Mulheres e raparigas são responsáveis por transportar água em 70% dos agregados familiares sem abastecimento no local de residência, de acordo com a primeira análise aprofundada sobre as desigualdades de género em matéria de água, higiene e saneamento (WASH) nos agregados familiares diz o relatorio recentemente publicado
A nível mundial, é mais provável que as mulheres sejam responsáveis por ir buscar água para os agregados familiares, enquanto as raparigas têm quase o dobro da probabilidade do que os rapazes de assumirem essa responsabilidade, e passam mais tempo a fazê-lo todos os dias, de acordo com o novo relatório divulgado hoje pelo UNICEF (Fundo das Nações Unidas para a Infância) e pela OMS (Organização Mundial de Saúde).
O relatório“Progress on household drinking water, sanitation and hygiene (WASH) 2000-2022: Special focus on gender” [“Progresso na água potável, saneamento e higiene das famílias (WASH) 2000-2022: Especial atenção ao género”] – que fornece a primeira análise aprofundada das desigualdades de género em matéria de WASH – também observa que as mulheres e as raparigas são mais propensas a sentir-se inseguras ao utilizarem uma casa de banho fora de casa e sentem desproporcionalmente o impacto da falta de higiene.
“Cada passo que uma rapariga dá para ir buscar água é um passo que a afasta da aprendizagem, do brincar e de estar em segurança”, afirmou Cecilia Sharp, Directora do UNICEF para WASH e CEED (Clima, Energia, Ambiente e Redução de Desastres [Climate, Energy and Enviroment and Disaster Risk Reduction]). “A falta de água potável, de casas de banho e de condições para a lavagem das mãos em casa priva as raparigas de acederem ao seu potencial, compromete o seu bem-estar e perpetua os ciclos de pobreza. Responder às necessidades das raparigas com a criação e implementação de programas WASH é fundamental para alcançar o acesso universal à água e ao saneamento, e alcançar a igualdade de género e a capacitação das mulheres e das raparigas.”
De acordo com o relatório, a nível mundial, 1,8 mil milhões de pessoas vivem em agregados familiares sem abastecimento de água nas habitações. As mulheres e as raparigas com idade igual ou superior a 15 anos são as principais responsáveis pela recolha de água em 7 em cada 10 desses agregados familiares, em comparação com 3 em cada 10 agregados familiares no que se refere aos seus pares masculinos. As raparigas com menos de 15 anos (7%) também têm mais probabilidades de transportar água do que os rapazes com menos de 15 anos (4%). Na maior parte dos casos, as mulheres e as raparigas fazem viagens mais longas para ir buscar água, perdendo tempo que empregariam na educação, no emprego e nos tempos livres; além disso, esta actividade coloca-as em risco de lesões físicas e de perigos no caminho.
O relatório evidencia também que mais de 500 milhões de pessoas ainda partilham instalações sanitárias com outras famílias, comprometendo a privacidade, a dignidade e a segurança das mulheres e das raparigas. Por exemplo, inquéritos recentes em 22 países mostram que, entre os agregados familiares com casas de banho partilhadas, as mulheres e as raparigas são mais propensas do que os homens e os rapazes a sentirem-se inseguras ao caminharem para esse local sozinhas à noite e a enfrentarem assédio sexual e outras situações de risco.
Além disso, os serviços de WASH inadequados aumentam os riscos para a saúde das mulheres e das raparigas e limitam a sua capacidade de gerir os seus ciclos menstruais de forma segura e em privado. Entre os 51 países com dados disponíveis, as mulheres e as raparigas adolescentes nos agregados familiares mais pobres e as pessoas com deficiência são as mais propensas a não ter um lugar privado para se lavar e mudar de roupa.
“Os dados mais recentes da OMS mostram uma dura realidade: todos os anos morrem 1,4 milhões de pessoas devido à falta água, e às condições inadequadas de higiene e saneamento”, afirmou Maria Neira, Directora do Departamento de Ambiente, Alterações Climáticas e Saúde da OMS. “As mulheres e as raparigas não só enfrentam doenças infecciosas relacionadas com a WASH, como a diarreia e as infecções respiratórias agudas, como também enfrentam riscos adicionais para a saúde porque estão vulneráveis ao assédio, à violência e aos acidentes causados pelo facto de terem de sair de casa para ir buscar água ou apenas para usar a casa de banho.”
Os resultados mostram ainda que a falta de acesso a condições adequadas de higiene também afecta de forma desproporcionada as mulheres e as raparigas. Em muitos países, as mulheres e as raparigas são as principais responsáveis pelas tarefas domésticas e pela prestação de cuidados a outras pessoas – incluindo a limpeza, a preparação de alimentos e a assistência aos doentes – o que provavelmente as expõe a doenças e a outros riscos para a sua saúde sem a protecção da lavagem das mãos. O tempo adicional gasto em tarefas domésticas também pode limitar as hipóteses de as raparigas concluírem o ensino secundário e conseguirem emprego.
Actualmente, cerca de 2,2 mil milhões de pessoas – ou seja, 1 em cada 4 – ainda não dispõem de água potável em casa e 3,4 mil milhões de pessoas – ou seja, 2 em cada 5 – não dispõem de saneamento básico seguro. Cerca de 2 mil milhões de pessoas – ou seja, 1 em cada 4 – não podem lavar as mãos com água e sabão em casa.
O relatório regista alguns progressos no sentido de se alcançar o acesso universal a WASH. Entre 2015 e 2022, o acesso das famílias à água potável gerida com segurança aumentou de 69% para 73%; o saneamento gerido com segurança aumentou de 49% para 57%; e os serviços básicos de higiene aumentaram de 67% para 75%.
Mas, para atingir a meta do Objectivo de Desenvolvimento Sustentável de acesso universal a água potável gerida com segurança, saneamento e serviços básicos de higiene até 2030 será necessário aumentar seis vezes as actuais taxas de progresso para a água potável gerida com segurança, e aumentar cinco vezes para o saneamento gerido com segurança e três vezes para os serviços básicos de higiene.
São necessários mais esforços para garantir que o progresso em matéria de WASH contribuam para a igualdade de género, incluindo considerações integradas de género nos programas e políticas de WASH e recolha e análise de dados desagregados, no sentido de fundamentar intervenções orientadas que respondam às necessidades particulares das mulheres e raparigas e outros grupos em situação de maior vulnerabilidade.
No caso de Moçambique, para atingir a cobertura universal de água e saneamento até 2030, são necessários mais investimentos e mobilização social, bem como o empenho de todos os intervenientes em manter as infraestruturas de água e saneamento existentes. Ao ritmo actual, a cobertura universal da água só será alcançada em 2059 e a do saneamento em 2065 (fonte: UNICEF Moçambique).