
As organizações locais, dedicadas no apoio das famílias deslocadas sentem-se marginalizadas a medida que se fazem as instituições estatais e as organizações não governamentais (ONGs)
O estranho na sua própria terra
Internacionais que têm seus escritórios na cidade de Pemba. Quando são submetidos pedidos de manifestação de interesse, relacionados com propostas de projectos sociais que visam contribuir para o desenvolvimento da província de Cabo Delgado e das populações deslocadas em particular, as instituições de Estado seguem alguns protocolos que prejudicam o timing dos projectos em causa. O mesmo acontece quando as associações locais se deslocam às ONG’s para apresentar um projecto de intervenção social, com o objectivo de solicitar financiamento, elas apresentam uma estrutura de segurança que nos submete a uma percepção de desprezo, mesmo quando o proponente esteja bem identificado. A Kuendeleya deparou-se com este cenário, quando se deslocou à uma ONG que em Março de 2023 recebia propostas de projectos de intervenção social em Cabo Delgado, e foi difícil para ter acesso a secretaria da instituição em que se dirigimos. A verdade é que a província de Cabo Delgado virou um país dentro de Moçambique, onde o próprio nativo é visto como um estranho.
Neste contexto, constatamos que as organizações locais são utilizadas ou contactadas quando há reuniões marcadas com as grandes individualidades: embaixadores, directores das ONG’s e altos dirigentes do Banco Mundial. Este fenómeno assiste-se igualmente, com as organizações de Maputo, que procuram jovens locais para realizam alguns trabalhos insignificantes (entrevistadores, inquiridores, intérpretes e guias) e este facto leva-nos a percepção de que eles vêm a Cabo Delgado para justificar os orçamentos chorudos que recebem de instituições internacionais de pesquisa e embaixadas. As oportunidades de emprego são escassas para os nativos, assiste-se nos centros de deslocados a construção de infra-estruturas com utilização residual da mão-de-obra local, neste cenário, os jovens continuam a sentirem-se mais desvalorizados, com riscos de agravamento da situação de insegurança em Cabo Delgado.
Cabo Delgado segundo ACLED desde Outubro de 2017-Junho de 2023 1 com 1,645 de registo de violência, mortes reportadas de violência: 4,688 e fatalidades reportadas por violência contra civis: 2,003
(A. Kuendeleya e Moz24H )