Texto Cleusia Chirindza • Fotografia Mariano Silva
A campanha “Empresa +Emprego” é mais uma face visível do esforço que parceiros como a União Europeia e Portugal estão a desenvolver para dar futuro à população jovem do norte de Moçambique, que tem partilhado o quotidiano com uma crise humanitária. Sónia Silva, administradora da empresa de recrutamento Contact, destaca a importância do recrutamento local como alicerce da responsabilidade social
A promoção do desenvolvimento social e económico da província de Cabo Delgado, norte de Moçambique, continua a centrar atenções e parceiros. Entre as acções para impulsionar novas oportunidades, destaca-se a nova campanha “Empresa +Emprego”, apoiada pela União Europeia (UE) e pelo Governo português, através do Instituto Camões. As actividades estão a ser levadas a cabo pelo projecto +Emprego e pela Confederação das Associações Económicas (CTA), em parceria com o Instituto Nacional de Emprego (INEP) e a Organização Internacional do Trabalho (OIT). Sob a designação “Empresa +Emprego”, pretende-se fomentar a visibilidade das micro, pequenas e médias empresas (MPME) com presença em Cabo Delgado, que valorizam a qualificação e a empregabilidade dos jovens da província, assumindo uma postura de responsabilidade social.
Há uma grande ambição, mas também grandes desafios neste processo. Intervindo recentemente num workshop sobre “Responsabilidade Social, Ambiental e Governação Corporativa”, no âmbito da campanha “Empresa +Emprego”, Sónia Silva, administradora da empresa de recrutamento Contact, foi directa a um dos pontos-chave. Segundo referiu, as multinacionais e os grandes projectos de exploração de gás natural, por si só, não são a resposta para tudo o que é necessário no norte do País. Aquela responsável argumentou que é importante que o empresariado lute para acabar com as desigualdades sociais, melhorando as condição de vida da população, por exemplo, com investimento em literacia financeira – algo que passa por “ensinar aos mais jovens como as coisas funcionam”. “Devemos tentar recrutar localmente e valorizar mais a população daquela região, pois isso é o que vai desenvolver a província. Precisamos de programas de formação que elevem as categorias para que ninguém esteja em posição inferior”, destacou.
Por outro lado, há cautelas a tomar. Sónia Silva defendeu que as empresas devem dar oportunidades iguais para os jovens de todos os distritos, por forma que se acabe com cobranças ilícitas e subornos durante o processo de procura pelo primeiro emprego. “A maioria da população moçambicana é jovem e precisamos de garantir que entram no mercado de emprego de forma digna, conhecendo os procedimentos. Os esquemas de fraude, além de prejudicarem as empresas, transmitem uma imagem negativa do investidor”, alertou.
“O terrorismo não pode ser só enfrentado sob o ponto de vista militar; é importante implementar acções com impacto social e económico na vida das populações”, António Costa Moura
Devido ao histórico de guerra e desastres naturais, como ciclones, a responsável da Contact assinalou que a disponibilidade de Internet e outras infra-estruturas é ainda deficitária em Cabo Delgado, o que pode interferir no acesso à informação. No entanto, recomendou ao sector privado construir relacionamentos sólidos com as comunidades, compreender a cultura local e viver de perto os desafios da camada jovem.
Promover a cidadania e valorizar o capital humano
Dados da Confederação das Associações Económicas de Moçambique (CTA) revelam que o País vive uma enorme pressão demográfica, decorrente tanto da taxa de crescimento populacional, que é de cerca de 2,5% ao ano, como por via da pressão no mercado de trabalho, que recebe, anualmente, mais de 500 mil jovens candidatos. Para o embaixador de Portugal em Moçambique, António Costa Moura, a criação de emprego justo é uma prioridade para a valorização do capital humano e para haver oportunidades sustentáveis, que garantam um futuro próspero para os jovens que outrora foram afectados pelo terrorismo. A promoção da cidadania, a partilha do conhecimento e a coesão social podem gerar valiosos ganhos para a economia local, assim como influenciar o sucesso do ensino e aprendizagem das gerações vindouras, destacou o diplomata. “O terrorismo não pode ser só enfrentado sob o ponto de vista securitário e militar; é importante implementar acções com impacto social e económico na vida das populações. Há necessidade da criação de iniciativas (como as do +Emprego) que respondam às aspirações dos jovens”.
António Costa Moura recordou que Portugal tem estimulado o desenvolvimento do “emprego digno” para que todos estejam qualificados perante as exigências do mercado, sobretudo das grandes empresas que exploram as reservas de gás. “Tendo em conta os excelentes resultados atingidos, o Governo de Portugal assumiu o desafio de lançar, em conjunto, a campanha Empresa +Emprego para fomentar as boas práticas”.
A província de Cabo Delgado está a ser afectada por um conflito armado desde 2017. Grupos de rebeldes armados pilham e massacram aldeias e vilas, sendo alguns dos ataques reivindicados pelo autoproclamado Estado Islâmico. O conflito já provocou mais de 4000 mortes e pelo menos um milhão de deslocados, de acordo com um balanço feito pelas autoridades moçambicanas.
ESG como factor de inclusão e atracção
A expansão das iniciativas e o alcance das metas previstas na promoção de emprego dependem de vários factores, sendo um deles a disponibilidade de financiamento junto dos investidores. A emergência climática e o cumprimento dos Objectivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) surgem como um desafio para as empresas moçambicanas implementarem regras e bases de trabalho dentro das melhores práticas de Governança Ambiental, Social e Corporativa (Environmental, Social and Governance – ESG, na sigla em inglês). Diante deste novo “modus operandi”, João Safara, administrador do Instituto de Soldadura e Qualidade (ISQ) de Portugal, falou sobre “Globalização e a Rota Imparável do ESG”, sugerindo às Pequenas e Médias Empresas (PME), principalmente as da zona norte do País, que olhem “para as questões ambientais como uma obrigação mundial, para que não fiquem à margem do desenvolvimento, nem percam clientes, nacionais ou internacionais”. Mesmo reconhecendo as fragilidades legislativas existentes, o interveniente explicou que é crucial que as empresas se pautem pela sustentabilidade ambiental e inclusão durante os processos de contratação e desenvolvimento de actividades, apostando no envolvimento directo de todos os colaboradores.
“A lógica de ESG deve estar dentro da empresa e incorporada no dia-a-dia dos colaboradores, por se tratar de uma temática relevante, principalmente para quem está a iniciar uma carreira. A banca internacional não quer estar relacionada com empresas que não seguem estas normas”, elucidou. São princípios que “abrem novos caminhos, trazem oportunidades de negócio, facilitam a contratação de trabalhadores, geram inovação e diminuem os riscos de má reputação e perda de capital”, concluiu. (DE)